Cartas de Estocolmo
-ENVELHECER NA SUÉCIA-
Há tempos quero escrever sobre a velhice aqui na Suécia. Só que envelhecer é um assunto complicado, e falar do assunto também é difícil, principalmente quando a gente começa a sentir os efeitos do tempo sobre nossos corpos e mentes e vê nossos pais envelhecendo. Mas a sensação que tenho é que envelhecer aqui na Suécia é diferente. Devido à forma como os suecos concebem a família e seu papel na sociedade, poderíamos achar que os idosos aqui são mais sozinhos do que no Brasil. As famílias não são tão importantes e as relações familiares são mais tênues. Essa família ampliada que temos aí no Brasil, que constitui a rede de proteção tanto para a infância como para a velhice, é substituída aqui pelo Estado. É muito comum que, ao envelhecerem e não poderem mais cuidar de si mesmas sozinhas, as pessoas aqui passem a morar em uma “casa de repouso”, um asilo ou como quer que se queira chamar essas instituições para cuidado do idoso. Mesmo quando vivem sozinhos em suas casas ou apartamentos, os idosos suecos podem contar com auxílio do Estado, com enfermeiras que os visitam em casa ou pessoas que os ajudam com o serviço doméstico, por exemplo. Para nós, acostumados a outro estilo de família e de relações, pode parecer duro e triste envelhecer assim. Só que há o outro lado da moeda. Aqui, a sociedade está mais bem preparada para atender às necessidades dos idosos e eles terminam contando com mais autonomia e independência. Por exemplo, uma pessoa que se aposenta, na Suécia, depois de uma vida normal de trabalho, provavelmente dispõe de recursos suficientes para viver em sua casa própria e pagar suas contas. Além disso, conta com transporte coletivo, saúde e programas sociais destinados ao idoso. E eles viajam com alta freqüência, escapulindo do inverno rigoroso para lugares como a Espanha, o sul da França. Para mim, ainda é problemático encontrar pessoas de idade avançada nas ruas e lugares públicos. Tenho que me conter para não cometer o erro de, instintivamente, ajudá-las a atravessar no sinal de trânsito ou a subir no ônibus, porque muitos não gostam de ser ajudados e consideram uma falta de respeito que alguém lhes dê o assento no metrô. É quase como se os estivéssemos acusando de incapazes.
E eles são muitos e saem com suas bengalas, seus carrinhos de apoio, ou em suas cadeiras de rodas motorizadas, sozinhos pela cidade. Vão ao médico, tomam táxi, sobem elevadores. E eu, com meu outro modelo na cabeça, ainda me pergunto: meu Deus, como é que deixam uma pessoa dessa idade sair assim, sozinha? Mas aqui tenho aprendido a ver a velhice de outra forma. Até porque idosas, aqui, são pessoas maiores de 80 ou 90 anos! Meu sogro, aos 70 anos, tem duas bengalas em casa especialmente preparadas para “quando eu ficar velho e precisar delas”: ambas contam com uma buzina (para o pessoal sair da frente) e um porta-latinha ou porta-garrafa para a indispensável cervejinha (foto abaixo). Em princípio, o sueco deve aposentar-se aos 65 anos, podendo continuar a trabalhar até os 67, caso o empregador concorde. E muitos continuam a trabalhar depois disso. Eu vejo que é assim no meu próprio local de trabalho. Segundo um estudo da pesquisadora Eva Jeppsson Grassman dado a conhecer pela imprensa, há algumas semanas, a metade dos aposentados suecos continua a trabalhar, só que sem salário. Em associações esportivas, igrejas, grupos de estudo, associações humanitárias e até em associações de apoio a outros idosos. (Aliás, as associações é assunto para outro texto, tão importantes que são na sociedade sueca. Aqui as pessoas se associam para tudo, e isso é muito bonito!) Entre os idosos que mais trabalham estão as mulheres acima de 75 anos. O estudo mostra, por exemplo, que uma em cada dez mulheres nessa faixa etária trabalha cerca de 60 horas mensais fora de casa, como voluntária. A pesquisadora discute, inclusive, a possibilidade de estarem os idosos sendo “explorados”, numa época de cortes nos gastos sociais destinados ao cuidado com eles, por exemplo. Mas seu estudo destaca que aqueles que trabalham gozam de melhor saúde e têm melhor qualidade de vida. O fato é que alguns dos seminários mais interessantes a que assisti nos últimos tempos foram organizados pela ELMA, uma associação de aposentados “pelo aproveitamento racional da experiência e lições do trabalho com o meio ambiente na Suécia”. É para mim inspirador e revigorante vê-los em ação, discutir com eles, escutá-los, aprender com eles e confirmar a validez do seu lema: “a experiência é a fonte da sabedoria”. Quem dera todos nós pudéssemos gozar de uma velhice assim, saudável e produtiva!{Extraído do Blog de Ricardo Noblat}.
Leitora do blog, Sandra Paulsen, casada, mãe de dois filhos, é baiana de Itabuna. Fez mestrado em Economia na UnB. Morou em Santiago do Chile nos anos 90. Vive há oito anos em Estocolmo, onde concluiu doutorado em Economia Ambiental.
