José
Nêumanne Pinto
Não
adianta chorar, espernear, berrar, atear fogo às vestes nem espargir cinza nos
cabelos: o depoimento do ex-diretor de Serviços da Petrobrás Renato Duque ao
juiz Sergio Moro, da 13.ª Vara Criminal Federal de Curitiba, tem o efeito de
uma bomba H na reputação e nas miragens fantasiosas de Lula e seus miquinhos
amestrados sobre o papel dele no petrolão. Até 5 de maio a estratégia de defesa
do ex-presidente da República era um castelo com alicerces apoiados em areia
movediça. Suas bases se fundavam em hipóteses completamente estapafúrdias: o
padim de Caetés estaria sendo perseguido por uma súcia de policiais e
procuradores federais, sob o comando de um juiz tucano, bancado pelo
imperialismo americano e pela sórdida burguesia nacional para evitar que ele fosse
eleito presidente da República pela terceira vez no pleito de 2018. Fariam
ainda parte desse bando de golpistas o titular da 10.ª Vara Federal Criminal de
Brasília, Vallisney de Souza Oliveira, e Marcelos Bretas, chefe da 7.ª Vara
Criminal Federal do Rio de Janeiro. E todes teriam o apoio em tempo integral
dos procuradores da Justiça paulista, do procurador-geral da República, Rodrigo
Janot, e do desembargador que relata os processos a que responde no 4.º
Tribunal Regional de Porto Alegre, João Pedro Gebran Neto. Ou seja, uma
conspiração maligna e múltipla com vários tentáculos.
Ainda
de acordo com essa teoria conspiratória em que o delírio se reúne à arrogância,
à desfaçatez e ao cabotinismo em graus extremos, causam essa raiva feroz desses
agentes do Estado as conquistas que favoreceram os pobres brasileiros nos oito
anos das duas gestões de Lula e nos cinco anos, quatro meses e 12 dias dos
desgovernos de sua afilhada, protegida e gerentona fiel Dilma Vana Rousseff
Linhares. Esses podres burgueses teriam armado o golpe que apeou madame
presidenta do poder federal por não suportarem mais pobres andrajosos viajando
de avião como se fossem abastados e os métodos implacáveis contra a corrupção
reinante na relação entre capital e burocracia estatal desde os tempos da
colônia. Pois teriam passado a ser combatidos sem dó nem piedade pela Polícia
Federal (PF) dos tempos em que era considerada republicana até o momento em que
deixou de ser comandada pelo causídico Márcio Thomaz Bastos, ministro da
Justiça no primeiro mandarinato do máximo chefe.
A
verdade dos fatos é que as divisões internas da PF, que vêm dos tempos da queda
da ditadura militar com a eleição de Tancredo Neves e a posse de José Sarney na
Presidência da República, de fato, a tornaram inexpugnável a ordens de cima.
Até hoje, o órgão se divide entre os tucanos ligados ao delegado e ex-deputado
federal Marcelo Itagiba; os petistas que prestaram inestimáveis serviços a José
Dirceu e seus comandados petistas na documentação usada pelas bancadas do
Partido dos Trabalhadores (PT) no impeachment de Collor e na demolição da boa
imagem conquistada por Fernando Henrique no comando da maior revolução social
da História, o Plano Real; e as viúvas de Romeu Tuma, o ex-diretor do Dops
paulista que foi guindado a diretor da instituição e nela deixou marcas e
devotados herdeiros. A verdade é que de Sarney até hoje nenhum presidente da
República exerceu completo controle sobre a PF. Graças a essa divisão, não
foram paralisadas investigações dos agentes federais por ordens de cima sob a
égide do mensalão nem muito menos agora na Lava Jato.
A
conjuntura internacional favoreceu tal “republicanismo”. O trabalho da polícia
americana para desvendar a sofisticada engenharia financeira para tornar viável
o atentado do Al Qaeda que demoliu as Torres Gêmeas em Nova York e quase fez o
mesmo com o Pentágono acordou os ianques para a realidade de que não seria
possível combater o terrorismo sem abrir guerra contra a disseminação da
corrupção. Daí, fez-se um pacto internacional para combater a corrupção e caçar
corruptos onde quer que eles estivessem. Foi nesse contexto que Fernando
Henrique e seu ministro da Justiça, Renan Calheiros, assinaram a lei
autorizando a colaboração com a Justiça, que seus alvos e sequazes apelidaram,
talvez de forma irreversível, de “delações premiadas”. Dilma Rousseff e seu
advogado de confiança no Ministério da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo,
não tiveram como não assinar o aperfeiçoamento dessa forma que se tem mostrado
muito eficaz para identificar e processar larápios, de vez que a lei resulta de
acordos internacionais que não tinham como não ser firmados. A repatriação de
capitais no exterior obedece a uma lógica similar.
