Reinaldo Azevedo
Michel Temer, vice-presidente da República, é um homem educado também no sentido, vamos dizer, escolar do termo. Tanto é assim que recorreu ao velho estilo epistolar para evidenciar as múltiplas provas de desconfiança dadas por Dilma e expor o tratamento truculento de que tem sido vítima. Nesta segunda, enviou uma carta à presidente elencando 11 provas concretas de que ela não confia nem nele nem em seu partido, PMDB. A mensagem, esclarece a Vice-Presidência, não implica um rompimento pessoal com Dilma nem o fim da aliança do PMDB com PT. Ainda que assim seja, é claro que o texto se tornou um marco. Agora, ou racha ou racha.
Com a carta, Temer respondia ao assédio brutal dos palacianos, que tentam, na prática, cassar-lhe prerrogativas constitucionais. A ousadia é tal, já apontei isso aqui, que o ministro Jaques Wagner teve o topete de pôr na boca do vice palavras que este não pronunciou.
Agora vamos ao que é mais impressionante. A carta foi enviada à presidente nesta segunda, quando governistas fiéis ao Planalto lutavam com dissidentes, em companhia da oposição, pelo controle da comissão especial que vai analisar a denúncia que pode resultar no impeachment de Dilma. Trata-se de uma mensagem pessoal. Ora, é evidente que jamais deveria ter sido vazada para a imprensa. Mas foi.
O próprio Temer se surpreendeu. Afirmou:
“Escrevi uma carta confidencial e pessoal à presidente da República. Tive o cuidado de mandar pessoalmente a minha chefe de gabinete entregá-la. Mais uma vez, avaliei mal. Desembarquei em Brasília agora à noite e me surpreendi com o fato gravíssimo de o palácio ter divulgado uma carta confidencial. Eu já tinha me decepcionado quando os ministros Edinho Silva e Jaques Wagner divulgaram versões equivocadas do meu último encontro com a presidente, me deixando mal jurídica e politicamente.”
“Escrevi uma carta confidencial e pessoal à presidente da República. Tive o cuidado de mandar pessoalmente a minha chefe de gabinete entregá-la. Mais uma vez, avaliei mal. Desembarquei em Brasília agora à noite e me surpreendi com o fato gravíssimo de o palácio ter divulgado uma carta confidencial. Eu já tinha me decepcionado quando os ministros Edinho Silva e Jaques Wagner divulgaram versões equivocadas do meu último encontro com a presidente, me deixando mal jurídica e politicamente.”
Pois é… A que alude o vice? Explico. Temer esteve com Dilma. Os dois ministros espalharam a versão de que o vice não via base jurídica para Eduardo Cunha aceitar a denúncia contra Dilma.
Temer não se furta a expor com todas as letras o seu desconforto:
“Eu havia sido comunicado pelo Eduardo Cunha que ele acolheria o pedido de impeachment. Reconheci seu direito de fazê-lo, e, depois, o ministro Jaques Wagner colocou na minha boca a afirmação de que a decisão não tinha lastro jurídico. Constrangido, tive que desmenti-lo. O acolhimento tem sim lastro jurídico.”
“Eu havia sido comunicado pelo Eduardo Cunha que ele acolheria o pedido de impeachment. Reconheci seu direito de fazê-lo, e, depois, o ministro Jaques Wagner colocou na minha boca a afirmação de que a decisão não tinha lastro jurídico. Constrangido, tive que desmenti-lo. O acolhimento tem sim lastro jurídico.”
Pode não ser uma carta de rompimento pessoal e de descolamento do PMDB do governo, mas é evidente que, depois dela, ou racha ou racha. O que quero dizer com isso? Michel Temer está deixando claro que é vice-presidente da República; que a Constituição lhe assegura prerrogativas que governo nenhum pode tolher; que não vai entrar pessoalmente no jogo para influenciar os votos no Congresso; que não vai aderir à gritaria histérica do Planalto, que acusa “golpe”. Temer está dizendo, em suma, que seguirá leal ao papel que lhe atribui a Constituição.
Falemos um pouco da carta. O vice a inicia com uma epígrafe de um ditado latino, a saber: “Verba volunt; scripta manent” — palavras ditas voam; palavras escritas permanecem. Ou por outra: ele preferiu escrever porque ouviu dizer que a presidente o chamaria para mais um encontro. E, depois das distorções de Wagner e Edinho, Temer não quis correr o risco de ouvir falas que não são suas a voar por aí, como se suas fossem.
Na epístola enviada a Dilma, elenca 11 episódios em que a desconfiança da presidente no seu vice e no PMDB ficou patente. Pois é… Temer poderia ter citado ainda um outro adágio latino: “Verba movente; exempla trahunt”. Ou: as palavras movem; os exemplos empurram. Mas isso é literal demais e não aclara as coisas. O melhor seria: as palavras movem; os exemplos compelem, convencem, evidenciam.
