Márcio Kroehn
Logo que assumiu o Ministério de Minas e Energia, em 2003, Dilma Rousseff, que se dizia uma especialista no assunto, reuniu representantes do setor elétrico para compartilhar seus planos e ideias. No final do encontro, fez uma previsão: “Vou transformar a Eletrobras numa nova Petrobras”. Por linhas tortas, a presidente afastada alcançou seu objetivo. As duas empresas-símbolo do Brasil foram sucateadas e estão niveladas por baixo. Ambas seguiram uma fórmula parecida de ingerência política, corrupção sistêmica e populismo de preços, que culminaram em prejuízos bilionários.
Entre 2014 e 2015, a Petrobras perdeu R$ 56 bilhões e a Eletrobras, R$ 18 bilhões. Porém, ao contrário da petroleira, o desastre da estatal de energia parece não ter fim. Na semana passada, o conselho de administração pediu um socorro de R$ 8 bilhões para o governo Michel Temer para capitalizar as distribuidoras de energia que fazem parte da holding.
Esse dinheiro será usado para acertar as finanças dessas empresas e deixá-las prontas para a privatização.
COMEÇA O LEILÃO – A primeira companhia que será entregue para o setor privado é a Celg, a distribuidora de energia de Goiás. O leilão da participação de 51% da Eletrobras foi marcado para o dia 19 de agosto.
Fontes ouvidas pela DINHEIRO afirmam que a Eletrosul, geradora e distribuidora que opera o mercado do Sul do País e com presença nos estados de Mato Grosso do Sul, Rondônia, Mato Grosso e Pará, deve ser a próxima a ser negociada.
A estabilidade financeira e o interesse de investidores estrangeiros, principalmente chineses, podem facilitar o processo.
Os responsáveis pela gestão da nova Eletrobras serão Vicente Falconi, consultor estrelado e admirado por empresários como Jorge Paulo Lemann, que assume a presidência do conselho, e Wilson Ferreira Júnior, que substitui o presidente executivo José Carvalho da Costa Neto.
CURRÍCULO – Ex-comandante da CPFL, Ferreira Júnior acumula um histórico impecável no setor privado. Ele é reconhecido pelo bom trabalho realizado na privatização da Cesp, a estatal paulista de energia que estava quebrada. Seu nome reforça o novo caminho da estatal federal: mais mercado com menos ingerência política.
Prova disso é que o governo Temer já retirou da Eletrobras a administração dos fundos setoriais, que movimentam, aproximadamente, R$ 30 bilhões por ano. A gestão passou a ser feita pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). Os programas sociais, como o Luz para Todos, também devem deixar o guarda-chuva da companhia.
“O Wilson é um executivo com grande conhecimento técnico”, diz Thais Prandini, sócia da consultoria Thymos Energia. “Mas terá a missão ingrata de revitalizar uma empresa que foi prejudicada por decisões equivocadas nos últimos anos.”
POLÍTICA DE CONCHAVO – A lição da Eletrobras para a história será mostrar como a política de conchavo conseguiu destruir as finanças da maior empresa de energia da América Latina, que acumula uma dívida de mais de R$ 40 bilhões. Com 14 subsidiárias em geração, transmissão e distribuição e 178 participações diretas e indiretas em companhias do setor, como em obras das usinas de Belo Monte, Teles Pires e Jirau, a Eletrobras é uma gigante em todos os aspectos.
A receita bruta chegou a R$ 43,2 bilhões no ano passado, uma expansão de 22% sobre o ano anterior. Quase metade desse faturamento vem da geração, que corresponde a 32,4% do total da capacidade do País. Apesar das linhas de transmissão responderem por uma parcela menor dos resultados, elas representam 47,4% do total de fios espalhados pelo território nacional. A empresa atende quase 7 milhões de consumidores, com 23,5 mil funcionários e 11 mil prestadores de serviços.
CABIDE EMPREGO – Há 13 anos, porém, a companhia serve de cabide de emprego para aliados do governo petista. A empresa nunca conseguiu formar um corpo técnico robusto para se sobrepor aos apadrinhados e pecou pela falta de transparência e pela corrupção sistêmica que, estima-se, pode superar o Petrolão.
O primeiro indício do que vem sendo chamado de Eletrolão apareceu na 16ª fase da Operação Lava Jato, deflagrada em 2015. A Eletronuclear, responsável pela construção da Usina de Angra III, foi a primeira empresa do Grupo envolvida no escândalo. O ex-presidente Othon Luiz Pinheiro da Silva, vice-almirante da Marinha, admitiu ter trabalhado em favor da construtora Andrade Gutierrez. A propina teria sido de R$ 3 milhões.
Esse esquema de lavagem de dinheiro e corrupção atingiu outros dois executivos da Eletrobras, que foram afastados: Adhemar Palocci, irmão do ex-ministro de Lula, Antonio Palocci, que era diretor de planejamento e engenharia da Eletronorte, e Valter Cardeal, então diretor de geração da Eletrobras.
FISIOLOGISMO – “A maioria dos diretores foi colocada na Eletrobras por interesse do governo e não do Estado”, diz o presidente de uma empresa privada de energia, que pediu anonimato. “E o Valter Cardeal está por trás de vários escândalos e investimentos suspeitos.”
Engenheiro elétrico formado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Cardeal acumula poder e controvérsias. Homem de confiança de Dilma no setor elétrico desde os anos 1990, quando ela era secretária estadual de energia e ele diretor da Companhia Estadual de Energia Elétrica do Rio Grande do Sul (CEEE), ambos trocaram o PDT pelo PT, no início dos anos 2000.
OPERADOR DE DILMA – Quando Dilma assumiu o ministério, Cardeal foi alocado na Eletrobras. Na gigante do setor elétrico, ele trabalhava como operador de Dilma, assim como Pedro Paulo Leoni que atuava, no início dos anos 1990, pelo então presidente Fernando Collor na Petrobras. Entre 2007 e 2008, por exemplo, Cardeal ocupou a presidência da estatal e só escapou da Polícia Federal e do Ministério Público por influência da madrinha. Denunciado na Operação Navalha, que descobriu desvios de recursos em obras públicas, Cardeal foi acusado de gestão fraudulenta e irregularidades, mas ele não apareceu entre os 47 presos.
Em seguida, novas denúncias ligavam o nome dele aos desvios de recursos do programa Luz para Todos. Dono da Cardeal Engenharia, ele assinou um contrato com a concessionária de energia AES Sul para desenvolver projetos. A consultoria, que não envolvia obras, custou R$ 2,7 milhões.
FORMAÇÃO DE QUADRILHA – Acusado de formação de quadrilha, mais uma vez a investigação não foi em frente. Recentemente, Cardeal foi apontado como o responsável pelo esquema de Angra III em delações de empreiteiros. Do contrato de quase R$ 3 bilhões, ele pediu um desconto de 10% para o consórcio, que aceitou conceder 6%. A diferença, porém, ele informou aos executivos, deveria ser depositada na conta do PT.
“O que levou a Eletrobras ao encilhamento foram as decisões tomadas por orientação do acionista controlador, com políticas de associação e desvio de dinheiro em megaempreendimentos”, diz o ex-presidente de uma distribuidora, que não quer se identificar. “A empresa não se sustenta de pé com essas premissas econômicas e deficiência de gestão.”
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NOTA DO JORNALISTA CARLOS NEWTON – É impressionante, a capacidade destrutiva do PT. Sob o comanda da “gerentona”, o partido conseguiu arrasar, ao mesmo tempo, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, levando de roldão as estatais. Com isso, sepultou qualquer possibilidade de as esquerdas chegarem ao poder.(C.N.)
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