JANOT MANDA PRENDER – Uma semana depois das gravações, o procurador Ângelo Goulart foi preso a pedido da PGR
As mais recentes ações do procurador-geral da República, Rodrigo Janot,
muitas das quais controversas, revelaram que ele vinha trafegando numa
linha tênue e perigosa que separava a boa e necessária liturgia jurídica
de seus interesses pessoais e políticos. O que ISTOÉ traz agora em suas
páginas indica que Janot pode ter ultrapassado e muito essa fronteira.
Trata-se de duas ligações telefônicas, ainda sob sigilo judicial,
interceptadas pela Polícia Federal, no âmbito da operação Lava Jato,
obtidas com exclusividade pela reportagem de ISTOÉ. Na gravação, com
pouco mais de 13 minutos de duração, a procuradora da República Caroline
Maciel, chefe da PGR no Rio Grande do Norte, mantém uma conversa
estarrecedora com o colega Ângelo Goulart. No diálogo, Caroline o alerta
sobre os perigos de um eventual apoio dele a Raquel Dodge, candidata à
sucessão do procurador-geral da República e tida como “inimiga” de
Janot. De acordo com Caroline, “a tática de Janot é apavorar quem está
do lado de Raquel”. Sete dias depois da conversa, ocorrida em 11 de maio
deste ano, Ângelo teve sua prisão decretada pelo próprio Rodrigo Janot.
“A conversa que rola é que você estaria ajudando Raquel. Estou te
avisando porque parece que a guerra está num nível que eu não consigo
nem imaginar porque eu não sou desse tipo de coisa. Inclusive, pelo que
eu senti, a tática de Janot é apavorar quem estiver do lado de Raquel”,
afirmou.
Outro
trecho é ainda mais revelador sobre um possível – e impróprio – modus
operandi na PGR. Guarda relação com as investidas da procuradoria-geral
da República contra parlamentares. Deixa claro que as ações envolvendo
políticos nem sempre estão assentadas, como deveriam, no estrito exame
da lei. Sugerem que investigações podem estar contaminadas por ambições
tão individuais quanto inconfessáveis. Em tom de desespero, devido ao
clima beligerante instalado na procuradoria, Caroline afirma que, por
ter franqueado apoio a Raquel Dodge, o presidente do DEM e senador José
Agripino Maia (RN) entrou na alça de mira da Procuradoria-Geral da
República. Segundo Caroline, outro procurador da Lava Jato compartilha
da mesma apreensão. “É o seguinte. O Rodrigo (Rodrigo Telles de Souza,
procurador da Lava Jato no STF) está muito preocupado porque ouviu (…)
ele disse que se fala lá nessa história de (senador) José Agripino
(DEM-RN) ter prometido apoio a Raquel. E querem de alguma forma agora
lascar José Agripino. (…) Aí Rodrigo é um que está apavorado. ‘É, estou
com medo de acontecer alguma coisa, agora Janot vai partir pra cima e
não sei o quê…’ Eu disse: Meu Deus do céu, ele tá apavorado, senti que
ele está apavorado. Porque Rodrigo (Teles), coitado, ele não é ligado a
ninguém”.
Os
áudios são devastadores e tisnam a imagem do procurador-geral da
República num momento crucial para a Lava Jato e de suma importância
para o País, a três meses do encerramento do seu mandato. Mostram que
Janot pode estar se movimentando ao sabor de suas conveniências
particulares e políticas, o que coloca em suspeição não só as ações
pretéritas do procurador-geral como as futuras. Não foram leves as
últimas munições disparadas por Janot, como o controverso acordo com os
donos da JBS, – celebrado no afogadilho e marcado pela condescendência
com os delatores investigados – as prisões de Rodrigo Rocha Loures
(PMDB-PR) e de Andrea Neves, irmã do senador Aécio Neves (PSDB-MG), e a
própria denúncia contra o ex-presidente do PSDB. Como não é nada
desprezível o arsenal que Janot vem preparando para breve. Nos próximos
dias, ele deve denunciar o presidente da República, Michel Temer, por
corrupção passiva e organização criminosa. A questão que se impõe agora,
diante das revelações trazidas por ISTOÉ, é: terá o procurador-geral da
República, Rodrigo Janot, legitimidade para levar adiante ações de
tamanha envergadura com potencial para influir não só na atual
disposição das peças do tabuleiro do poder político, como na sucessão
presidencial de 2018?
