O procurador-geral da República, Augusto Aras, está transformando o desmonte da Operação Lava-Jato numa causa política e pessoal, ao capitanear uma estratégia de fragilização e retrocesso das ações anticorrupção.
Aras precisa decidir até a próxima quinta-feira a respeito da prorrogação da força-tarefa da Lava-Jato no Paraná. A continuidade do trabalho é necessária e depende de mero ato administrativo,
como tem sido rotina desde o início das investigações, em abril de 2014. Na semana passada, o Conselho Superior do Ministério Público Federal resolveu estender o prazo provisoriamente. Cabe ao procurador-geral a decisão definitiva, mas ele reluta.
Aras está na carreira há 33 anos, virou chefe administrativo do MPF por escolha de Jair Bolsonaro, sob a justificativa do “alinhamento ideológico”. Logo embarcou numa espécie de cruzada contra a Lava-Jato, empreendida por partidos políticos cujos líderes ficaram expostos na teia de corrupção desvelada nas investigações desencadeadas a partir de contratos da Petrobras.
O procurador-geral comanda a nova tentativa de desmonte da Lava-Jato com um discurso frágil, recheado de neologismos, como um certo “lava-jatismo”. Baseia em acusações pouco críveis, como a existência de uma “caixa de segredos” na força-tarefa do Paraná. Sua lógica induz à conclusão de que o MPF conduz investigações ilegais sobre 38 mil pessoas físicas e empresas.
Como não apresenta evidências, Aras parece apenas um porta-voz do viés personalista, coerente com a tendência centralizadora, ou mesmo autoritária, do bolsonarismo. Deixa a impressão de que pouco importa se, no curto espaço de 77 meses, a força-tarefa paranaense construiu um acervo local de 5.938 autos judiciais, apresentou 124 denúncias e 38 ações civis públicas, além de promover 224 acordos de colaboração premiada e de leniência empresarial, que já resultaram em R$ 14 bilhões passíveis de resgate aos cofres públicos.
É legítimo que Aras tenha um plano para o futuro do MP. Não divulga detalhes, mas depreende-se que postula a criação de uma unidade nacional plasmada do modelo americano, formatado a partir de 1982 numa força-tarefa contra o crime organizado e o tráfico de drogas. A ideia merece debate, dentro e fora do MP. Porém é essencial observar o preceito constitucional de independência funcional dos procuradores, sob o risco de haver contestação jurídica. E, sobretudo, a experiência acumulada na Lava-Jato, de abrangência e dinamismo inéditos, como mostra a cooperação de órgãos judiciais de 63 países.
Inexistem razões objetivas para desmontar a Lava-Jato. Sobressaem apenas motivações variadas de parte do Congresso, conveniências de alguns no Judiciário e outros no governo. Resumem-se à vontade de “estancar a sangria”, na definição do ex-senador Romero Jucá, um dos investigados. Nada a ver com o interesse público. - Fonte: Jornal O Globo. -
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