quinta-feira, 23 de julho de 2020

SAM PECKINPAH: O POETA DA VIOLÊNCIA




Por Altamir Pinheiro

Há quem diga que o diretor, roteirista e ator  David Edward Samuel Ernest Peckinpah Jr., mais conhecido como  Sam Peckinpah que morreu com apenas 59 anos de idade em 1984,   foi injustamente chamado do poeta da violência. Na verdade foi um grande cineasta, que fez poucos, mas ótimos filmes.  Agora, não  há de se negar que ele  é um dos mais polêmicos, além de vândalo sem regras ou normas  dos  cineastas da Nova Hollywood. Seus filmes são famosos por serem extremamente violentos e por possuir no seu ponto culminante  doses cruentas,  sangrentas ou sanguinolentas. Dos seus 13 filmes há deles que são verdadeiras obras primas como Meu Ódio Será sua Herança(1969) com William Holden, Ernest Borgnine e Robert Ryan.  A Morte Não Manda Recado (1970), com o ótimo  Jason Robards. Dez Segundos de Perigo (1972), com Steve McQueen. Tragam-me a Cabeça de Alfredo Garcia (1974), com Warren Oates e  Isela Veja. Sob o Domínio do Medo (1971) é um baita  filme de um suspense de fazer inveja a Alfred Hitchcock,  protagonizado por Dustin Hoffman. Confesso que não gostei da nova versão que foi filmado em 2011. 

No filme faroeste  Meu Ódio Será Sua  Herança começa com um grupo de policiais uniformizados, montados a cavalo, entrando numa pequena cidade norte-americana. O bando cruza com crianças que brincam no meio da rua, perto dos trilhos de um trem. Algumas tomadas esparsas mostram que a brincadeira infantil é um bocado cruel: os meninos jogaram escorpiões no meio de um formigueiro, e os bichos venenosos estão sendo devorados pelas formigas. “Meu Ódio Será Sua Herança” encerra enfocando os remanescentes do mesmo grupo de homens que aparece no princípio. Eles não são policiais, e sim uma quadrilha de assaltantes de banco; aquele era apenas um disfarce, como o espectador logo vai descobrir, na movimentada e sangrenta sequência que abre o filme com gosto de pólvora.

Não há heróis na película nem muito menos vilões. Na ocasião do fim do filme, os bandoleiros estão no México, e se dirigem para resgatar um dos membros do grupo. O violentíssimo tiroteio que se segue não apenas encerra o filme de maneira brilhante, mas fecha um círculo e explica a cena dos escorpiões da abertura; os escorpiões são uma metáfora para os bandidos. Os escorpiões são intrigantes porque jamais estiveram no roteiro do longa-metragem. Na verdade, eles foram uma sugestão de Emilio Fernandez, que contou ao cineasta Sam Peckinpah como se divertia no deserto mexicano, quando era menino. Peckinpah percebeu a fascinante simetria e filmou o ataque das formigas aos escorpiões abusando de planos-detalhe. Ao fazê-lo, acabou concebendo uma das aberturas mais estranhas, criativas e interessantes do cinema contemporâneo. 

Naquela oportunidade da filmagem nos poeirentos caminhos mexicanos,   é possível que o diretor não soubesse que estava colocando uma pá de cal no já combalido gênero western. Adepto dos chamados westerns crepusculares, que lamentavam a proximidade do fim do gênero por causa do crescente desinteresse das novas gerações de espectadores, “Meu Ódio Será Sua Herança” transportava para a história este lamento. Foi uma despedida honrosa e adequada, já que o filme não é ambientado nos anos de ouro do Velho Oeste, mas em 1913. Às vésperas da Revolução Mexicana, o antigo código de honra dos homens violentos e beberrões já não valia mais nada. O mundo agora era urbano. Botas viravam sapatos engraxados, revólveres transformavam-se em metralhadoras. A violência migrava dos descampados empoeirados para as cidades grandes. Segundo o comentarista Paulão, “O Velho Oeste dava os últimos suspiros”. Esse é o grande tema da obra de Sam Peckinpah, e também o pano de fundo do mais controverso e impactante dos filmes que o apóstolo da violência  dirigiu. 

O poeta e tradutor Paulo Ramos nos traz ou nos faz uma explanação brilhante desse monumental cineasta. Diz ele: o “poeta da violência”, conseguiu revisitar o faroeste de maneira a demonstrar a derrocada do romantismo que permeava as narrativas dessa estirpe, juntamente ao próprio fim espaço-temporal delas. Em verdadeiras obras-primas, como a exemplar Meu Ódio Será Sua Herança(1969) que está sobremaneira evidente a melancólica brutalidade do contexto histórico-geográfico em questão, isto é, o final do século XIX e início do XX no oeste estadunidense e norte-mexicano, outrora selvagens e palco de gloriosas aventuras, mas agora tragados pela modernização veloz correndo  com o tempo que exigia pressa. Neste momento, o fim incontornável de uma era, apenas a crueza, simbolicamente poética, de intenções e ações de homens defasados e solitários, mas fortes e determinados, assim era o bravo Oeste de Peckinpah nas telas de cinema do mundo inteiro advindo do fantástico mundo dos faroestes Hollywoodiano. Encerro o texto com um efusivo e caloroso viva à obra do apóstolo da violência!!!



Nenhum comentário: