quarta-feira, 20 de novembro de 2019

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: A BANDA PODRE TRIUNFOU



Josias de Souza

O Supremo Tribunal Federal atravessa uma fase de inédito desprestígio. Encontra-se sob ataque implacável. Mas, ironicamente, o desgaste da Corte não decorre das críticas vindas do Congresso, do noticiário, das ruas ou das mesas de bar. O Supremo é o único responsável pela desconstrução da reputação do Supremo.

Graças a uma liminar subscrita por Dias Toffoli há quatro meses, a tese segundo a qual movimentações financeiras suspeitas só podem ser compartilhadas após decisão judicial transformou o velho Coaf num arquivo morto. Se for avalizado pelo plenário no julgamento que começa nesta quarta-feira (20), esse entendimento aprofundará o processo de autodestruição do Supremo.

Criado em 1998, o Coaf tornou-se peça central da engrenagem anticrime. Casos de corrupção são intoleráveis. Ninguém gosta de dar de cara com a podridão. Mas os escândalos, quando desvendados, são bons. Oferecem a sensação de que criminosos foram desmascarados. Quando resultam em punição, são muito bons. Quando delinquentes poderosos tornam-se presidiários impotentes, os escândalos são ótimos. O Coaf ajudou a transformar a punição de larápios em algo corriqueiro.

Não há na legislação exigência de autorização judicial para comunicar ao Ministério Público transações com cheiro de crime. Mudar regras no meio de um jogo que corre há duas décadas é ruim. Alterar as normas num instante em que a corrupção perdia de goleada é muito ruim. Fazer isso a pedido de um filho do presidente da República que foge de uma investigação cabeluda é péssimo.

No processo autodestrutivo a que se dedica o Supremo, a investida contra o Coaf é apenas mais um golpe da Corte contra sua própria reputação. Chega nas pegadas de uma notável sequência de decisões corrosivas. Por exemplo:

1) O Supremo transferiu a competência para o julgamento dos crimes de corrupção, quando conexos com delitos eleitorais, de uma Justiça Federal crescentemente implacável para uma Justiça Eleitoral cujo desaparelhamento conduz à impunidade.

2) Considerou inconstitucional a condução coercitiva, que vigorava havia quase 80 anos.

3) Transferiu para o Legislativo a palavra final sobre medidas cautelares – afastamento do mandato, por exemplo – impostas a parlamentares pilhados na prática de crimes (pode me chamar de Aécio Neves).

4) Concedeu mais de 50 habeas corpus para abrir as celas de gente graúda. Sobretudo no Rio de Janeiro, um estado devastado pela corrupção.

5) Valeu-se de uma norma não prevista em lei para atrasar o relógio de processos em que réus delatores e delatados juntaram suas alegações finais nos processos simultaneamente. Decidiu-se que os dedurados precisam falar por último.

6) Alterando jurisprudência que havia confirmado em quatro julgamentos, o Supremo revogou a regra que permitia a prisão de larápios condenados na primeira e na segunda instância. Abriu dezenas de celas, entre elas a de Lula. E restabeleceu o cenário em que a concretização da justiça é um momento infinito, que os advogados caros e a prescrição impedem de chegar.

Se houvesse uma unidade entre os 11 ministros que compõem o plenário do Supremo essas decisões seriam ruins. Num colegiado marcado pelas concepções diferentes sobre a aplicação do Direito, as deliberações são muito ruins. Sacramentados em votações nas quais a maioria prevalece por 6 votos a 5, os veredictos proporcionam uma sensação de insegurança jurídica que é péssima.

O problema não é saber se a opinião pública deve pautar ou não o Supremo. A questão é que, com o seu processo decisório confuso e imprevisível, o Supremo premia corruptos e joga no lixo o trabalho de juízes de instâncias inferiores, de procuradores e de policiais federais.

A plateia fica tentada a interrogar os seus botões: Ora, se os temas são controversos a ponto de atear divisão no plenário, por que diabos a maioria não opta pela interpretação desfavorável aos criminosos?

No julgamento do mensalão, o Supremo amealhara um prestígio social jamais visto em sua história centenária. Hoje, o mesmo Supremo leva sua reputação pela trilha que conduziu a vaca para o brejo. As decisões do Supremo geram uma impressão de que não adianta.

A um escândalo sempre se sucederá outro. Políticos condenados reincidirão nos crimes enquanto recorrem em liberdade aos tribunais de Brasília. Empresários corruptores não voltarão a abrir o bico em acordos de delação, pois nenhuma premiação será maior do que a liberdade perpétua.

Num cenário assim, tão desolador, é impossível o Supremo ter de volta a simpatia da sociedade. A sensação é de cansaço. Aquilo que alguns ministros do Supremo chamam de reputação constitui, na verdade, a soma dos palavrões que seus veredictos inspiram nas mesas de bar. Ali, prevalece a impressão de que a banda podre triunfou.

Nenhum comentário: