ELEIÇÃO
DE SUSPEITOS
Por Ricardo Noblat
Nunca
antes na história do Congresso a eleição para presidentes do Senado e da Câmara
dos Deputados reuniu num mesmo ano candidatos tão descaradamente suspeitos de
corrupção – no caso, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) e o deputado Henrique
Eduardo Alves (PMDB-RN). Uma vez eleitos, o mais comum é que os ocupantes dos
dois cargos acabem acusados por crimes menores. Do tipo o emprego de parentes.
Houve uma exceção recente: Severino Cavalcanti (PP-PE), conhecido na época como
o Rei do Baixo Clero, renunciou à presidência da Câmara porque se tornou
público em 2005 que recebera um mensalinho de R$ 10 mil pago por um
concessionário de restaurantes. Baixo Clero era a turma dos políticos
fisiológicos dedicados a extrair vantagens financeiras do mandato. A turma
cresceu tanto que a denominação perdeu o sentido. O Senado, que não tinha Baixo
Clero, hoje tem. Algum culpado em especial? Bem, José Sarney estava destinado a
passar à história como o presidente da redemocratização do país. Goste-se ou
não dele, Sarney contribuiu para remover o entulho autoritário deixado por 21
anos de ditadura e alargou o quanto pôde os limites da liberdade. NÃO IMPORTA
QUE ASSIM TENHA PROCEDIDO MAIS POR FRAQUEZA DO QUE POR FORÇA. Poderia ter
atrapalhado se quisesse. Não quis. Tinha direito a um mandato de seis anos, por
exemplo. Tentaram subtrair-lhe dois anos. Cedeu um. Agora, Sarney parece
condenado a passar à história como o presidente da desmoralização do Senado.
Ninguém presidiu tanto o Senado e influenciou tanto o seu destino nos últimos
17 anos como Sarney. O primeiro mandato dele como presidente do Senado
transcorreu entre 1995 e 1997. Sarney fez seu sucessor – Antonio Carlos
Magalhães, que presidiu o Senado por dois mandatos consecutivos. Renunciou ao
segundo mandato para não ser cassado. Violara o sigilo dos votos durante uma
sessão. Sarney votou em Jáder Barbalho, ministro da Previdência Social do seu
governo, para suceder Antonio Carlos. Acusado de ligação com o desvio de
dinheiro do Banco do Estado do Pará, Jáder acabou obrigado a renunciar ao
mandato para escapar de ser cassado por quebra de decoro. Edison Lobão, homem
de confiança de Sarney, presidiu o Senado em seguida. E aí deu lugar novamente
a Sarney entre 2003 e 2005. Renan Calheiros comandou o Senado de 2005 a 2007
apoiado por Sarney. Não chegou a completar o mandato: renunciou à presidência
para driblar o risco de perder o mandato de senador. Descobriu-se que o lobista
de uma empreiteira pagava a pensão devida por Renan à mulher mãe de uma filha
dele fora do casamento. Renan tentou provar que tinha gado suficiente para
justificar seu patrimônio. A Polícia Federal constatou que não. Na última
sexta-feira, o Procurador Geral da República denunciou Renan ao Supremo
Tribunal Federal por uso de notas fiscais frias. Por mais duas vezes, Sarney
presidiu o Senado – de 2009 até hoje. Renan está prontinho para sucedê-lo. Nada
o ajudou mais para se eleger outra vez presidente do Senado do que a CPI do
Cachoeira. Ali, ele se empenhou em salvar a pele dos governadores Marconi
Perillo (PSDB-GO) e Agnelo Queiroz (PT-DF), Fernando Cavendish, dono da
construtora Delta, jornalistas e do próprio Cachoeira. E conseguiu. A garantia
da eleição de Renan para a presidência do Senado e a de Henrique para a
presidência da Câmara repousa na identificação irretocável dos dois com a
esmagadora maioria dos seus pares.
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