HAVIA UM MENSALÃO
NO MEIO DO CAMINHO IMAGINADO PELOS SETE RISONHOS COMPANHEIROS
Augusto Nunes
As
anotações manuscritas no verso não identificam o autor nem informam a data da
foto que documenta o iminente início de uma reunião na Casa Civil da
Presidência da República, no quarto andar do Palácio do Planalto. Apenas
registram que a imagem foi congelada no primeiro semestre de 2003, pouco depois
da chegada ao coração do poder dos sete risonhos companheiros sentados à mesa. Na
cabeceira, JOSÉ DIRCEU, chefe da Casa Civil, é o mais velho do grupo ─ e nem completou
60 anos. Tem ainda 57 e o sorriso de quem só precisa esperar mais oito para
instalar-se no gabinete presidencial. É o superministro que comanda
simultaneamente as articulações políticas e as ações administrativas. É o líder
do núcleo duro, o capitão do time de Lula. O Sucessor. À direita de Dirceu, o
deputado federal NELSON PELEGRINO tem 42 anos e o sorriso de quem está convencido de que vai
vencer a próxima eleição para a prefeitura de Salvador. Fracassara em 1996 e
2000, mas conseguira em 2002 uma vaga na Câmara e é um dos vice-líderes da
bancada do PT. À esquerda do anfitrião, o senador ALOIZIO MERCADANTE tem 49 anos e o
sorriso de quem acha que valeu a pena sacrificar-se pelo partido. Em 1994, o
deputado federal paulista trocara uma reeleição sem sobressaltos pela
candidatura a vice-presidente na chapa de Lula. Fora recompensado em 2002 com a
vaga no Senado. Líder da bancada do PT, sonha com o Palácio dos Bandeirantes. No
meio da mesa, o deputado federal JOÃO
PAULO CUNHA tem 45 anos e o
sorriso do ex-metalúrgico de Osasco que virou presidente da Câmara. Sentado à
sua frente, TIÃO VIANA, vice-presidente do Senado, tem 42 anos e o sorriso de quem foi
escolhido pelo destino para conferir dimensões nacionais aos domínios da
família que governa o Acre. Em primeiro plano, completam a mesa JOSÉ GENOINO e DELÚBIO SOARES. O companheiro
cearense tem 57 anos e o sorriso de quem fora consolado pela derrota na disputa
do governo paulista com a presidência do PT. O companheiro goiano tem 48 anos e
o sorriso de quem desde 2000, quando se tornara tesoureiro nacional do partido,
é chamado por Lula de “NOSSO DELÚBIO”. Nesta primavera de 2012, a imagem parece
velha de muitos séculos. Em menos de 10 anos, JOSÉ DIRCEU, por
exemplo, perdeu a chefia da Casa Civil, perdeu o mandato de deputado e,
condenado pelo Supremo Tribunal Federal por corrupção ativa e formação de
quadrilha, está prestes a perder a liberdade. NELSON PELEGRINO
convalesce do quarto fiasco como candidato a prefeito. ALOIZIO MERCADANTE lambe no Ministério da Educação as feridas abertas por duas
derrotas consecutivas na disputa do governo de São Paulo. Condenado por
corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro, o mensaleiro JOÃO PAULO CUNHA perdeu a chance de candidatar-se a prefeito de Osasco. No
momento, luta para preservar o mandato e escapar da cadeia. TIÃO VIANA é o único do grupo que pode sorrir, mas só em casa ou no
gabinete de governador do Acre. Em público, ele é obrigado a caprichar na cara
de velório recomendada aos Altos Companheiros pelo julgamento do mensalão. JOSÉ GENOINO perdeu a presidência do PT, perdeu a vaga na Câmara e foi
condenado pelo STF por corrupção passiva e formação de quadrilha. Antes de ser
enquadrado nesses mesmos crimes, DELÚBIO SOARES perdeu
o cargo de tesoureiro do PT, perdeu a carteirinha de militante e, readmitido no
ano passado, está ameaçado de só conviver com os amigos no pátio do presídio.
Ele achava que as bandalheiras descobertas em 2005 dariam uma boa piada de salão.
Deram cadeia. No dia em que a foto foi feita, os sete sorrisos já podiam
enxergar nitidamente um mensalão no meio do caminho. O brilho do poder ofusca a
vista.
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