Por Altamir Pinheiro
É angustiante e lamentável afirmar que, a censura na ditadura militar no Brasil sufocou a criatividade de muitos compositores brasileiros, mas ninguém chegou a ter a carreira tão prejudicada pela repressão quanto um cantor cujo nome, em tupi-guarani, significa "LIVRE". Nascido no Uruguai, Taiguara frequentou as paradas de sucesso das rádios e os festivais de música nos efervescentes anos 60 e 70 com o lirismo e as melodias bem construídas de canções como “Hoje”, “Universo no Teu Corpo” e “Que as Crianças Cantem Livres”. O crítico de música, jornalista Tiago Dias, nos afirma que a perseguição teve início no período em que Taiguara começava a resgatar suas raízes latinas. As referências em suas letras vinham com uma carga forte de sensualidade e abstrações sobre a liberdade. Ele, o Chico Buarque e o Gonzaguinha são os artistas que mais foram censurados.
Os problemas com a censura levaram Taiguara a se autoexilar por duas vezes. Em meados de 1973, ele partiu para um curto período na Inglaterra. Em seguida, foi à África, onde morou por vários anos. Voltou ao Brasil ainda mais político. Participava de caminhadas a favor da redemocratização e estreitou os laços com o comunista Luís Carlos Prestes –o “cavaleiro da esperança”, como Taiguara cantava, e uma ameaça, na visão dos militares. Na canção “Tinta Fresca”, por exemplo, Taiguara foi incisivo: “não me queixo do meu fado não se eu quiser me deixar sair / me abre essa porta / e me deixa sair / ou dizer o que eu quiser”. A provocação só instigou a má vontade do departamento de censura. “Os incomodados que se mudem, pois as portas do nosso Brasil sempre estiveram abertas para sair aos indesejáveis”, reagiu o censor, em comentário escrito de próprio punho na folha que trazia a letra da canção.
Entre 1970 e 1974, segundo o jornalista Tiago, 61 letras datavam de 1974. E de toda a produção daquele ano, a maior parte foi vetada: 36. E, todo o período, foram 48 canções proibidas. Isso sem contar os discos que foram proibidos na íntegra. Na verdade, Taiguara se expôs muito, mais do que os outros. Só que, quanto mais ele era censurado, mais crítico ele ficava. Entre lindas canções em seu vasto repertório há o tango “Conflito”, que foi vetado em 1974 e, posteriormente, seria chamado por Taiguara de “Sexo Escravo”. “O que é talvez pior que a burguesia / é a sombra das pequenas tiranias / Que existe cá entre nós, cá entre nós”...
A lá o guerrilheiro argentino Che Guevara que morreu em 1967 aos 39 anos, a rotina passou por mudanças radicais. Taiguara, como o guerrilheiro Che Guevara, não tomava Coca-Cola e se negava a usar calça jeans por considerar símbolos da cultura americano. A sintonia com o público, que já não estava afinado com ele desde 1974, quando o compositor passava mais tempo tentando liberar sua obra do que fazendo shows, foi se extinguindo aos poucos. Ele virou muito discursivo, aborrecia também, e com isso foi perdendo o espaço na mídia, principalmente após ficar dez anos longe do Brasil. Os antigos fãs queriam o Taiguara romântico, cantando modinha. Ele queria fazer canção de protesto.
O cantor e compositor Taiguara, autor de sucessos como "Hoje" e "Viagem", morreu na madrugada de 15 de fevereiro de 1996 (há 25 anos) no hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, vítima de uma metástase provocada por um câncer iniciado na bexiga, aos 50 anos de idade. Filho de pai gaúcho e mãe uruguaia, Taiguara Chalar Silva nasceu em Montevidéu, no Uruguai, mas cresceu no Rio de Janeiro, no bairro de Santa Teresa, onde passou grande parte de sua vida.Autor de grandes sucessos nos anos 60 e 70, teve seu auge em 1968, quando venceu o Festival Universitário de MPB, com a canção "Helena, Helena, Helena", e também o festival Brasil Canta no Rio, com "Modinha".
Embora seja mais conhecido hoje pela canção romântica “Universo no Teu Corpo” (“Vem comigo / meu pedaço de universo é no teu corpo”), seu cancioneiro lista títulos tão sugestivos quanto “Cavaleiro da Esperança“, feita em homenagem ao comunista Luís Carlos Prestes, “Teu Sonho Não Acabou”, “Geração 70” e “Que as Crianças Cantem Livres” (“E que as crianças cantem livres sobre os muros / e ensinem sonho ao que não pode amar sem dor / e que o passado abra os presentes pro futuro / que não dormiu e preparou o amanhecer”). Para se ter ideia do talento desse compositor que tanto foi afugentado e escorraçado pela censura, ele chegou a gravar discos assinados por sua esposa Ge Chalar da Silva, para fugir da dita ditadura.
https://www.youtube.com/watch?v=xIY9DRMGaek