A
chamada Ação Penal 470 foi o primeiro esforço para investigar, processar e prender
criminosos do colarinho branco. Ao perceber que a velha regra da época dos
coronéis conforme a qual só vão para o inferno prisional nacional os três pês –
pobres, prostitutas e pardos – começava a ser demolida. A arraia miúda festejou
e aplaudiu. Tornou Joaquim Barbosa, relator do mensalão e depois presidente do
STF, seu herói da vez. Só agora é possível perceber que, de fato, esse senhor
tinha motivações ideológicas que permitiram que os verdadeiros mandantes da
roubalheira continuassem intactos. O resultado final é lastimável. Mofam na
prisão o operador Marcos Valério e alguns empresários privados do segundo time,
enquanto toda a cúpula do primeiro governo Lula está à solta, pois um indulto
da companheira Dilma foi tornado perdão da pena por seus amiguinhos do STF.
Diante do petrolão, o mensalão é uma farsa de iniciantes nas artes cênicas. Até
Zé Dirceu, condenado por ter delinquido enquanto respondia à Justiça preso na
Papuda, acaba de ser liberado, graças à ação conjunta da trinca da tolerância
formada pelos maganões do Direito torto Gilmar Mendes, Ricardo Lewandoswki e
Dias Toffoli. Dos chefões políticos do mensalão na cadeia resta o
insignificante e abandonado Pedro Corrêa.
Apesar
do talento, da expertise em lavagem de dinheiro e da lisura do comandante da
Lava Jato, o juiz Sergio Moro, não tem sido fácil encontrar provas que
incriminem o chefão de todos os petistas, pilhados saqueando todos os cofres da
República. A revista Época desta semana, em completa
reportagem de capa de Diego Escosteguy, reproduz copiosa documentação que dá
conteúdo às delações ditas premiadas que fundamentam os cinco processos penais
e as seis citações de Luiz Inácio Lula da Silva na lista dos 78 da Odebrecht,
que virou de Janot e, depois, de Fachin. No entanto, não falta quem o defenda
dizendo que não bastam a coincidência e a lógica dos depoimentos para
incriminá-lo. “Faltam provas”; teimam, insistem, persistem, não desistem e
repetem.
O
depoimento de Renato Duque é demolidor em todos os sentidos. Por sua origem,
por exemplo. Quando Paulo Roberto Costa era o vértice das delações dos
ex-diretores da Petrobrás, o ilibado professor Ildo Sauer, da USP, espírito de
santo de orelha de Lula em matéria de energia e ex-diretor de gás da apodrecida
cúpula da Petrobrás saqueada, garantia, em entrevista à revista de sua grei
acadêmica e, depois, ao Estadão, que naquele corpo diretivo só
havia dois dirigentes acima de suspeita, Renato Duque e ele próprio. E
demolidor também pelas revelações feitas perante o juiz testemunhando que Lula
sabia de tudo e tudo comandava e que Dilma Rousseff, a afilhada e sucessora, se
preocupava com a hipótese de algum diretor da Petrobrás nas gestões dela ter
dinheiro em contas no exterior.
Não
vai ser com seu castelo em cima de areia movediça que Lula abalará a
consistência das revelações de Duque. E mais: é possível que ainda haja
material explosivo pronto para detoná-lo. O que não terão a dizer Eike Batista
e Antônio Palocci que possa comprometê-lo? Lauro Jardim, em sua coluna no Globo,
garante que Sérgio Andrade, dono da Andrade Gutiérrez, até agora protegido pelo
sócio Otávio Azevedo, está negociando a própria “delação premiada”. Ele também
terá muito a dizer, não só a respeito de Sérgio Cabral, em cujo processo depôs,
ou aos investigadores das Operações Zelote e Lava Jato. E ainda a respeito da
bilionária guerra das teles, assunto que até agora ninguém abordou. Como não
está preso, não foi indiciado e mora em Lisboa, sua decisão desmonta a tese
fundamental da defesa de Lula, Dilma, Palocci et caterva: a de que
negociam redução de penas e, por isso, mentem. E agora, Luiz? – A manchete e a imagem não fazem parte do texto
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