Carlos Newton
Na democracia, todos são iguais diante da lei e submetidos a limites, sem exceção. Séculos antes de Cristo, o filósofo grego Sócrates já ensinava que sábio é aquele que conhece os limites da própria ignorância. E o barão de Montesquieu, que doutrinou as bases do regime democrático, assinalava que “até a virtude precisa de limites”. Tanto tempo depois desses ensinamentos, a democracia brasileira passou a viver sem limites, nesse desgoverno liderado por Jair Bolsonaro.
O capitão-presidente realmente se comporta como se não fosse submetido a limites, vive num mundo à parte, no qual seus principais conselheiros não são os generais que o assessoram no Planalto.
TRÊS RECRUTAS ZERO – Nas lições da História, já houve muitos governantes que se apoiaram em conselheiros, como os Lourenço Médici com Maquiavel, Nicolau II com Rasputin e Luiz XIII com Richelieu. Governar pode até ser definido como “ouvir assessores e decidir”, não há novidade alguma.
O problema, no caso da atual conjuntura brasileira, é que o capitão-presidente despreza os experientes generais que o cercam e claramente prefere ouvir os filhos, que ele próprio rotula de recrutas e os identifica como Zero Um, Zero Dois e Zero Três, em homenagem às histórias em quadrinhos, e a família inteira segue os extravagantes conselhos do filósofo Olavo de Carvalho, uma espécie de guru de extrema-direita.
É claro, é óbvio, é evidente que um governo com essa hierarquia se posiciona de cabeça para baixo (ou de ponta-cabeça, como dizem em São Paulo). Isso não pode dar certo, porque recrutas não têm como comandar generais.
A COMPRA DA MANSÃO – O capitão-presidente demonstra claramente que não se preocupa com o interesse público. Suas preocupações principais são a reeleição e a anulação de inquéritos contra os filhos, que não têm a mínima condição de provar inocência e, para escapar da Justiça, dependem de tecnicalidades jurídicas e da boa vontade de magistrados desprovidos de caráter e dignidade.
O caso da compra da mansão pelo recruta Zero Um representa não somente uma afronta ao país, mas também a desmoralização dos generais que continuam a trabalhar no Planalto e não podem ficar eternamente fazendo olhar de paisagem, como se não estivesse acontecendo nada a seu redor.
Tudo na vida tem um limite. E a família Bolsonaro acaba de ultrapassar todos os limites, com a acintosa, indecorosa e insultuosa demonstração de enriquecimento ilícito.
DIZ LYA LUFT – Essa situação nos faz lembrar um pensamento da grande escritora gaúcha Lya Luft: “A crise da autoridade começa em casa, quando temos medo de dar ordens e limites ou mesmo castigos aos filhos. Estamos iludidos por uma série de psicologismos falsos. Muito crime, pouco castigo! Leis antiquadas, ou insuficientes. Assim chegamos a essa situação, como reféns em casa ou ratos assustados na rua”.
Lya Luft votou em Bolsonaro em 2018 e agora está arrependida, como tantos milhões de brasileiros. E ao contrário desses generais que se humilham diariamente perante o capitão-presidente, ela não se omite e faz questão de demonstrar seu desagrado.
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