d.matt
(Vamos esquecer o estúpido título brasileiro: OS BRUTOS TAMBÉM AMAM. Até porque, mesmo em Portugal, o título original foi usado corretamente, ou seja, SHANE).
É gratificante escrever algo sobre esse filme, mesmo porque o difícil é achar algum defeito, seja na atuação dos atores, seja na direção (soberba) de George Stevens.
Antes de iniciar a pré-produção do filme, a Paramount Pictures tentou criar um elenco de grandes nomes da época e para assim fazer, convidou o ator Montgomery Clift para o papel principal, e o ator William Holden para fazer o fazendeiro Starrett dono do rancho e embora pareça absurdo, convidou a famosa e grande atriz Katharine Hepburn para o principal papel feminino.
Se esse elenco tivesse sido mantido e atuado no filme, nós teríamos certamente um "outro" filme e não esse filme que nós conhecemos e louvamos com muita ênfase.
Porém, questionaria o leitor - com toda razão - mas são todos grandes artistas, com talentos comprovados e aclamados pela crítica cinematográfica em todos os sentidos! Concordo, mas lembramos aos leitores que Montgomery Clift tem um maneirismo todo peculiar e não saberia, talvez, encarnar o personagem Shane, sem esse maneirismo. Seria o mesmo que entregar esse importante papel do personagem principal, a alguém como James Dean, a quem o diretor George Stevens dirigiu no seu filme western GIANT no qual a sua atuação resultou numa calamidade total, conforme já escrevi no meu artigo(logo abaixo).
A bem da verdade, reconheço que o ator Montgomery Clift, na sua estreia no cinema, quando recém saído dos palcos da Broadway, fez um mocinho Cowboy no filme " Rio Vermelho com John Wayne" dirigido por Howard Hanks, mas isso foi em 1948 e ele não tinha ainda esse maneirismo de dramatizar qualquer cena, como passou a fazer posteriormente.
Quanto ao ator William Holden, acho que seria uma ótima escolha e que certamente nos daria um desempenho tão bom como aquele realizado pelo ator Van Heflin, talvez até melhor. Um ótimo ator com expressão
corporal e o tipo ideal para o personagem em questão. Não pôde aceitar pois já tinha compromisso agendado.
Quanto à excelente atriz Katharine Hepburn, acho que seria um grande desastre, pois essa atriz tem uma fisionomia muito dura, está sempre com uma expressão interrogativa, sem nenhuma doçura de gestos e semblante, como pede a personagem feminina principal. Alguém pode imaginar a dura e nada sensual Katharine Hepburn sentindo atração física e sensual pelo pequeno Cowboy, Shane?
Graças a recusa dos atores acima, o diretor George Stevens procurou dentro da Paramount, quais os artistas disponíveis e por muita sorte nossa, conseguiu um Cast de primeira qualidade. com nomes , que na época não eram muito famosos e pôde moldá-los à sua vontade, conseguindo um resultado acima do esperado pelos produtores, que mesmo assim não acreditavam no sucesso do filme e ao final. tentaram vendê-lo ao produtor Howard Hughes pelo preço de custo, mas a proposta foi recusada.
Muitas das informações que estou transmitindo neste texto, eu consegui num longo depoimento feito pelo filho do diretor George Stevens , no qual ele detalha a feitura do filme, quase cena por cena e faz comentários sobre
a realização dessa exuberante película, as dificuldades encontradas e as exigências do seu pai na feitura do filme, chegando ao cúmulo de, em uma das cenas de no máximo 2 minutos, ele levou praticamente uns dez dias e mais de cem tomadas para ficar satisfeito com o resultado.
A dita cena é aquela em que o Shane tenta ensinar ao garoto Joey como atirar e portar um revólver quando é interrompido por sua mãe que repreende Shane. Nota-se nessa cena o uso proposital do som das explosões dos tiros em tom altíssimo, como queria o diretor acentuar o perigo do mau uso da arma.
Foi muito bem escolhida a participação da veterana atriz Jean Arthur, que está sempre muito correta em todas as cenas importantes, inclusive quando ela começa a sentir algum sentimento mais íntimo sobre Shane e numa bela cena pede ao marido que a conforte com um forte abraço. Sua atuação é de muita sensibilidade e chega a nos emocionar. Van Heflin, como sempre muito correto em todos os filmes em que atua, pois nos oferece um trabalho bem feito, mas sem muita ênfase, isto porque o seu personagem em todo o filme é eclipsado pela presença de Shane, a quem o diretor não poupou esforços para que a estrela do ator principal brilhasse de modo especial.
O principal protagonista do filme, Alan Ladd, na época um ator com pouca fama, cujos filmes até aquela época não tinham tido grandes sucessos, era contratado da Paramount Pictures e aceitou o papel de boa vontade e mostrou que, quando bem dirigido, poderia apresentar um bom desempenho, o que ele fez e ficou muito satisfeito com o resultado final, e mandou para o diretor George Stevens, uma mensagem de agradecimento pelo seu belíssimo trabalho de direção, o qual, segundo ele, propiciou o seu melhor trabalho no cinema.
