EMERGÊNCIAS
Marina
Silva
Há uma perplexidade na civilização. É uma
grande pergunta coletiva: AFINAL, O QUE ESTÁ ACONTECENDO? Depois de milênios de acúmulo
de riquezas e experiências, a humanidade parece ter chegado ao máximo, ou seja,
ao limite. Zygmunt Bauman sintetizou o paradoxo ao observar que acreditamos com
a mesma força em duas ideias contraditórias: que temos toda a liberdade
possível, mas, ao mesmo tempo, somos impotentes para fazer mudar as estruturas
do mundo. De fato, PARECE INCRÍVEL QUE EM POUCAS HORAS SE POSSA
JUNTAR 1 MILHÃO DE ASSINATURAS EM FAVOR DE UMA CAUSA E, AINDA MAIS INCRÍVEL,
QUE NÃO HAJA QUALQUER EFEITO. Surpreende a facilidade com que índios e outras comunidades
surgem na mídia, pintados em protesto, apoiados por uma opinião pública
solidária e comovida, e a facilidade maior ainda com que os tratores passam
sobre suas terras, rios e florestas. O paradoxo da civilização nos leva à
ausência de sentido. A crise econômica só perde em abrangência e gravidade para
a crise ambiental: TODOS (RICOS E POBRES) SÃO AMEAÇADOS PELAS
SECAS, ENCHENTES E FURACÕES. Nada mais revelador que as fotos de pessoas usando máscaras
contra a fumaça numa das cidades mais prósperas e poderosas da China. NADA, PORÉM, SE COMPARA À ESTAGNAÇÃO DO SISTEMA POLÍTICO,
UMA REPETIÇÃO NEURÓTICA DA MESMICE, UM MISTO DE PROPAGANDA ENGANOSA E
ESCÂNDALOS DE CORRUPÇÃO (QUE JÁ NÃO ESCANDALIZAM). O PODER PELO PODER DOMINA
TUDO, O DINHEIRO PELO DINHEIRO AVASSALA A TODOS. ESSE É O CENTRO DA REALIDADE,
E TUDO O MAIS É BORDA, PERIFERIA. Mas é justamente aí que o paradoxo se
dissolve, sem se resolver. Em todo o mundo, milhões de pessoas se afastam do
centro estagnado e criam novas superfícies para nelas inscrever e dar suporte
aos novos ideais identificatórios que possibilitam novos processos e novas
estruturas nesse tempo de emergência (nos dois sentidos da palavra). Nos
movimentos de novo tipo no Egito, na Espanha, no Chile e no Canadá, nas
percepções virais da internet, nas mobilizações sem líderes nem organizadores,
nas mudanças que surpreendem o mundo, a mesma característica: as bordas
descolam-se do que era antes o centro da realidade, abandonam a estagnação,
movem-se para criar um mundo multicêntrico e diverso. Não é uma ruptura, mas
uma mutação que preserva conquistas anteriores. A linguagem usual é insuficiente
para explicar, pois a mutação ocorreu também nos processos cognitivos. A BOA
NOTÍCIA É QUE OS NOVOS MOVIMENTOS, EM QUE CADA UM É AUTOR E PROTAGONISTA DE SUA
FALA E AÇÃO, JÁ COMEÇAM A REUNIR UM NÚMERO DE PESSOAS DISPOSTAS A MUDAR O
MUNDO. NÃO É RÁPIDO NEM INDOLOR, MAS JÁ ESTÁ ACONTECENDO E ESSE É O MOMENTO EM
QUE A PERPLEXIDADE PODE DAR LUGAR A UMA NOVA ESPERANÇA.
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