JR Guzzo,
O Brasil, do
jeito que estão hoje quase todas as propostas de combate à corrupção, a começar
pelas mais agressivas e mais atraentes para o público, pode estar a caminho de
se transformar num país onde um cidadão que pratica o senso comum, a
honestidade comum e a decência comum acabará se tornando inelegível para cargos públicos de qualquer natureza. Já
está muito difícil, na situação atual, encontrar gente boa disposta a entrar na
vida pública; portadores de uma taxa moderada de integridade pessoal afastam-se
de tudo o que cheira a “governo” como quem se afasta de uma zona infestada por
radiação nuclear. Se tudo continuar assim, os brasileiros podem esquecer
qualquer esperança de viver um dia num país de nota 5 para cima. É bem possível
que continue, aliás: o criador, gerente e beneficiário dos dois governos mais
corruptos da história do Brasil é apontado pelos institutos de pesquisa como o
candidato mais forte para as eleições presidenciais do ano que vem. Mas, se
forem feitas as mudanças exigidas hoje para enfrentar a roubalheira desesperada
dos últimos anos, aí sim, a desgraça chegará a um estágio de perfeição. Tudo
foi feito e nada mudou — esperar o quê, então?
Não é nem um
pouco complicado de entender. Todas as providências exigidas até agora pelos
responsáveis por combater a corrupção vão cegamente na mesma direção: mais
leis, mais regras, mais portarias contra a corrupção; mais punições, mais
rigor, “mais cadeia” para os corruptos. Mas nossos investigadores,
procuradores, promotores, juízes, militantes de organizações antirroubo etc. só
pensam em assustar os ladrões — e nunca em mudar a sério, para valer, o Estado
brasileiro, que está desenhado, montado e planejado para produzir esses mesmos
ladrões 24 horas por dia. É impossível, com essa conversa, mudar alguma coisa.
Não se rouba neste país porque as penas são baixas, ou porque as leis permitem
que a Justiça seja uma mãe gentil para os criminosos que mandam em alguma
coisa. Isso tudo ajuda, é óbvio; é até um incentivo. Qual o bandido que não se
enche de fé num país onde o Supremo Tribunal Federal tem um ministro como
Gilmar Mendes? Mas as pessoas roubam, acima de qualquer outra razão, porque o
poder público lhes oferece, e oferece cada vez mais, todas as oportunidades
possíveis de ficar ricas usando a seu favor a máquina do governo. Não roubariam
se não conseguissem roubar — ou roubariam apenas onde houvesse algo para ser
roubado. O governo, em si, não sai andando por aí para corromper as pessoas.
São as pessoas que corrompem o governo — e só podem corromper aquilo que o
governo possui ou controla. Os projetos dos nossos vigilantes da moral pública
querem mudar a natureza humana, coisa que não podem. Aquilo que podem, que é
mudar o Estado, não querem.
O que poderia
ser mudado? Quase tudo. É um fato acima de qualquer argumento, por exemplo, que
os políticos e os seus sistemas de operação só podem roubar uma empresa estatal
se houver uma empresa estatal para ser roubada. Feche-se ou venda-se uma
estatal, qualquer uma — ali não se roubará mais nem um tostão. Os ladrões terão
de procurar outra; quanto menos estatais houver, portanto, menos se roubará.
Será tão simples assim? Perfeitamente; é o que pode haver em matéria de
simplicidade. A Petrobras, a estatal número 1, foi mais roubada pelos governos
do PT do que em todos os seus 64 anos de vida; roubou-se tanto que até hoje
ninguém sabe exatamente quanto se roubou. Cerca de 20 bilhões de reais, como
estimam os procuradores da Lava-Jato? Mais? É certo, de qualquer forma, que os
processos por corrupção na Petrobras já têm 116 condenados, na maioria
confessos, e quase 300 réus. Dá para ter uma ideia, não? Nunca houve nada de
parecido na história da República — para não falar do Império e da Colônia.
Imagine-se agora, por um minuto, que não existisse Petrobras, ou que ela não
fosse propriedade do Estado — ou, para falar mais claro, dos que mandam no
palácio, como se viu nos governos Lula-Dilma. Ninguém teria roubado nada do
público, da mesma forma que não houve mais roubo na fabricação do aço depois
que o governo parou de fabricar aço, ou nos bancos estaduais depois que
acabaram os bancos estaduais. Enfim: acabe-se a licença, e você não poderá mais
vender a licença.
Os sonhos de
extermínio da corrupção serão apenas isso, sonhos, enquanto os sonhadores
continuarem de joelhos diante do Estado, rezando para que os corruptos comecem
a ter medo da lei. Seu “Estado forte” só conseguirá tornar a ladroagem eterna.
- - TÍTULO ORIGINAL: VOO CEGO -
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