O ALERTA A ANGELO GOULART
Em
conversa mantida no dia 11 de maio deste ano com o procurador da
República, Ângelo Goulart, a colega Caroline Maciel mostra grande
preocupação com o eventual apoio dele a Raquel Dodge, arqui-inimiga e
candidata à sucessão do procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
Segundo ela, Janot quer “destruir todo mundo nos arredores” e que sua
“tática é apavorar quem está do lado de Raquel”. Sete dias depois da
conversa, Ângelo teve sua prisão decretada.
Caroline
Maciel – Eu soube da informação que (Rodrigo) Janot está pensando em
ficar, em tentar permanecer, e quer destruir todo mundo nos arredores. A
conversa que rola é que você estaria ajudando Raquel (Dodge, candidata à
PGR e opositora de Rodrigo Janot).
Goulart – Eu?
Caroline
Maciel– Estou te avisando porque parece que a guerra está num nível que
eu não consigo nem imaginar porque eu não sou desse tipo de coisa.
Goulart – Mas da onde apareceu isso, gente? Nem contato com a Raquel eu tenho?
Caroline
Maciel – Inclusive, pelo que eu senti, a tática de Janot é apavorar
quem estiver do lado de Raquel. Claro que tem gente que nem liga. Mas
tem gente que…
Caroline Maciel – Parece que o negócio tá…
Goulart
– Incoerente. Ontem ele (Janot) pediu um favor para ver um negócio no
TSE para ele (Goulart atuava na vice-procuradoria-geral eleitoral, com
uma mesa de trabalho no TSE inclusive).
VÍCIOS DE ORIGEM
Assim
como Agripino Maia, Temer tambéminclina-sepor Raquel Dodgepara
substituir Janot. Ela é a candidata prefe- rida não só de Temer, como de
auxiliares do presidente – tudo o que o procurador- geral menos quer,
como demonstram claramente os áudios. Se, como dizem as gravações,
Agripino seria perseguido pela PGR por articular apoio à arqui-inimiga
de Janot na procuradoria-geral, por que o mesmo não poderia estar
acontecendo com outros políticos, o presidente da República incluído?
Janot, nesse contex- to, pode ter declarado guerra aberta ao presidente
Temer por sua inclinação a favor de Raquel. Em qualquer País sério do
mundo, as deliberações de Janot se- riam seriamente questionadas, para
dizer o mínimo, por conter vícios de origem.
SILÊNCIO CONVENIENTE – O ministro Edson Faquin ainda deve explicações sobre jantar com delator da JBS
A
própria prisão do procurador Ângelo Goulart foi precedida de eventos
nebulosos. Como é notório, Goulart é o procurador que foi preso em 18 de
maio deste ano, acusado de receber dinheiro para repassar informações
ao empresário Joesley Batista, dono do frigorífico JBS, a respeito de
investigações que o envolviam. A prisão foi decretada pelo ministro
Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF, a pedido da
Procuradoria-Geral da República. Fachin, a propósito, ainda deve
explicações a respeito de um suposto jantar com a presença de Joesley e
Ricardo Saud, executivo da JBS, durante sua campanha à vaga de ministro.
A informação sobre os vazamentos de Goulart foi passada à PGR pelo
próprio Joesley Batista em delação premiada. Na famosa conversa mantida
entre Joesley e Temer, o empresário comunica ao presidente sobre a
‘compra’ de um pro- curador da República para ajudar os acionistas da
holding com informações sobre as investigações em andamento. Segundo o
dono da JBS, Goulart recebeu suborno para repassar informações sigi-
losas sobre a Operação Greenfield, que investiga corrupção, lavagem de
dinheiro e fraudes em fundos de pensão de funcionários de estatais.