Jack Palance, ator que atuava na Broadway, sem qualquer notoriedade na época, com pouquíssima experiência no cinema, sequer sabia andar a cavalo e suas cenas de montar e descer do animal tiveram de ser trabalhadas durante a montagem do filme, pois quando ele subia para assentar-se na cela do cavalo, as cenas eram rodadas ao contrário para um melhor resultado. A montagem do filme levou mais de um ano para ser finalizada.
A sua participação é crível e de muita força, mostrando na sua expressão corporal, sempre deslizando sutilmente e olhar de soslaio, diz de imediato a que veio, e que está pronto a cumprir a sua missão. Note-se a sutileza do diretor, em que em algumas cenas internas, quando o pistoleiro se aproxima do cachorro que perambula pelo Bar, este sempre se afasta do personagem de cabeça baixa, como se tivesse medo do pistoleiro. Aqui temos a segurança e talento de um criativo diretor, que transforma um ator quase novato, numa lenda do Oeste, depois de lançado o filme.
O elenco de suporte é de ótima qualidade, haja vista que estão ótimos e dão muita credibilidade ao filme. Todas as cenas em que participam em cenário natural, mostrando as belíssimas montanhas do Wyoming, estão perfeitas, isso porque o cinegrafista usou muitas vezes, lentes especiais de aproximação das montanhas geladas distantes e essas montanhas chegavam até o set de filmagem como podemos verificar, dando ao filme uma beleza pictórica de grande qualidade.
O cinegrafista foi tão competente, que em algumas vezes durante os embates entre os rancheiros e o vilão mor, para mostrar algumas cenas de desalento e desistência de continuar a lutar, a cenografia mostra algumas cenas noturnas de grande qualidade, semelhantes as pinturas renascentistas como a famosa tela , em tons Claro escuro " O angelus " do pintor Jean François Millet (1857) a qual demonstra claramente a tristeza dos camponeses em situação de desalento e derrota na hora do Angelus. Com esse magnífico trabalho, o cinegrafista conquistou o único prêmio Oscar do filme, muito merecidamente.
O filme foi baseado no livro do escritor Jack Schaefer sendo adaptado pelo roteirista A. B. Gutrie, com um ótimo resultado final e aceito pelo diretor George Stevens, depois de ter recusado 17 adaptações anteriores. O que demonstra o porquê desse filme ter levado vários anos, desde a sua ideia inicial, tempo de produção, que segundo o filho do diretor, ultrapassou o dobro de tempo estipulado, assim como a sua conclusão foi ultrapassada em alguns milhões de dólares não previstos, mais o tempo de montagem que levou 16 meses para ficar pronta.
Por isso entendemos a maior razão da Paramount tentar vender o filme pelo preço de custo, temendo um fracasso de bilheteria que seria arrasador para as finanças do estúdio. Porem não foi que aconteceu, o filme foi um grande sucesso de crítica e de público, tornando-se um clássico desde o seu lançamento e louvado por todo o mundo cinematográfico.
O aclamado diretor de filmes gênero Western Sam Peckinpah, quando consultado, disse: Shane é o melhor filme western de todos os tempos. Isto dito por um dos mais aclamados diretores de filmes do gênero, e aclamado pela crítica como um dos melhores. Quanto à trilha sonora é uma das melhores, ou certamente a mais bela trilha composta pelo maestro Victor Young, autor de trilhas magníficas. Sua peça principal nesse filme é intitulada, "The call of faraway hills " . Não é uma trilha barulhenta, apenas descritiva da belíssima paisagem, ela pontua desde as primeiras cenas iniciais e torna-se discreta na cenário com muita ação, mas sempre presente e dando uma sonoridade especial a cada cena.
As lances de lutas entre os homens, são muito bem coreografadas e segundo informa o filho do diretor, todas foram filmadas durante longas horas e na maioria delas de lutas, os atores principais foram substituídos por dublês.
Nota-se que durante as violentas brigas o rosto dos atores não aparece claramente, apenas usam roupas iguais as dos atores que iniciaram a cena. Mas são tão bem feitas, coreografadas e bem dirigidas que é difícil perceber a mudança dos atores por dublês.
Na cena em que o pistoleiro Wilson mata o rancheiro Stonewall, o diretor exigiu que o ator alvejado, em lugar de cair morto de frente, caísse de costas. Para isso ele mandou jogar centenas de litros de água na frente do armazém em que estava o pistoleiro, até que criasse um grande lamaçal. O ator foi amarrado com um cabo por traz das costas e quando atingido pelo tiro, foi puxado violentamente, fazendo com que o personagem caísse de costas no lamaçal como ele queria, pois as vítimas sempre caem de frente, minimizando o impacto.
As cenas do enterro, assim como as cenas da comemoração do dia da independência, levaram semanas para serem completadas, pois o diretor não aceitava o resultado. As cenas da festa em que os pares dançam, inclusive Shane dança com a mulher do Starett , levaram semanas e foram encenadas dentro de estúdio e teve o cenário externo recriado internamente para conseguir melhor resultado.
