ESTÁ CHEGANDO A HORA: “AFINAL, A ÉTICA É A BASE DA SUSTENTABILIDADE”.
OFICINA
VAZIA
Marina Silva
Na varanda do quintal, tenho a pequena oficina em que faço minhas
joias, com sementes que os amigos trazem da floresta. Em silencioso trabalho,
vou polindo também pensamentos, palavras, sentimentos e decisões. Nas vésperas
de grandes momentos da política de que participo, encontro nesse trabalho
inspiração e calma. Comparo-o à gravidez, quando precisamos de tranquilidade em
meio a grandes esforços. Às vezes, não há tempo para o artesanato, apenas o
breve olhar saudoso para a oficina ao sair na pressa de viagens e reuniões.
Resta o consolo do caderno onde desenho, num avião ou numa sala de espera,
colares que um dia fabricarei. Em dias mais agitados, nem mesmo o caderno. O
tempo é semente preciosa e rara. Mas consegui --em madrugadas de oração-- ver
que há, instalado na alma, um dispositivo da fé que nos dá "CALMA NO OLHO
DO FURACÃO" e a esperança de que tudo sairá conforme uma vontade superior
à nossa. Essa conformidade exige condições. A primeira é a consciência
tranquila de ter feito tudo o que estava em nossa capacidade de acreditar
criando, não só cumprindo as regras, mas dedicando alma e coração. Numa régua
nos medimos. O
CHEFE DO GOVERNO SABE SE FAZ TUDO PELO DIREITO REPUBLICANO DOS CIDADÃOS OU SÓ
PROPAGANDA PARA MANTER O PODER. O LÍDER DA OPOSIÇÃO SABE SE DEFENDE O BEM DO
PAÍS OU TORCE POR ERROS DO GOVERNO PARA TIRAR VOTOS. O EMPRESÁRIO SABE SE
PRODUZ RESPONSABILIDADE SOCIOAMBIENTAL OU SÓ TRANSFORMA PREJUÍZO PÚBLICO EM
LUCRO PRIVADO. O MAGISTRADO SABE SE BUSCA JUSTIÇA OU FORMALIDADES QUE CONDENAM
INOCENTES E ABSOLVEM CULPADOS. POR ISSO, A
ÉTICA É BASE DA SUSTENTABILIDADE, espaço
público e íntimo em que cada um encontra sua verdade e a segue ou a trai,
ocultando-a sob uma consciência opaca. Agora, revendo anotações para um artigo,
acho desenhos e poemas em velhas páginas. Ergo os olhos para a oficina vazia.
Nada lamento. Versos feitos noutro tempo de difícil transição política voltam
hoje, quando espero justiça de mãos dadas com milhares de idealistas que
superam boicotes e empecilhos para dar ao Brasil chance de uma nova escolha.
Possa a poesia, que o tempo há de polir, encher o espaço entre esperança e realidade:
Sei não ser a firme voz que clama no deserto/ Mas estou perto para expandir seu
eco/ Sei não ter coragem de morrer pelos amigos,/ Mas guardo-os em recôndito
abrigo/ Sei não ter a doce força de amar inimigos,/ Mas não me vingo ou imponho
castigo/ Sei não ser sempre aceito o fruto de minha ação/ Mas o exponho ao
crivo d'outra razão. Voz, coragem, força, aceitação/ Tem fonte no mesmo
espírito/ Origem no mesmo verbo/ Lugar onde me inspiro/ E a semelhança
preservo/ Na comunhão com meu próximo/ No Logos que em mim carrego.
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