“RECORDAR É VIVER” E “A FALTA QUE VOLTAIRE FAZ”.
Nos meados do ano de 2007, a revista Veja denunciou que a jornalista Mônica Veloso, com quem o presidente do Senado Renan Calheiros teve uma filha, recebeu de empreiteiras, uma pensão de 16.500 reais, o que ele rebateu dizendo que o dinheiro usado no pagamento das contas era de rendimentos agropecuários, apresentando notas fiscais contraditórias sobre as quais a perícia da Polícia Federal não pode assegurar a legitimidade. Em discurso, Calheiros admitiu ter pedido ao lobista de empreiteira para intermediar os pagamentos da pensão e na tentativa de comprovar que o dinheiro em questão, não era da construtora, apresentou novos documentos que somente agravaram sua situação deixando claro que teria usado empresas de fachada para justificar seus rendimentos com venda de gado. Com novas denúncias de participação em veículos de comunicação alagoanos, adquiridas por meio de “laranjas”, o senador acusou a revista Veja de não ter ética ou “qualquer critério jornalístico” e que estaria tentando desonrar o seu mandato. Cada vez mais enrolado e insistindo em se manter no cargo a qualquer custo, o Senador fez por alguns meses, a festa de cartunistas, chargistas, humoristas e fotopiadistas do Brasil, até renunciar à Presidência do Senado.
“Mal completados vinte anos, chegou a Paris François Marie Arouet, que ainda não se assinava Voltaire. Logo escandalizava a capital francesa com acres comentários a respeito dos costumes e da política.
Naqueles idos, a França era governada por um Regente, Felipe D`Orleans, tendo em vista a morte de Luis XIV e o fato de que Luis XV, seu bisneto, era ainda uma criança.
Cioso das dificuldades que envolviam o tesouro real, o Regente determinou que fosse posta em leilão metade das cavalariças a seu serviço, quase mil cavalos.
O irreverente jovem escreveu que melhor faria o governante se tivesse dispensado não a metade, mas a totalidade dos jumentos que povoavam a corte.
Pouco depois, passeando no Bois de Boulogne, o Regente defrontou-se com o detrator e foi sutil: “Monsieur Arouet, vou proporcionar-lhe uma visão de Paris que o senhor jamais imaginou pudesse existir.” E despachou Voltaire para uma cela na Bastilha, onde ele ficou por nove meses.
Depois, arrependido, o Regente mandou soltá-lo e, como compensação, deu-lhe uma pensão vitalícia. Por carta, o jovem agradeceu porque sua alimentação estaria garantida até o fim da vida, mas disse ao Regente que não mais se preocupasse com sua hospedagem, que ele mesmo proveria.
Perdeu a pensão e teve de exilar-se na Inglaterra, para não voltar à Bastilha.
Conta-se essa história não apenas em homenagem ao extraordinário Voltaire, que viveu até quase os noventa anos polemizando e batendo de frente com o poder e os poderosos, mas porque, na política brasileira, através da História, sempre encontramos seus discípulos.
Falamos daqueles que não se curvam nem perdem oportunidade para opor-se aos detentores do poder, mesmo às custas da própria tranquilidade e bem-estar.
Seria perigoso começar a citá-los, sob o risco de graves esquecimentos, mas do padre Antônio Vieira a Evaristo da Veiga, nos primórdios da nação, até o Barão de Itararé, Carlos Mariguela, Luis Carlos Prestes, Gregório Bezerra, Agildo Barata, João Amazonas e mesmo Carlos Lacerda e Leonel Brizola, nos tempos modernos, algum erudito poderia dedicar-se à sua exegese.
Seria excepcional contribuição apontar quantos se insurgiram contra a prepotência, cada um à sua maneira, tanto faz se pelo humor, pela agressividade, a veemência e até a violência. Todo esse preâmbulo se faz para uma conclusão: no Brasil de hoje desapareceram quase por completo os Voltaires caboclos. Usando uma lupa, pode-se citar os irmãos Millor e Hélio Fernandes.
Porque instalou-se no país uma pasmaceira, de alguns anos para cá, a ponto de transformar até mesmo os líderes do PT em dóceis beneficiários de pensões concedidas pelo Regente.
Não se encontra quem se insurja, ainda que através do humor, contra a verdade absoluta da globalização e do neoliberalismo que assolam o país e o planeta, transformando o cidadão comum em mero apêndice dos ditames das elites. Substituíram a liberdade pela competição.
O trabalho pela prevalência do capital.
O livre arbítrio pela acomodação. A independência pela submissão.
Convenhamos, tanto faz se o Regente tenha vindo da realeza ou dos porões. Desde que ele se acomode e dite as regras dessa nova escravidão, todos o reverenciam.
FONTE: Blog PORISSOPECOSEUVOTO/Com adaptações pelo Blog Chumbo Grosso..
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