Temer afirma que passou os quatro primeiros anos como “vice decorativo” e que “só era chamado para resolver votações do PMDB e crises políticas”. Diz que jamais foi convocado para discutir “formulações econômicas ou políticas do país”. E resume: “Éramos meros acessórios, secundários, subsidiários.”
Deixa claro que sentiu como agressão pessoal a retirada de Moreira Franco do Ministério da Aviação Civil, já que era uma indicação sua. Sustenta que Eliseu Padilha deixou a mesma pasta na semana passada porque desprestigiado, mas que o governo fez questão de alardear que isso era parte de uma conspiração supostamente liderada por ele, Temer.
No quinto item de suas razões, lembra a coordenação política que chegou a assumir em abril, para dela sair em agosto, depois de aprovado o ajuste fiscal, porque os acordos que foram costurados para conseguir aquelas votações não foram cumpridos.
Na reforma ministerial que mudou peças do PMDB, Temer lembra, que apesar de ser presidente do partido, Dilma preferiu ignorá-lo e chamou para cuidar do assunto Leonardo Picciani (RJ), líder do partido na Câmara, e seu pai, Jorge Picciani.
Na ordem dos insultos, Temer observa que, na posse, Dilma manteve reuniu de duas horas com Joe Biden, vice-presidente dos EUA, fazendo questão de ignorá-lo — justo ele, que diz manter uma relação de amizade com o político americano.
Temer afirma que até o programa da Fundação Ulysses Guimarães “Uma Ponte Para o Futuro” foi usado como suposta evidência contra o PMDB e contra ele próprio. E diz que o governo continua tentando dividir o partido, sem sucesso.
O vice-presidente, em suma, deixou claro que a relação de confiança alardeada por Dilma não existe. E conclui: “Finalmente, sei que a senhora não tem confiança em mim e no PMDB hoje e não terá amanhã.”
Na mosca!
Não fosse a conjugação de crise econômica, crise política e crise de confiança, o PT estaria empenhado neste momento em destruir o PMDB. Apontei aqui essa disposição já em fins de 2011 e início de 2012. Na sua brutal arrogância, os petistas julgavam que já tinham destruído o PSDB e que era a hora de começar a caçar os aliados.
Agora é ou racha ou racha. O PMDB pode, sim, continuar na base — até porque, suponho, o próprio governo não pretende se livrar dele —, mas Temer deixa claro que, a exemplo de Dilma (deveria ser assim ao menos), as suas responsabilidades pessoais transcendem as do partido.
Dilma terá de lutar por seu mandato — espero que o faça dentro das regras do jogo, e Temer tem de ter claro que seu papel institucional é substituí-la em caso de impedimento. Com a grave responsabilidade de encontrar um caminho que ao menos nos livre da depressão econômica.
Cada um no seu quadrado. Sei lá por que diabos o Planalto divulgou a carta. Há mais fígado do que cérebro nessa decisão. Para Temer, foi excelente. Aquilo que é dito apenas entre duas pessoas não impõe, aos olhas da opinião pública, nenhuma forma de especial decoro. Quando, no entanto, a conversa confidencial vira assunto até de boteco, não resta às personagens, ou aos litigantes, outra coisa que não o dever da coerência.
E o dever de Temer, agora, é ficar longe de Dilma para, se preciso, substituí-la e dar início ao seu governo.
É a regra.
É a lei.
É a Constituição.
E o PT vai de ter de engolir ou de engolir.
@@@ As imagens e a manchete não fazem parte do texto original
EIS O TEOR DA CARTA QUE O
FUTURO PRESIDENTE ENVIOU
A EX-presidANTA
São Paulo, 07 de dezembro de 2015
Senhora Presidente,
“Verba volant, scripta manent”.
Por isso lhe escrevo. Muito a propósito do intenso noticiário destes últimos dias e de tudo que me chega aos ouvidos das conversas no Palácio.
Esta é uma carta pessoal. É um desabafo que já deveria ter feito há muito tempo.
Desde logo lhe digo que não é preciso alardear publicamente a necessidade da minha lealdade. Tenho-a revelado ao longo destes cinco anos.
Lealdade institucional pautada pelo art. 79 da Constituição Federal. Sei quais são as funções do Vice. À minha natural discrição conectei aquela derivada daquele dispositivo constitucional.
Entretanto, sempre tive ciência da absoluta desconfiança da senhora e do seu entorno em relação a mim e ao PMDB. Desconfiança incompatível com o que fizemos para manter o apoio pessoal e partidário ao seu governo.
Basta ressaltar que na última convenção apenas 59,9% votaram pela aliança. E só o fizeram, ouso registrar, por que era eu o candidato à reeleição à Vice.