Ocorre que, inicialmente, Joesley negou aos procuradores que o
aliciamento ao procurador fosse para valer. Classificou-o como “blefe” e
“bravata”. Dias depois, quando as negociações com a Procuradoria
avançaram, ele resolveu mudar o depoimento e asseverou que, sim, a
compra do informante era real. Diante das revelações trazidas à baila
agora por ISTOÉ é licito indagar: o que pode ter provocado a
reviravolta? Mais: o possível apoio de Goulart a Raquel Dodge pode ter
sido determinante para a mudança de versão e a conseqüente prisão do
procurador, uma vez que Joesley e a equipe de Janot estavam
indiscutivelmente afinadas e interessadas em correr com uma delação “boa
para ambas as partes”?
CLIMA DE GUERRA
A
julgar pelas palavras da procuradora Caroline Maciel, identificada na
conversa como “Carol”, trata-se de um cenário plausível. Durante toda
conversa, ela demonstra sua angústia em relação à guerra interna
responsável por incendiar a PGR nos meses que antecedem a nova eleição
ao cargo de procurador-geral da República, que terá novo ocupante em
setembro. Desde março, as movimentações para a disputa vêm se
intensificando e o clima se deteriorando na mesma proporção. O diálogo
indica que a atmosfera na Procuradoria é de caça às bruxas, em que os
procuradores têm medo de serem associados a algum candidato específico e
sofrer retaliações após o resultado – um temor que deveria passar a
léguas de distância de um órgão como o Ministério Público Federal,
criado exatamente para denunciar abusos e atos criminosos contra a
sociedade. “Esse negócio é muito ruim, esse ambiente”, lamenta Ângelo em
dado momento do diálogo. A procuradora corrobora: “Muito ruim. Eu estou
te falando porque eu adoro você. E vi seu nome virando pelos meios lá.
Ficou tipo assim, como inimigo (de Janot). Eu não gosto dessas coisas
não, Ângelo”. Ela volta ao tema ao dizer que “os ânimos estão muito
piores do que se pensava. “Eu tô apavorada, que eu não gosto disso,
não.”
Quando
o diálogo aconteceu, ainda não havia se encerrado o prazo de
apresentação das candidaturas para a eleição pelo comando da PGR, o que
só se concretizou no dia 24 de maio – 13 dias depois. Àquela altura,
Janot ainda cogitava concorrer a um terceiro mandato consecutivo. Por
isso, num trecho da conversa, Caroline fala numa “estratégia de guerra”
para Janot se manter no cargo. “Tô te dizendo isso porque a coisa lá
parece que vai ser pesada, pelo menos a estratégia de guerra, e tá se
falando lá pelo gabinete que Janot vai tentar ficar só pra Raquel não
ficar”, afirma ela, para logo em seguida reforçar. “Se você quiser
apoiar que você quiser, você pode apoiar. Isso tem que ser uma coisa
democrática. Meu Deus do céu. Mas parece que tá assim: se você está com
um você é inimigo do outro. Ai, meu Deus, isso não existe para mim”.
Procurada por ISTOÉ na quinta-feira 15, a procuradora-chefe da PGR no
Rio Grande do Norte, Caroline Maciel, reiterou as afirmações extraídas
do áudio. “Não estava defendendo nem a candidatura de Raquel nem de
Janot”, quis deixar claro.
GOULART – Depois de cooptado por Joesley, vazou para o delator dados das investigações
O
procurador-geral da República, Rodrigo Janot, acabou recuando da ideia
de um novo mandato, principalmente depois do esgarçamento da relação com
Temer, em consequência da divulgação do acordo de delação premiada com
os irmãos Wesley e Joesley Batista, da J&F. Mesmo assim, Janot
permanece empenhado, mais do que nunca, em evitar a ascensão de Raquel
Dodge. Em 2015, ela obteve 402 votos dos colegas e ficou em terceiro
lugar na preferência para ocupar o posto. A escolha dela pelo presidente
da República pode representar o ponto final da era Janot na PGR.
Concorrem contra ela, Nicolao Dino e Mário Bonsaglia (ver quadro), hoje
os preferidos do procurador-geral. Janot receia sobretudo que Raquel,
uma das responsáveis pela Operação Caixa de Pandora, contrarie
interesses de seu grupo na procuradoria. Por “contrariar interesses”
leia-se abrir uma série de investigações internas e instaurar processos
administrativos capazes de colocar em xeque as ações de Janot – muitas
das quais nadas republicanas, como indicam as gravações reveladas agora
por ISTOÉ – à frente do órgão.
