CHE GUEVARA ESCREVE
AOS PAIS
Queridos velhos:
Mais uma vez sinto sob os calcanhares as costelas de Rocinante, volto aos caminhos empunhando minha lança.
Faz mais ou menos dez anos, eu lhes escrevia outra carta de despedida. Segundo me parece lembrar, eu lamentava não ser melhor soldado e melhor médico; a segunda coisa já não me interessa, e creio que não sou um soldado tão ruim.
Nada mudou na essência, a não ser que agora estou muito mais consciente, meu marxismo está enraizado e apurado. Acredito na luta armada como a única solução para os povos que lutam pela libertação e sou conseqüente com as minhas convicções. Muitos dirão que sou um aventureiro, e sou de fato, só que um tanto diferente, é daqueles que arriscam a vida para demonstrar suas verdades.
Pode ser que desta vez o meu desaparecimento seja definitivo. Não procuro isso, mas está dentro do cálculo lógico de probabilidades. Se for assim, vai o meu último abraço.
Amei-vos muito; apenas não soube expressar meu carinho, sou muito rígido nas minhas atitudes e penso que às vezes não fui bem entendido. Não era fácil entender-me. No entanto, peço-vos que acreditem no que digo hoje.
Agora, uma força de vontade, que trabalhei com muito prazer e é por isso que tentarei sustentar umas pernas fracas e um par de pulmões cansados. Hei de conseguir.
Lembrem, uma vez ou outra, deste pequeno “condottiere” do Século XX. Um beijo para todos. Um grande abraço do filho pródigo e teimoso.
Ernesto
CHE GUEVARA ESCREVE A SUA
FILHA MAIS VELHA:
15 DE FEVEREIRO DE1966
Hildita querida:
Escrevendo hoje, embora a carta deva chegar bem mais tarde; mas quero que você saiba que eu lembro de você esperando que seu aniversário seja um dia muito feliz. Você já e quase uma mulher, e eu não posso escrever como se escreve a uma criança, contando bobagens ou mentirinhas.
Você deve saber que eu continuo longe e que ficarei muito tempo longe de você, fazendo o que for possível para lutar contra os nossos inimigos. Não que seja grande coisa, mas o que posso eu faço, e creio que você sempre sentirá orgulho por seu pai, como eu sinto por você.
Lembre que temos pela frente muitos anos de luta, e que você, mesmo sendo mulher, deverá fazer parte dessa luta. Entretanto, é preciso que você se prepare, que você seja muito revolucionária, coisa que na tua idade significa aprender muito, o máximo possível, e que você esteja sempre disponível para apoiar as causas justas. Além disso, obedeça a sua mãe e não faça nada antes do tempo adequado. Essa época chegará.
Você deve lutar para ser uma das melhores alunas na escola. Melhor em todos os sentidos, e você sabe o que isto quer dizer: estudo e atitude revolucionária, isto é: boa conduta, seriedade, amor à revolução, companheirismo, etc. Eu não era assim na tua idade, mas estava numa sociedade diferente, quando o homem era inimigo do homem. Agora você tem o privilégio de viver outra época e é preciso ser digna dela.
Não esqueça de dar atenção a casa e olhar as crianças, aconselhar que estudem e se comportem bem. Especialmente Aleidita, que te ouve muito na tua condição de irmã mais velha.
Muito bem, filha, mais uma vez, que você seja muito feliz no seu aniversário. Dê um grande abraço na sua mãe, e para você vai um maior ainda, muito forte, que possa valer para todo tempo em que não nos vejamos, do seu
Papai
TCHE
CHE GUEVARA ESCREVE
AOS FILHOS
Meus queridos filhos Hildita, Aleidita, Camilo, Célia e Ernesto:
Se algum dia vocês lerem esta carta, vai ser porque eu não estarei mais com vocês. Quase não lembrarão de mim. E os mais pequenos não lembrarão nada. Seu pai foi um homem que age como pensa e, certamente, foi leal às suas convicções. Cresçam como bons revolucionários. Estudem muito, para poder dominar a natureza. Lembrem que a revolução é o mais importante, e que cada um de nós, sozinho, não somos nada. Sobretudo, sejam capazes sempre de sentir profundamente qualquer injustiça cometida contra qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo. É a qualidade mais bela de um revolucionário.