Há tempos quero escrever sobre a velhice aqui na Suécia. Só que envelhecer é um assunto complicado, e falar do assunto também é difícil, principalmente quando a gente começa a sentir os efeitos do tempo sobre nossos corpos e mentes e vê nossos pais envelhecendo. Mas a sensação que tenho é que envelhecer aqui na Suécia é diferente. Devido à forma como os suecos concebem a família e seu papel na sociedade, poderíamos achar que os idosos aqui são mais sozinhos do que no Brasil. As famílias não são tão importantes e as relações familiares são mais tênues. Essa família ampliada que temos aí no Brasil, que constitui a rede de proteção tanto para a infância como para a velhice, é substituída aqui pelo Estado. É muito comum que, ao envelhecerem e não poderem mais cuidar de si mesmas sozinhas, as pessoas aqui passem a morar em uma “casa de repouso”, um asilo ou como quer que se queira chamar essas instituições para cuidado do idoso. Mesmo quando vivem sozinhos em suas casas ou apartamentos, os idosos suecos podem contar com auxílio do Estado, com enfermeiras que os visitam em casa ou pessoas que os ajudam com o serviço doméstico, por exemplo. Para nós, acostumados a outro estilo de família e de relações, pode parecer duro e triste envelhecer assim. Só que há o outro lado da moeda. Aqui, a sociedade está mais bem preparada para atender às necessidades dos idosos e eles terminam contando com mais autonomia e independência. Por exemplo, uma pessoa que se aposenta, na Suécia, depois de uma vida normal de trabalho, provavelmente dispõe de recursos suficientes para viver em sua casa própria e pagar suas contas. Além disso, conta com transporte coletivo, saúde e programas sociais destinados ao idoso. E eles viajam com alta freqüência, escapulindo do inverno rigoroso para lugares como a Espanha, o sul da França. Para mim, ainda é problemático encontrar pessoas de idade avançada nas ruas e lugares públicos. Tenho que me conter para não cometer o erro de, instintivamente, ajudá-las a atravessar no sinal de trânsito ou a subir no ônibus, porque muitos não gostam de ser ajudados e consideram uma falta de respeito que alguém lhes dê o assento no metrô. É quase como se os estivéssemos acusando de incapazes.
E eles são muitos e saem com suas bengalas, seus carrinhos de apoio, ou em suas cadeiras de rodas motorizadas, sozinhos pela cidade. Vão ao médico, tomam táxi, sobem elevadores. E eu, com meu outro modelo na cabeça, ainda me pergunto: meu Deus, como é que deixam uma pessoa dessa idade sair assim, sozinha? Mas aqui tenho aprendido a ver a velhice de outra forma. Até porque idosas, aqui, são pessoas maiores de 80 ou 90 anos! Meu sogro, aos 70 anos, tem duas bengalas em casa especialmente preparadas para “quando eu ficar velho e precisar delas”: ambas contam com uma buzina (para o pessoal sair da frente) e um porta-latinha ou porta-garrafa para a indispensável cervejinha (foto abaixo). Em princípio, o sueco deve aposentar-se aos 65 anos, podendo continuar a trabalhar até os 67, caso o empregador concorde. E muitos continuam a trabalhar depois disso. Eu vejo que é assim no meu próprio local de trabalho. Segundo um estudo da pesquisadora Eva Jeppsson Grassman dado a conhecer pela imprensa, há algumas semanas, a metade dos aposentados suecos continua a trabalhar, só que sem salário. Em associações esportivas, igrejas, grupos de estudo, associações humanitárias e até em associações de apoio a outros idosos. (Aliás, as associações é assunto para outro texto, tão importantes que são na sociedade sueca. Aqui as pessoas se associam para tudo, e isso é muito bonito!) Entre os idosos que mais trabalham estão as mulheres acima de 75 anos. O estudo mostra, por exemplo, que uma em cada dez mulheres nessa faixa etária trabalha cerca de 60 horas mensais fora de casa, como voluntária. A pesquisadora discute, inclusive, a possibilidade de estarem os idosos sendo “explorados”, numa época de cortes nos gastos sociais destinados ao cuidado com eles, por exemplo. Mas seu estudo destaca que aqueles que trabalham gozam de melhor saúde e têm melhor qualidade de vida. O fato é que alguns dos seminários mais interessantes a que assisti nos últimos tempos foram organizados pela ELMA, uma associação de aposentados “pelo aproveitamento racional da experiência e lições do trabalho com o meio ambiente na Suécia”. É para mim inspirador e revigorante vê-los em ação, discutir com eles, escutá-los, aprender com eles e confirmar a validez do seu lema: “a experiência é a fonte da sabedoria”. Quem dera todos nós pudéssemos gozar de uma velhice assim, saudável e produtiva!{Extraído do Blog de Ricardo Noblat}.
Leitora do blog, Sandra Paulsen, casada, mãe de dois filhos, é baiana de Itabuna. Fez mestrado em Economia na UnB. Morou em Santiago do Chile nos anos 90. Vive há oito anos em Estocolmo, onde concluiu doutorado em Economia Ambiental.
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