A PERSEGUIÇÃO A AGRIPINO
A
procuradora da República Caroline Maciel diz a Angelo Goulart que, por
ter prometido apoio a Raquel Dodge, o senador José Agripino Maia (RN),
presidente do Dem, virou alvo da Procuradoria-geral da República.
“querem de alguma forma agora lascar José agripino”, revelou ela.
Goulart
– Olha, na boa, Carol, eu estou c. (palavrão) e andando para isso. Eu
tenho consciência do que eu faço. Então, quer achar? Acha. Não fiz nada
demais, nada demais.
Caroline
Maciel – É o seguinte. O Rodrigo (Rodrigo Telles de Souza, outro
procurador da Lava Jato no STF) está muito preocupado porque ouviu (…)
ele disse que se fala lá nessa história de (senador) José Agripino (DEM-
RN) ter prometido apoio a Raquel. E querem de alguma forma agora querem
lascar José Agripino (Agripino responde a inquérito no STF e teve seus
sigilos quebrados em apuração sobre suspeita de propina paga a ele pela
OAS).
Goulart – Então, tô nem aí.
Caroline
Maciel – Agora, Rodrigo (Teles), coitado, acho que estão fazendo aquela
tática tipo assim: “Raquel vai destruir todo mundo”, sabe? Aí Rodrigo é
um que está apavorado. “É, estou com medo de acontecer alguma coisa,
agora Janot vai partir pra cima e não sei o quê…” Eu disse: Meu Deus do
céu, ele tá apavorado, senti que ele está apavorado. Porque Rodrigo
(Teles), coitado, ele não é ligado a ninguém.
Goulart – Mas isso aí… o que ele vai poder prejudicar? Vai prejudicar em que, cara?
Caroline
Maciel – Não sei, sei lá. Enfim, fico apavorada com esses negócios. Mas
estamos lá: seu santo nome em vão no meio e o meu também.
Goulart – O seu também?
Caroline
Maciel – O meu também porque eu estou sendo acusada de ter intermediado
o acordo de José Agripino com Raquel (Dodge) (risos) Coitada de mim. A
única vez que tive com José Agripino fiquei foi me tremendo todinha com
as coisas, porque eu não sou acostumada com esse negócio.
Caroline
Maciel – Cacete… Então meu santo nome está lá, dizendo que eu estou
intermediando o encontro de José Agripino com Raquel. Só que é óbvio que
quem intermedeia esses encontros é Luciano Maia, que é primo dele.
Neste
trecho da conversa, a procuradora da República Caroline maciel fala
sobre o clima beligerante na PGR e o possível vale-tudo para que Rodrigo
Janot permaneça no cargo por mais um mandato. “a coisa lá parece que
vai ser pesada, pelo menos a estratégia de guerra … e tá se falando lá
pelo gabinete que o Janot vai tentar ficar só pra Raquel não ficar”
Goulart – Esse negócio é muito ruim, esse ambiente.
Caroline
Maciel – Muito ruim. Eu estou te falando, porque eu adoro você. E vi
seu nome virando pelos meios lá. Ficou tipo assim como inimigo.
Goulart – É um jogo, cara, tá um clima horrível isso aí.
Caroline Maciel – É nesse jogo acaba que gente que não tem nada a ver pode se prejudicar, sabe?
Caroline
Maciel – Eu tô te dizendo isso porque a coisa lá parece que vai ser
pesada, pelo menos a estratégia de guerra e tá se falando lá pelo
gabinete que o Janot vai tentar ficar só pra Raquel não ficar.
RAQUEL DODGE, A SUCESSORA?!?!?!
Na
bolsa de apostas da sucessão de Rodrigo Janot na Procuradoria-Geral da
República (PGR), Raquel Ferreira Elias Dodge está bem cotada. Em 2015,
ela obteve 402 votos dos colegas e ficou em terceiro lugar na listra
tríplice dos preferidos para ocupar o cargo de procurador-geral. Como
Janot ficou em primeiro, ele foi o escolhido para continuar no cargo e
teve seu nome aprovado no Senado. A eventual eleição de Raquel Dogde
agora, seria o ponto final da era Rodrigo Janot na PGR, já que ela faz
oposição aberta ao atual chefe do MPF.
Transcrito da Revista Isto É