Tenho mantido a unidade do PMDB apoiando seu governo usando o prestígio político que tenho advindo da credibilidade e do respeito que granjeei no partido.
Isso tudo não gerou confiança em mim. Gera desconfiança e menosprezo do governo.
Vamos aos fatos. Exemplifico alguns deles.
- Passei os quatro primeiros anos de governo como vice decorativo. A Senhora sabe disso. Perdi todo protagonismo político que tivera no passado e que poderia ter sido usado pelo governo. Só era chamado para resolver as votações do PMDB e as crises políticas.
- Jamais eu ou o PMDB fomos chamados para discutir formulações econômicas ou políticas do país; éramos meros acessórios, secundários, subsidiários.
- A senhora, no segundo mandato, à última hora, não renovou o Ministério da Aviação Civil onde o Moreira Franco fez belíssimo trabalho, elogiado durante a Copa do Mundo. Sabia que ele era uma indicação minha. Quis, portanto, desvalorizar-me. Cheguei a registrar este fato no dia seguinte, ao telefone.
- No episódio Eliseu Padilha, mais recente, ele deixou o Ministério em razão de muitas “desfeitas”, culminando com o que o governo fez a ele, Ministro, retirando sem nenhum aviso prévio, nome com perfil técnico que ele, Ministro da área, indicara para a ANAC.Alardeou-se a) que fora retaliação a mim; b) que ele saiu porque faz parte de uma suposta “conspiração”.
- Quando a senhora fez um apelo para que eu assumisse a coordenação política, no momento em que o governo estava muito desprestigiado, atendi e fizemos, eu e o Padilha, aprovar o ajuste fiscal. Tema difícil porque dizia respeito aos trabalhadores e aos empresários. Não titubeamos. Estava em jogo o país. Quando se aprovou o ajuste, nada mais do que fazíamos tinha sequencia no governo. Os acordos assumidos no Parlamento não foram cumpridos. Realizamos mais de 60 reuniões de lideres e bancadas ao longo do tempo, solicitando apoio com a nossa credibilidade. Fomos obrigados a deixar aquela coordenação.
- De qualquer forma, sou presidente do PMDB, e a senhora resolveu ignorar-me, chamando o líder Picciani e seu pai para fazer um acordo sem nenhuma comunicação ao seu Vice e Presidente do Partido. Os dois ministros, sabe a senhora, foram nomeados por ele. E a senhora não teve a menor preocupação em eliminar do governo o Deputado Edinho Araújo, deputado de São Paulo e a mim ligado.
- Democrata que sou, converso, sim, senhora Presidente, com a oposição. Sempre o fiz, pelos 24 anos que passei no Parlamento. Aliás, a primeira medida provisória do ajuste foi aprovada graças aos 8 (oito) votos do DEM, 6 (seis) do PSB e 3 do PV, recordando que foi aprovado por apenas 22 votos. Sou criticado por isso, numa visão equivocada do nosso sistema. E não foi sem razão que em duas oportunidades ressaltei que deveríamos reunificar o país. O Palácio resolveu difundir e criticar.
- Recordo, ainda, que a senhora, na posse, manteve reunião de duas horas com o Vice-Presidente Joe Biden — com quem construí boa amizade — sem convidar-me o que gerou em seus assessores a pergunta: “O que é que houve que numa reunião com o Vice-Presidente dos Estados Unidos, o do Brasil não se faz presente? Antes, no episódio da “espionagem” americana, quando as conversas começaram a ser retomadas, a senhora mandava o Ministro da Justiça para conversar com o Vice-Presidente dos Estados Unidos. Tudo isso tem significado absoluta falta de confiança;
- Mais recentemente, conversa nossa (das duas maiores autoridades do país) foi divulgada e de maneira inverídica, sem nenhuma conexão com o teor da conversa.
- Até o programa “Uma Ponte para o Futuro”, aplaudido pela sociedade, cujas propostas poderiam ser utilizadas para recuperar a economia e resgatar a confiança, foi tido como manobra desleal.
- PMDB tem ciência de que o governo busca promover a sua divisão, o que já tentou no passado, sem sucesso.
A senhora sabe que, como Presidente do PMDB, devo manter cauteloso silencio com o objetivo de procurar o que sempre fiz: a unidade partidária.
Passados estes momentos críticos, tenho certeza de que o País terá tranquilidade para crescer e consolidar as conquistas sociais.
Finalmente, sei que a senhora não tem confiança em mim e no PMDB hoje e não terá amanhã.
Lamento, mas esta é a minha convicção.
Respeitosamente, \ L TEMER
A Sua Excelência a Senhora
Doutora DILMA ROUSSEFF
DO. Presidente da República do Brasil
Palácio do Planalto
Brasília, D.F.
A Sua Excelência a Senhora
Doutora DILMA ROUSSEFF
DO. Presidente da República do Brasil
Palácio do Planalto
Brasília, D.F.