Até sempre, filhinhos, espero vê-los ainda. Um beijo grande e um abraço do
Papai
Che
GUEVARA DESPEDE-SE DO SEU
FIEL AMIGO FIDEL
ESSA INQUIETA PERSONALIDADE, POSSUIDORA DE UMA RARA INTELIGÊNCIA E DE UM AGUÇADO SENSO HUMANÍSTICO QUE ERA O MÉDICO ARGENTINO ERNESTO CHE GUEVARA, QUE SE ACHOU MAIS ÚTIL AO SEU POVO LATINO-AMERICANO SERVINDO A CAUSA DA REVOLUÇÃO INTERNACIONAL À DA MEDICINA. DEPOIS DE DEDICAR SEUS PRÉSTIMOS REVOLUCIONÁRIOS AO POVO CUBANO DURANTE CERCA DE SEIS ANOS, DESPEDIU-SE DE FIDEL, DOS FILHOS, DA ESPOSA, DOS CUBANOS E FOI MAIS UMA VEZ À LUTA, VINDO A SER COVARDEMENTE ASSASSINADO NAS QUEBRADAS DAS SERRAS BOLIVIANA.
Havana, 1 de abril de 1965.
Fidel,
Lembro-me nesta hora de muitas coisas, de quando te conheci no México, de quando você me propôs ir junto, de toda tensão dos preparativos.
Um dia alguém passou perguntando quem deveria ser avisado em caso de morte, e a possibilidade real do fato golpeou-nos a todos. Depois soubemos que era verdade, que numa revolução ou se vence ou se morre –se ela for verdadeira– Muitos companheiros ficaram ao longo do caminho para a vitória.
Hoje tudo tem um tom menos dramático por que já amadurecemos. Mas o fato é o mesmo. Sinto que cumpri a parte de meu dever que me ligava a revolução cubana em seu território e me despeço de ti, de teu povo que já é meu.
Demito-me formalmente de meus postos na direção do partido, do meu cargo de ministro, de minha patente de comandante, de minha condição de cubano. Nada legal me liga a Cuba. Apenas laços de outro tipo, que não se podem romper como as atribuições.
Fazendo um rápido balanço de minha vida passada, creio haver trabalhado com suficiente honestidade e dedicação para consolidar a vitória revolucionária. Vivi dias maravilhosos e senti ao teu lado o orgulho de pertencer ao nosso povo nos dias luminosos e tristes da crise do Caribe. Orgulho-me também, de haver seguido teus passos sem vacilações, identificado com a tua maneira de pensar e de ver e de apreciar os perigos e os princípios. Outras terras do mundo reclamam o concurso de meus modestos esforços. Eu posso fazer aquilo que te é negado pela tua responsabilidade à frente de Cuba e chegou à hora de separar-nos.
Saiba-se que eu faço isso com um misto de alegria e de dor e deixo um povo que me admitiu como um filho, isso dilacera uma parte do meu espírito. Nos novos campos de batalha carregarei a fé de lutar contra o imperialismo onde quer que ele esteja; isto reconforta e cura sobejamente qualquer ferida.
Libero cuba de qualquer responsabilidade. Se me chegar à hora definitiva sobre outros céus, meu último pensamento será para esse povo e especialmente para ti. No lugar onde eu estiver sentirei a responsabilidade de ser revolucionário cubano e agirei como tal. Não deixo aos meus filhos e minha mulher nada de material e isto não me aflige: alegra-me que assim seja. Que não peço nada para eles, pois o Estado lhes dará o suficiente para viver e educar-se. Teria muitas coisas a dizer, a ti e ao nosso povo, mas sinto que são desnecessárias. As palavras não podem exprimir o que eu sinto, e não vale a pena sujar mais papel.
ATÉ A VITÓRIA SEMPRE.
PÁTRIA OU MORTE! ABRAÇO-TE COM TODO O FERVOR REVOLUCIONÁRIO,
Che
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