SONHÁTICOS E PERFORMÁTICOS NA REDE
Por
Gaudêncio Torquato
O leitor pode enxergar excesso na
comparação, mas a carga litúrgica que embalou a recém lançada Rede de
Sustentabilidade (quantos sabem o significado desse termo, 3%?) dá a entender
que a ex-ministra Marina Silva, ao tentar imprimir diferenciação ao seu
movimento, organiza um modelo mais assemelhado à religião que a um ente
político. A começar pelo tratamento com que correligionários a saúdam – “A
MISSIONÁRIA” – passando pela
semântica seletiva que abriga proibições e tempo de exercício de mandatos,
culminando com a estética de véus coloridos que animaram uma tribo disposta a
marcar contraste “ENTRE NÓS E ELES”. O termo tribo, usado
aqui de maneira proposital, vem de encontro ao eco dos “POVOS DA FLORESTA”, cerne da mensagem
marineira e, por conseguinte, ao discurso da sustentabilidade, servindo ao
propósito dos fundadores da Rede de fixar identidade asséptica, limpa de
impurezas da velha política e longe de tramóias que se lêem na cartilha do
espectro partidário. Não há dúvida que o partido de Marina (ops, a Rede), sairá
do papel, não devendo surgir dificuldades para alcançar as 500 mil assinaturas
necessárias para a legalização. A estética de “SANTA” – vestimenta comedida,
cabelos trançados à moda de nossos tataravós, fio de voz agudo e marcante –
funciona como logomarca a puxar a lista de “SONHÁTICOS”, os aderentes da nova igreja. Considere-se, ainda, a
poderosa cadeia que se cria, a partir do nome Rede de Sustentabilidade, cujas
pistas apontam para a inserção de segmentos jovens, sob o empuxo da mensagem de
segurança ambiental, eixo atual do discurso das Nações e com eco nas frentes
sociais. Nesse sentido, não se pode duvidar que o marketing ecológico reforçará
os fios dessa teia. A questão é sobre a eficácia do novo ator. A meta de um partido
é o alcance do poder. O mestre Aristóteles ensinava que a política é a ciência
mais suprema e sua missão é a de investigar a melhor forma de governo e
instalar as instituições capazes de garantir a felicidade coletiva. Para tanto,
precisam dos meios. OS SONHÁTICOS DE MARINA CHEGARÃO, UM DIA, AO PODER POR ESTAS
PLAGAS? NEGAR TAL POSSIBILIDADE É DESACREDITAR NA DINÂMICA SOCIAL BRASILEIRA,
NA INCAPACIDADE DE UMA EX-SERINGUEIRA CHEGAR AO TOPO DO PODER E, MESMO, NA
MOBILIZAÇÃO DE GRUPOS ORGANIZADOS PARA DAR VIDA A UM PARTIDO. NOSSO PASSADO
RECENTE DEMONSTRA QUE TODAS AS HIPÓTESES SÃO POSSÍVEIS. A ascensão do ex-metalúrgico Lula ao pódio do poder que o
diga. Para chegar ao topo, porém, a seita vai carecer de meios. Os obstáculos
dizem respeito aos condicionantes adotados pela Rede, a partir de “TRANSPARÊNCIA E VISIBILIDADE” e “O PROCESSO DE DEPURAÇÃO POR CONSTRANGIMENTO ÉTICO DAQUELES QUE
NÃO ESTÃO DE ACORDO COM ESSE TIPO DE PROCEDIMENTO”. Se um político ficha suja entrar no partido, será
constrangido a deixá-lo. O partido se encarregará de fazer a rejeição.
Interessante é observar que o banho de ética pregado pela ex-senadora se
assemelha ao que o PT defendia por ocasião de sua criação, há três décadas. A
assepsia também se faz presente no limite para doação de pessoas físicas e
jurídicas, na proibição de doações feitas por empresas de tabaco, álcool,
agrotóxicos e armas e, até, em decisões polêmicas como a limitação de mandatos.
A proposta é que o prazo máximo de um mandato seja o de 16 anos, equivalente a
dois períodos de senador. O escopo marineiro, convenhamos, reveste-se de um
tecido ético que condiz com o histórico dessa ambientalista e evangélica, que
se alfabetizou no Acre aos 16 anos de idade. O DESAFIO É TER DE SUJEITAR O NOVO ENTE
AOS PROCEDIMENTOS QUE REGULAM AS RELAÇÕES POLÍTICAS, SEM DEIXÁ-LO CORRER NA VIA
ESBURACADA DE PRÁTICAS QUE ALIMENTAM O COTIDIANO DA NOSSA DEMOCRACIA
REPRESENTATIVA. Os partidos políticos
no Brasil tornaram-se homogêneos na planilha de compromissos e na forma de
fazer política. O eleitorado não consegue estabelecer diferenciais entre eles.
Em 2002, por ocasião da campanha vitoriosa do PT, era possível enxergar a
clivagem governo x oposição. Quatro anos mais tarde, esta diferença
desapareceu, a demonstrar a equalização partidária. A organização de Maria
Osmarina Silva e Souza, ( ela ganhou o apelido de Marina de uma tia), tende a
ser arrastada pela pororoca que devasta a esfera política, jogando todos as
agremiações na mesma praia. A real politik acaba modelando a fisionomia de um partido.
TODOS OS PARTIDOS, SEM EXCEÇÃO, SE SUBMETEM AOS RAIOS
DE SOL DA POLÍTICA COMO ELA É. PRINCIPALMENTE, QUANDO SE TRATA DE UMA
ORGANIZAÇÃO QUE SINALIZA DESAPREÇO PELAS REGRAS DO JOGO. MARINA DIZ, POR
EXEMPLO, QUE A REDE NÃO SERÁ DE ESQUERDA NEM DE DIREITA, NEM TAMPOUCO SITUAÇÃO
OU OPOSIÇÃO. TRATA-SE DE ODE A UM PONTO VAGO NO ESPAÇO. NÃO COMBINA TAL
PERORAÇÃO COM OS VALORES CENTRAIS DE UM PARTIDO, QUE TEM COMO FINALIDADE
INTERPRETAR E DEFENDER PARCELA DO PENSAMENTO SOCIAL. Ao se dizer contra ou favorável ao casamento entre pessoas
do mesmo sexo ou ao aborto de anencéfalos, um partido toma posição, dizendo-se
a favor disso ou contra aquilo. Nessa perspectiva, o discurso da candidata à
presidente da República que obteve quase 20 milhões de votos deixa a desejar.
Por mais que se enalteça o conjunto de virtudes que impregnam a história e o
perfil de Marina Silva, não escapa à análise o clima espetaculoso que cercou o
lançamento do movimento, a comprovar que os “sonháticos” podem condenar a
cultura de massas, mas dela se valem para dar visibilidade às suas ações. Todos
os ingredientes do Estado-Espetáculo ali se fizeram presentes. Celebridades
desceram do Olimpo para prestigiar a nova entidade, ao lado de dândis, os
performáticos, aqueles que praticam o culto de si mesmo. Donde se conclui que
as duas categorias de Umberto Eco, os apocalípticos (que rechaçam a cultura de
massa) e os integrados (que nela vêem avanços civilizatórios) deitam-se, lado a
lado, NA REDE
DE MARINA, A “MISSIONÁRIA AMAZÔNICA DO MEIO AMBIENTE”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário