A MISSIONÁRIA NUA
Por Ivan Martins
Eu a conheci na faculdade. Baixinha, sorridente, era muito
sensual sem ser bonita. Gostava de mim, mas também gostava de outro sujeito,
mais velho, e provavelmente de mais alguns, de quem eu nunca soube. Era
generosa. Aguerrida. Uma vez, conversando sobre sexo, me disse que, NUM MUNDO SEM PRECONCEITOS, SERIA PROSTITUTA. NÃO APENAS PELO
PRAZER DE TRANSAR, QUE ERA ENORME NELA, MAS PELA POSSIBILIDADE DE AJUDAR. “TEM TANTO HOMEM TRISTE POR AÍ”, ELA ME DISSE. “GENTE FEIA, DOENTE, MAS
QUE É BONITA POR DENTRO. ESSAS PESSOAS PRECISAM DE CARINHO.” ELA ACHAVA QUE SEU CORPO PODERIA SER USADO PARA REDUZIR AS
DORES DO MUNDO. Ontem, vendo As sessões – o filme em que Helen Hunt
interpreta a terapeuta que ajuda um homem paralisado a perder a virgindade – eu
acho que entendi, 30 anos depois, o que a minha amiga queria dizer. E que tipo
de pessoa era ela. A terapeuta do filme, inspirada numa mulher de verdade,
ajuda as pessoas com dificuldade sexuais a descobrir o prazer. Conversa com
elas, toca e se deixa tocar, transa. Trabalha em conjunto com uma psicóloga,
discutindo as necessidades e dificuldades do paciente. Uma dessas
profissionais, que ainda hoje atua na Califórnia, deu entrevistas recentes à
imprensa brasileira e disse já ter atendido mais de 900 pessoas, homens em sua
maioria. Não deve ser gente particularmente bonita. Muitas nem serão
agradáveis. Mas a terapeuta se despe e se deita com elas do mesmo jeito. É um
trabalho, mas também uma missão. Há um pouco da minha amiga nessa terapeuta do
sexo, mas talvez haja um pouco dela em cada mulher. AS MULHERES FAZEM SEXO PORQUE GOSTAM, MAS FAZEM TAMBÉM PORQUE NÓS,
HOMENS, PRECISAMOS DISSO DESESPERADAMENTE. FAZEM POR CARINHO E ÀS VEZES POR
PENA. FAZEM PARA VER – EU JÁ OUVI ISSO – OS NOSSOS OLHOS BRILHAREM DE
SATISFAÇÃO. ELAS NOS DÃO DE PRESENTE SEUS CORPOS MACIOS E NÓS, MUITAS VEZES,
ABRIMOS O PACOTE COM PRESSA, FAMINTOS, SEM SEQUER PERCEBER QUE HÁ UM BILHETE
COM DEDICATÓRIA. Ao contrário do paralítico do filme, que entende o tamanho
da graça que recebe, nós não choramos felizes e comovidos. Mas talvez
devêssemos. Assim como na profissional descrita pelo filme, há um quê de santa
(e de puta, naturalmente), em cada mulher que nos recebe entre as suas pernas -
com as nossas dores e os nossos medos, com as nossas vaidades e injustificadas
aspirações. Por essas razões, e por outras que não entendo inteiramente, o
filme me deixou terrivelmente comovido. TALVEZ
PORQUE EU AINDA SINTA, COMO UM GAROTINHO IMPÚBERE, QUE AS MULHERES QUE SE
DEIXAM DESPIR, TOCAR E PENETRAR REALIZAM UM ATO DE PROFUNDA E IMPAGÁVEL
GENEROSIDADE PARA COM OS HOMENS. Talvez porque eu me perceba, como o
paralítico do filme, como todos os homens que eu conheço, assustadoramente
dependente da atenção, do corpo e do afeto femininos. Talvez, ainda, porque,
assim como personagem do filme, e como todos, homens e mulheres, eu seja capaz
de antever, no momento mesmo em que o prazer explode, a iminência da perda e a
profundidade da separação que se insinuam. O SEXO QUE ACABOU NUNCA É O BASTANTE, NUNCA É
SUFICIENTE, NUNCA É EXATAMENTE O QUE BUSCÁVAMOS. QUEREMOS AMAR E SER AMADOS.
QUEREMOS TUDO. Minha amiga, aos 20 e poucos anos, intuía isso tudo. Por
isso sonhava em colocar o seu corpo a serviço das almas e dos corpos doentes.
Se vivesse em outro país, talvez isso virasse uma carreira. Aqui, é provável
que essa vocação tenha simplesmente adormecido, como tantas coisas que a gente
sufoca na juventude para nos tornarmos adultos produtivos. Mas, onde quer que
esteja, tenho certeza que se minha amiga vir o filme reconhecerá, naquela mulher
que goza com o corpo sofrido de um bom homem, a possibilidade de sentimentos
que estão muito além do hedonismo e do moralismo. Tomara que ela veja o filme –
E QUE O PAPA BENTO XVI VEJA TAMBÉM. Nunca é tarde para se
perceber certas coisas
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