Reinaldo Azevedo
E Luiz Inácio Lula da Silva, hein?
Atravessou a fronteira, foi fazer campanha eleitoral na Argentina e foi
derrotado. O populismo mixuruca e troglodita teve a sua primeira derrota
importante. No dia 6 de dezembro, será a vez de Nicolás Maduro levar uma surra
nas eleições parlamentares da Venezuela. Sim, a onda chegará aqui. Vamos ver
quando. Ou melhor: a onda já está aí.
Maurício Macri, da “Mudemos”, uma
coligação de centro-direita, venceu as eleições e toma posse como o novo
presidente da Argentina no dia 10 de dezembro. Com quase 99% dos votos
apurados, ele obteve 51,46% das preferências, contra 48,54% do peronista Daniel
Scioli. Chegam ao fim 12 anos do reinado do kirchnerismo, liderado primeiro por
Néstor Kirchner, que governou de 2003 a 2007 — morreu em 2010 — e, depois, por
sua mulher, Cristina.
A economia argentina enfrenta severas
dificuldades, e a tarefa de Macri não será nada fácil. Não custa lembrar como o
casal Kirchner ascendeu ao topo do poder. Carlos Menem, que comandou por 10
anos (1989-1999), havia destruído a economia do país. Foi sucedido por Fernando
De la Rua, da União Cívica Radical, que ficou apenas dois anos no poder. Foi
deposto em dezembro de 2001.
O país chegou a ter cinco presidentes em
janeiro de 2002, até que assumisse Eduardo Duhalde, que entregou o poder para
Néstor Kirchner, em maio de 2003. Um desses presidentes ficou apenas uma semana
no cargo — Adolfo Rodríguez Sá —, mas entrou para a memória nacional como
aquele que deu, até então, o maior calote da história na dívida externa: US$
102 bilhões. A dívida só voltou a ser renegociada a partir de 2005.
Dos estertores do governo Menem até a
saída de De La Rua, o país viveu o que se chama o período da “Tragédia”. O PIB
despencou 20%, e a renda per capita, em dólares, caiu 68%.
Isso explica a ascensão do casal
Kirchner. A legalidade havia chegado ao seu grau zero, e Néstor acabou obtendo
carta branca da sociedade para pôr ordem na bagunça. A economia, mesmo com as
dificuldades enfrentadas pelo calote, teve uma notável recuperação.
Cristina não era uma outsider da
política. Não era apenas “a esposa”. Tinha a sua própria trajetória, e havia
quem dissesse que ela era muito mais articulada intelectualmente do que o
marido. Mas é evidente que ao fazer da mulher a candidata à sua sucessão,
Néstor e família passavam a tratar a política como um assunto doméstico,
privado.
Ela venceu a disputa e se reelegeu em
2011. UMA CONCEPÇÃO AUTORITÁRIA DE PODER, INTOLERANTE COM A OPOSIÇÃO E AVESSA
À LIBERDADE DE IMPRENSA — QUE SE PERCEBIA JÁ EM SEU PRIMEIRO MANDATO DE
MANEIRA, VAMOS DIZER, LARVAR — SE MANIFESTOU COM FORÇA NOS ÚLTIMOS QUATRO ANOS.
No período, a economia do país começou a
patinar, mas a presidente investiu pesado nos chamados “programas sociais”,
incluindo a sua própria versão do Bolsa Família, manipulou escancaradamente os
índices de inflação e, ora vejam, passou a atacar as ditas “elites do país”,
aproximando-se dos governos bolivarianos da América do Sul. Ou por outra: o
assistencialismo agressivo servia a um projeto autoritário de poder.
O Kirchnerismo resolveu criar a sua
própria corrente dentro do peronismo. Em 2006, surge um movimento com
características francamente fascitoides chamado “La Cámpora”, destinado a
intimidar os adversários nas ruas, nos sindicatos, nas redes sociais, em todo
lugar. O grupo tem características de milícia mesmo.
Cristina chegou a testar a hipótese de
mudar a Constituição para tentar um terceiro mandato, mas a reação da sociedade
argentina foi bastante negativa. Ficou claro que ela não conseguiria realizar o
seu intento. A campanha eleitoral por lá seguiu o padrão terrorista a que se
assistiu no Brasil: o candidato oficial, Daniel Scioli, acusava Macri de
pretender destruir os programas sociais se eleito.
Cristina deixa o poder com uma sombra
terrível a se projetar sobre a sua biografia. Atende pelo nome de Alberto
Nisman, o promotor. Ele apareceu morto um dia antes de depor no Congresso e
acusar a presidente de envolvimento numa operação para esconder a
responsabilidade do Irã num atentando terrorista que, em 1994, matou 85 pessoas
numa entidade judaica (AMIA). Na Argentina, a começar da própria promotoria,
ninguém acredita em suicídio.
Vamos ver. Surge uma nova esperança na
Argentina. Macri não é peronista nem pertence à tradicional União Cívica
Radical, de perfil mais social-democrata. O presidente eleito da Argentina está
mais próximo do pensamento liberal. Terá uma pedreira pela frente. O peronismo,
com suas múltiplas frentes e faces, indo da extrema direita à extrema esquerda,
é um adversário sempre perigoso.
Que a América do Sul continua a mudar e
aposente outros populismos mixurucas. NO
BRASIL DE 2014, O MEDO VENCEU A ESPERANÇA. NA ARGENTINA DE 2015, A ESPERANÇA
VENCEU O MEDO. E Lula perdeu junto com Cristina.
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