UMA NAÇÃO DE CÓCORAS
De Dora Kramer
Objetivamente: qual a necessidade de o presidente da República passar três dias vistoriando obras do projeto de transposição das águas do Rio São Francisco em quatro Estados, na companhia de uma vasta comitiva de ministros, entre eles a chefe da Casa Civil?
Para uma vistoria, engenheiros dariam conta do recado. Para uma prestação de contas à sociedade com a finalidade de mostrar que as obras estão andando, há verbas (abundantes) de propaganda institucional.
Mas, como o objetivo não é verificar coisa alguma e a publicidade pura e simples, no caso, não cumpre o objetivo, o presidente Luiz Inácio da Silva ocupa três dias úteis dos raros que tem passado no País com uma turnê de acampamentos e pronunciamentos de caráter pura e explicitamente eleitoral.
Isso quando há problemas graves que mereceriam do presidente mais que referências ligeiras ou declarações de natureza político-partidária, ora em sentido de ataque, ora de defesa.
Exemplos mais recentes: o cancelamento por fraude do Enem e o confisco temporário de parte da devolução do Imposto de Renda para cobrir gastos públicos contratados pela necessidade de sua excelência alimentar o mito do grande beneficiário da Nação, empreendedor ousado.
Mas o que espanta já não é mais o que Lula faz. O que assusta é o que deixam que ele faça. E pelas piores razões: uns por oportunismo deslavado, outros por medo de um fantasma chamado popularidade, que assombra - mas, sobretudo, enfraquece - todo o País.
Fato é que os Poderes, os partidos, os políticos, as instituições, as entidades organizadas, a sociedade estão todos intimidados, de cócoras ante um mito que se alimenta exatamente da covardia alheia de apontar o que está errado.
Por receio de remar contra a corrente, mal percebendo que a corrente é formada justamente por força da intimidação geral, temor de ser enquadrado na categoria dos golpistas.
Tomemos o partido de oposição que pretende voltar ao poder nas próximas eleições, o PSDB, pois ontem um dos postulantes à candidatura presidencial, o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, manifestou-se com muita clareza a respeito dessa última e mais atrevida turnê eleitoral financiada com dinheiro do bolso de quem é partidário do presidente e de quem não é.
"Acho que o presidente tem todo direito de viajar pelo País. Isso faz parte do jogo político. Eu não me preocupo com essas viagens. Acho que elas são legítimas, da mesma forma que nós, da oposição, de forma extremamente respeitosa, temos de ter nossa estratégia. Isso é a democracia", disse o governador, num momento de acentuado equívoco.
Pelo seguinte: não se trata de a oposição se preocupar eleitoralmente ou não com as viagens de Lula. Inclusive porque a questão não são as viagens, mas a natureza eleitoral, partidária, portanto, e o fato de transgredirem a lei no que tange ao uso da máquina pública.
A declaração do governador de Minas, sendo ele quem é no cenário político e em particular de seu partido, representa a voz do PSDB. Que, portanto, não apenas aceita que o dinheiro público seja usado pelo governante para financiamento de campanha como, ao achar tudo muito "natural e legítimo", confessa que faria (se já não faz) o mesmo.
O governador de Minas, e de forma mais contida o de São Paulo, José Serra, acham que fazendo vista grossa a todo e qualquer tipo de transgressão estão sendo politicamente espertos, quando apenas fogem de suas responsabilidades como homens públicos que se pretendem "íntegros", conforme pregou outro dia o governador Serra. Não contestam coisa alguma, coonestam e assim vão amaciando, "respeitosamente", o caminho rumo ao Palácio do Planalto.
Pode até ser que a estratégia dê certo sob o ponto de vista eleitoral da oposição. Mas é um desserviço à democracia, que, ao contrário do que parece pensar o governador Aécio, não significa liberdade para transgredir, mas respeito ao direito - e ao dinheiro - de todos.
NOITE DE LULA NA OBRA: BUFÊ FRANCÊS E CAMA KING SIZE
Lula e seu séquito pernoitaram num dos canteiros da obra de transposição das águas do Rio São Francisco. Ao contrário do que insinuara o marketing oficial, a ousadia não custou ao presidente a perda do apuro que vem junto com o cargo.
Antes da comitiva oficial, chegaram à obra o requinte e a sofisticação. Deve-se o relato à equipe de reportagem do 'Diário de Pernambuco'. Para cuidar da comida, importou-se do Recife o bufê de um bistrô francês, o La Cuisine. Incluiu bebidas e canapés.
Os alimentos foram preparados por um time de nove cozinheiros e servidos por uma equipe de duas dezenas de garçons. Improvisou-se o “quarto” de Lula no escritório do engenheiro-chefe da obra. Coisa fina. Tapete azul, televisão, frigobar, banheiro privativo e cama ‘king size’.
Exceto pelo tapete e pela TV, os convidados ilustres –ministros, governadores e empresários— dormiram em alojamentos dotados das mesmas facilidades. Como o presidente foi à obra mais para ser visto do que para ver, reservaram-se cerca de 50 acomodações para jornalistas. Camas de solteiro.
Para a difusão de textos e imagens, o canteiro foi equipado com 14 laptops. Peças inusuais num ambiente em que máquinas pesadas evoluem sobre a lama.
Do lado de fora, o alojamento presidencial foi adornado com tapumes de fibra e painéis de lona. Para separar os sapatos do solo, brita. Muita brita.
Antes de enfiar-se sob as cobertas, Lula tivera um dia cheio. Passara por Pirapora e Buritizeiro, em Minas. Visitara Barra, na Bahia. No final da tarde, voara para Arcoverde, em Pernambuco. Dali fora, de helicóptero, para o local onde está assentado o canteiro do primeiro pernoite.
O nome da localidade é sugestivo: Custódia. Entre as acepções anotadas no Aurélio, duas se encaixam como luva. Segundo o dicionário, Custódia significa: A) Lugar onde se guarda alguma coisa com segurança; B) Objeto de ouro ou prata em que se expõe a hóstia consagrada.
Nesta quinta (15), Lula deu seguimento à “missa” do São Francisco. Ainda em Custódia, fez um pa©mício. Mais um. O palco, montado de véspera, tem 40 m² –10mX4m. Ornava-o uma frase: 'Projeto São Francisco. Um rio melhor, um rio para todos'.
Lula discursou para os operários. E para as câmeras, naturalmente. Depois, foi à Paraíba. Novo pa©lanque. Mais discurso. No fim da tarde, a comitiva retornou a Pernambuco. Desceu na cidade de Floresta. E foi ao canteiro do segundo pernoite. Na sexta (16), Lula volta para Brasília.
Não há, por ora, informações sobre o custo da aventura administrativo-eleitoral. De concreto, só a certeza de que a conta será espetada na bolsa da Viúva. (Blog do Josias de Souza)