Olavo de Carvalho
Jamais esqueci a cena do filme “O Massacre de Chicago” (St.
Valentine’s Day Massacre, 1967) em que Al Capone, representado por Jason
Robards, esmigalha com um taco de beisebol a cabeça de um companheiro traidor.
Robards, ator impecável, transmite com precisão a ambigüidade do ódio vingativo
que se adorna de uma encenação histérica de indignação moral ao ponto de
confundir-se com ela. É um quadro bem conhecido, banal até, nos anais da
psicanálise e da psiquiatria forense: a consciência moral do assassino, sufocada
e manietada no fundo do inconsciente, vem à tona em forma invertida e se
transmuta em inculpação exagerada e teatral dos seus desafetos. Quanto mais
crimes hediondos o sujeito carrega no seu currículo de horrores, mais eloquente
e persuasiva a sua afetação de dignidade ofendida. Mil vezes descrito nos
tratados médicos, o fenômeno, no entanto, continua desconhecido da maior parte
dos analistas políticos, que não o enxergam nem mesmo quando ele fornece a
explicação cabal e óbvia da conduta de certos grupos, facções e partidos. O
critério para reconhecê-lo é simples e infalível: quando o discurso de
inculpação moral hiperbólica provém de alguém que cometeu crimes piores do que
aqueles que aparentemente o indignam, você está diante do episódio de St. Valentine’s
Day Massacre reencenado. E aí duas séries de fatos paralelos, ambas
abundantemente comprovadas, não têm como deixar de por à mostra a conexão
íntima que as liga no fundo mais tenebroso da consciência histérica: (1) QUEM SÃO OS CAMPEÕES ABSOLUTOS NA PRODUÇÃO DE DISCURSOS DE
INDIGNAÇÃO MORAL NO MUNDO? OS COMUNISTAS. (2) QUEM SÃO OS CAMPEÕES ABSOLUTOS NA PRÁTICA DO GENOCÍDIO, DA
TORTURA, DAS PRISÕES EM MASSA, DO ASSASSINATO DE INIMIGOS POLÍTICOS, DA
ESCRAVIZAÇÃO DE POPULAÇÕES INTEIRAS? TAMBÉM OS
COMUNISTAS. Há nisso, é claro,
um elemento de premeditação manipulatória: “XINGUE-S DO QUE VOCÊ É, ACUSE-OS DO QUE VOCÊ FAZ.”
Mas isso é só na cabeça dos mandantes
supremos, dos engenheiros sociais pavlovianos, dos próceres da KGB, da Stasi ou
da DGI. Nas almas dos militantes, o que veio de cima como truque publicitário
se converte em reação emocional espontânea, num modo de ser e de sentir
habitual e automático, sem premeditação alguma: cada um deles sente que
esmigalhar as cabeças dos adversários é uma obrigação moral sublime, uma graça
santificante. Se o adversário vê nisso algum mal, é a prova definitiva de que
ele é um fascista sanguinário e, portanto, mais um motivo justo para lhe
esmigalhar a cabeça. A naturalidade quase ingênua com que essa gente se sente ofendidíssima
com meras opiniões e reage mediante apelos ao assassinato político seria
inexplicável sem a “SÍNDROME DE AL
CAPONE”. A desproporção
entre estímulo e resposta revela que, além do estímulo aparente, está em jogo
uma motivação suplementar oculta. Essa motivação é um mecanismo circular: Nada
sufoca mais eficazmente o clamor da consciência moral do que sua imitação
histérica invertida --alimentada, por sua vez, pelo próprio clamor sufocado que
lateja no fundo do inconsciente. Toda semana aparecem novos exemplos. DESTA VEZ FOI A CHUVA DE AMEAÇAS DE MORTE A DONALD TRUMP PORQUE
QUER VETAR A ENTRADA DE MUÇULMANOS NO PAÍS ATÉ QUE SEJAM INVESTIGADOS E
LIBERADOS. A PROPOSTA DO CANDIDATO TEM AMPLA BASE CONSTITUCIONAL REFORÇADA POR
VASTA JURISPRUDÊNCIA DA SUPREMA CÔRTE, MAS A MASSA ESQUERDISTA INDIGNADA NÃO
ACEITA SEQUER DISCUTI-LA: QUER SUPRIMI-LA MATANDO O SEU AUTOR. A “sindrome de Al Capone” deitou raízes tão fundas nas almas
dos militantes esquerdistas, que até aqueles que jamais cometeram crime algum
estão sempre em guarda contra a mera possibilidade de tomar consciência dos
horrores praticados por seus correligionários, defendendo-se dessa perspectiva
temível mediante o mesmo reflexo de inculpação projetiva hiperbólica. MESMO O MAIS INOCENTE E BOCÓ DENTRE OS
IDIOTAS ÚTEIS DO PETISMO FERVE DE INDIGNAÇÃO CÍVICA CONTRA O DEPUTADO EDUARDO
CUNHA, COMO SE OS DELITOS MENORES E NÃO PROVADOS QUE A ESTE SE ATRIBUEM FOSSEM
A CAUSA DA DESGRAÇA NACIONAL, MUITO ACIMA DO PETROLÃO, DO MENSALÃO E DO ROMBO
DAS CONTAS PÚBLICAS. Sentindo-se
acusado por tabela, arma-se de um taco de beisebol verbal e sonha em rachar
cabeças como se fosse uma miniatura de Al Capone.
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