Carlos Newton
Seja qual for o resultado do julgamento da chapa de Dilma Rousseff e de Michel Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral, o grande mal já está feito. Com irresponsabilidade, arrogância e soberba, o ministro Gilmar Mendes comanda o carnaval no plenário do TSE que está dando força ao processo em curso para desmoralização do Judiciário, destinado a igualá-lo aos outros dois podres poderes da República, como diz Caetano Veloso. Até agora, foram três dias de uma folia sinistra, que parece com o programa do Chacrinha e só acaba quando termina. O que só resta saber é se Gilmar pretende mesmo chegar à apoteose de seu desfile carnavalesco com esse enredo que está sepultando as leis, na ilusão de dar sobrevida a um governo em estado terminal e que só aguarda a quarta-feira de cinzas.
Nas três sessões iniciais do julgamento, ficou claro que a tropa de choque de Gilmar Mendes não tem argumentos jurídicos para enfrentar o parecer do relator Herman Benjamin, altamente técnico e baseado na legislação.
TSE, FORA DE LEI – Como tem maioria garantida no plenário, e foi justamente por isso que colocou o processo em pauta, o presidente do TSE já conseguiu que não sejam consideradas como provas as explosivas delações da Odebrecht e dos marqueteiros João Santana e Mônica Moura. A justificativa, defendida tropegamente por Gilmar e sua trupe (Napoleão Maia, Admar Gonzaga e Tarcísio Vieira), baseou-se na estranha tese de que se trata de fato novo, que não poderia ser incluído nos autos.
Foi uma decisão vexaminosa, fora da lei, algo jamais registrado na História da Justiça Eleitoral, porque a legislação em vigor determina exatamente o contrário. Estabelece o artigo 370 do Código de Processo Civil que “caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito”. E o artigo 23 da Lei Complementar 64, que se refere a inelegibilidade e cassações de mandatos, é ainda mais taxativo: “O Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral”.
Mesmo assim, na ânsia de salvar um presidente corrupto e sem merecimento, nesta quinta-feira os quatro mosqueteiros do TSE interpretaram a lei ao contrário, mostrando a que ponto caiu a qualidade dos tribunais superiores do país.
HÁ ESPERANÇA? – É claro que ainda há um resto de esperanças de que um dos três mosqueteiros de Gilmar Mendes possa ter uma crise de dignidade. São juristas de biografias sólidas, pessoas muito conhecidas em Brasília e que, por uma razão ou outra, estão enveredando por caminhos obscuros, prestes a jogar seus currículos na lata do lixo. Um deles pode acordar nesta sexta-feira e, ao se olhar ao espelho para se barbear, de repente vislumbrar a imagem de um rosto envilecido e indigno.
Depois, ao tomar café, o ministro olhar a mulher e os filhos e antever o que dirão os amigos e parentes, quando souberem que ele aceitou descumprir a lei para salvar um político que traiu a nação. É certo que seu ardiloso voto no TSE ficará marcado para sempre em sua consciência e vai persegui-lo pelo resto de seus dias. E tudo isso para quê? Para nada, responderiam os poetas Miguel de Cervantes e Ascenso Ferreira, que se dedicaram ao tema da inutilidade de determinadas ações.
Será que um político enlameado como Michel Temer merece que eminentes juristas se desmoralizem e manchem a história do Judiciário, num julgamento de tamanha importância? É esta a pergunta que os três mosqueteiros terão de responder hoje.