Josias de Souza
A reativação das relações diplomáticas entre Washington e Havana foi
celebrada, há 21 dias, como uma espécie de segundo epílogo da Guerra Fria. O ATENTADO TERRORISTA
QUE MATOU 12 PESSOAS NA SEDE DO JORNAL SATÍRICO FRANCÊS CHARLIE HEBDO, NESTA
QUARTA-FEIRA, MOSTRA COMO ERAM MAIS SIMPLES AQUELES TEMPOS. O grande terror era
exclusividade das grandes potências e seus exércitos. Hoje, qualquer anônimo
pode ser a nação de si mesmo, com sua própria indústria da morte. A
substituição da ideologia pelo obscurantismo religioso retirou do processo a
previsibilidade e a nitidez. Antigamente, o risco de ser morto pela estupidez
humana era o mesmo. Mas as pessoas sabiam de onde viriam os mísseis se tudo
desse errado. A CASA BRANCA E O KREMLIN TINHAM O
MONOPÓLIO DA MALUQUICE. Por sorte —ou mera fatalidade— o equilíbrio do terror garantiu a
paz que nos permite respirar os ares dos novos tempos. Tempos marcados pela
ambiguidade e falta de clareza. Hoje, A MORTE PODE ESTAR NO PILOTO QUE ENFIA AVIÕES EM PRÉDIOS, NO
COLETE DE EXPLOSIVOS SOB A ROUPA DO JOVEM DE APARÊNCIA INOCENTE NO LOGRADOURO
PÚBLICO, NA BOMBA CASEIRA DEPOSITADA PELO MALUCO SOLITÁRIO NO TRAJETO DA
MARATONA, NA ADAGA DO GRUPELHO QUE CEIFA PESCOÇOS COMO QUEM CORTA CENOURAS… OU
NAS ARMAS EMPUNHADAS PELOS FUNDAMENTALISTAS QUE INVADEM A REUNIÃO DE PAUTA DE
UMA REVISTA SATÍRICA COM O DELIBERADO PROPÓSITO DE ASSASSINAR O
HUMOR.
De todo
os malefícios produzidos pela banalização do terror o mais cruel é a mudança
dos conceitos de excepcionalidade e de emergência, que passaram a ser
permanentes no mundo. A tal ponto que, diante das vulnerabilidades do planeta,
as críticas ao primitivismo das técnicas de tortura da CIA ou à xenofobia dos
europeus contra o imigrante islâmico são vistas como anacronismos
inconvenientes. Você deve estar se perguntando: quando é que tudo isso vai
parar? Pois é, não vai parar. O humor de uma revista como a Charlie Hebdo
compreende também o mau humor. Mas o mau humor que invoca Deus como
justificativa para o terror não compreende nada. Por solidariedade à França,
você pode se iludir evocando os princípios de liberdade, igualdade e
fraternidade. Mas a boçalidade humana cuidará de manter o mundo sob a tirania
do imprevisível. Ah, que saudade da Guerra Fria! (As imagens e a manchete não
fazem parte do texto original)
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