É de se perguntar como é possível, no atual clima do país, com milhões de brasileiros indo às ruas para protestar contra uma longa lista de barbaridades, um pequeno grupo de senadores tenha a cara de pau de fazer naufragar, no Senado, a proposta de emenda à Constituição (PEC) que proibia que senadores escolhessem como suplentes seus cônjuges ou parentes de até segundo grau – como filhos, irmãos, pais e primos. E vejam só, amigas e amigos: o projeto era parte da “agenda positiva” do Congresso em resposta às manifestações das ruas… Proposta pelo senador José Sarney (PMDB-AP) — ponto para ele, que já tanto critiquei neste blog –, a PEC também abolia a figura do segundo suplente.
Continuamos, então, com essa pouca-vergonha de republiqueta de bananas — nem elas, na verdade, devem ter coisa parecido — de ver maridos, esposas, pais, filhos, tios e primos suplentes de senadores e assumindo o lugar do titular sem ter tido um só voto. Esta página está coalhada de exemplos, atuais e passados, de políticos que não tiveram o menor pejo em beneficiar a parentela na hora de se apresentar como candidato perante o eleitorado. Mas nunca se viu, nem se vê, candidato na televisão avisar o eleitor que o suplente é seu parente.
Atenção: não é que a PEC não tivesse obtido grande apoio no Senado. Façamos justiça ao Senado: dos 65 senadores presentes à votação, ontem à noite, 46 votaram a favor. Infelizmente, porém, por mandato constitucional, o número de “sim” não chegou aos 49 — três quintos dos 81 senadores — necessários. A ausência de dezesseis senadores ajudou a enterrar o projeto. O mais imoral de tudo — embora seja legal – é que a derrubada da PEC teve o apoio de oito dos atuais 16 suplentes que exercem o mandato. Anotem os nomes deles: Antonio Carlos Rodrigues (PR-SP) — SUPLENTE DA SENADORA MARTA SUPLICY, ANOTEM AÍ –, Ataídes Oliveira (PSDB-TO), Clésio Andrade (PMDB-MG), Eduardo Lopes (PRB-RJ), Gim Argello (PTB-DF), Ruben Figueiró (PSDB-MS), Wilder Morais (DEM-GO) e Zezé Perrella (PDT-MG). Perrella envergonhou ao senador que substituiu por morte — o ex-presidente Itamar Franco (PPS), homem de bem que certamente teria votado a favor do fim desse absurdo. O senador Roberto Requião (PMDB-PR), um dos maiores críticos “de tudo isso que aí está”, metido a moralizador e palmatória do mundo, votou pela MANUTENÇÃO da atual obscenidade, vendo na PEC um “moralismo udenista” e classificando a proposta de “irracional”. Anotem aí, eleitores do Paraná: Requião, que recheou de irmãos e outros parentes sua administração quando governador do Estado nas últimas duas gestões (2003-2010), é perfeitamente coerente.
Fonte: Blog do Ricardo Setti
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