Todos pensávamos que a relação e comportamento do menino Joey com o Shane tivesse sido muito agradável, mas na verdade não foi. O menino era um tanto rebelde e algumas vezes chegou a irritar o ator Ladd, com as suas brincadeiras.
Na cena final, quando Shane está aconselhando o menino Joey a voltar para casa e ajudar os pais, Joey está de costas para a câmera e enquanto o ator Ladd dizia as suas falas de modo calmo, bem pausado conforme aparece no filme, o Joey fazia caretas e mostrava a língua para o ator, que parou de falar e disse para o pai do menino, que estava sempre presente nas cenas em que ele participava. Dá um jeito neste menino ou eu vou jogar um tijolo na cabeça dele. O Pai o repreendeu e o menino se comportou. O ator Jack Palance foi indicado ao premio Oscar como melhor ator coadjuvante, assim como o garoto Brandon de Wild, mas não foram premiados.
O diretor George Stevens não foi indicado como melhor diretor, mas mais tarde ganhou o premio Oscar com a direção do filme Giant. O ator Alan Ladd não recebeu indicação para o premio Oscar de melhor ator, nem foi comentada a sua possível participação, isto porque o ator já tinha terminado o seu contrato com a Paramount e foi contratado pela Warner. Sendo assim o estúdio não teve nenhum interesse em valorizar o ator Alan Ladd e não fez nenhuma publicidade para a sua possível indicação ao prêmio de melhor ator.
Como sempre, os prêmios são na maioria das vezes o resultado de muita propaganda, gastos imensos com presentes, festas e esforço dos produtores. Os eleitores são sempre convencidos votar naqueles mais expostos à mídia. Já vimos este filme antes.
Após mais de sessenta anos, esse filme continua sendo aclamado como um dos mais perfeitos filmes já realizado, sendo justamente considerado um grande clássico. Assisto esse filme no mínimo uma vez por ano e nunca encontrei nada que não fosse considerado perfeição. SHANE É UM GRANDE CLÁSSICO, PERFEITO NOS MÍNIMOS DETALHES. Talvez, quem sabe, o diretor Sam Peckinpah tenha razão quando afirma que o filme SHANE é o maior Clássico filme western de todos os tempos. Eu assino embaixo.
d.Matt
PITACO DO BLOG CHUMBO GROSSO: - Análise perfeita do nosso ótimo crítico de cinema, d.Matt, exclusivo para as páginas do Blog Chumbo Grosso. Nota dez, sem comentários. Parabéns, GIGANTE!!!
5 comentários:
SHANE - melhor texto sobre determinado filme escrito nos últimos tempos.
SHANE - melhor texto sobre determinado filme escrito nos últimos tempos.
SHANE, sem dúvida um dos mais brilhantes textos que li sobre filmes de faroeste americano!
Quem assistiu ao filme em questão por mais de dez vezes não tem a menor dúvida em dizer que a cada assistida descobre-se uma coisa nova: uma cena, uma frase que passou desapercebida, um close-up inotável no momento, e assim por diante.
Está de parabéns o mais notável conhecedor de filme de faroeste americano de todos os tempos que, felizmente, depois de 87 anos de vida bem vivida, só começou brotar sua sapiência e conhecimento cinematográfico porque alguns amigos se juntaram a ele em pleno salão do Cabaré de Maria Bago Mole e essa o convenceu em escrever suas histórias à juventude como legado à posteridade!
VIVA D.MATT.!
Querido amigo Ciço.
Asseguro-lhe que não é tanta sapiência. Os meus escritos apenas refletem o meu sentimento
e agradecimento aos produtores, diretores e atores dos filmes do gênero western ,por ter me proporcionado tanta alegria e um entretenimento de primeira qualidade.
Como o gênero não é explosivo e sim muito pessoal, corriqueiro como a vida rural, é uma
das razões do porque eu me dedico ao assunto.
Não sei quem foi que começou a dizer que sou especialista em filmes western, não o sou,
sou apenas um grande admirador do gênero e também dos seus artistas, produtores e diretores, os quais dedicam as suas vidas a nos entreter com belas estórias de cawboys e cawgirls secundados por belas paisagens, belos cavalos e montanhas exuberantes de beleza.
Grato pelo apoio de sempre
Ah!
Ia me esquecendo: Maria Bago Mole, dona do cabaré de mesmo nome, aproveitou o descanso no Cabaré na labuta da "casa" e voltou a ler SHANE pela décima vez e a cada leitura fazia se sentia encantada com a crônica cheia de riquezas de detalhes cinematográficos só encontráveis nos roteiros grandes filmes.
Disse a todos os expertises em filme de faroeste que estavam presente: desconsiderar uma crônica mais fundamentada e cheia de nuances do que este pela qualidade da exposição ali posta pelo articulista.
Segundo ela as navegantes e frequentadores do cabaré, o escritor daquela crônica se poderia encontrar realidade por tamanha sacada: ter rescrito o roteiro do filme.
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