segunda-feira, 9 de outubro de 2017

"A ORDEM DE EXECUÇÃO VEIO PELO RÁDIO"



FELIX RODRÍGUEZ FOI UMA DAS ÚLTIMAS PESSOAS A CONVERSAR COM CHE GUEVARA. MAIS DO QUE ISSO, FOI ELE QUEM RECEBEU E TRANSMITIU A ORDEM PARA QUE O GUERRILHEIRO FOSSE EXECUTADO. CUBANO EXILADO NOS ESTADOS UNIDOS, ELE ERA O OPERADOR DE RÁDIO ENVIADO À BOLÍVIA PELA CIA PARA AUXILIAR NA CAÇADA E, TAMBÉM, PARA AJUDAR A IDENTIFICAR GUEVARA. VETERANO DA FRACASSADA INVASÃO DA BAÍA DOS PORCOS, EM 1961, RODRÍGUEZ VIVE HOJE EM MIAMI, AOS 66 ANOS. ELE FALOU AO REPÓRTER DUDA TEIXEIRA DA REVISTA VEJA.

COMO CHEGOU A ORDEM PARA MATAR CHE?
As instruções que recebi nos Estados Unidos eram para poupar sua vida. A CIA sabia da divergência de idéias entre Che e Fidel e acreditava que, a longo prazo, ele poderia cooperar com a agência. A ordem para sua execução veio por rádio, de uma alta autoridade boliviana. Era uma mensagem em código: "500, 600". O primeiro número, 500, significava Guevara. O segundo, que ele deveria ser morto. Tentei em vão convencer os militares bolivianos a permitir que ele fosse levado para ser interrogado no Panamá. Eles negaram meu pedido e me deram um prazo. Eu deveria entregar o corpo de Guevara até as 2 horas da tarde. Perto das 11h30, uma senhora aproximou-se de mim e perguntou quando iríamos matá-lo, pois ouvira no rádio que Che havia morrido em combate. Naquele momento compreendi que a decisão de executá-lo era irrevogável.
COMO FOI SUA ÚLTIMA CONVERSA COM ELE?
Fui até o local de seu cativeiro e disse a ele que lamentava, mas eram ordens superiores. CHE FICOU BRANCO COMO UM PAPEL. "É MELHOR ASSIM. EU NUNCA DEVERIA TER SIDO CAPTURADO VIVO", falou. Tirou o cachimbo da boca e me pediu para que o desse a um dos soldados. Ofereci-me para transmitir mensagens à sua família. "DIGA A FIDEL QUE ESSE FRACASSO NÃO SIGNIFICA O FIM DA REVOLUÇÃO, QUE LOGO ELA TRIUNFARÁ EM ALGUMA PARTE DA AMÉRICA LATINA", ele falou em tom sarcástico. Aí lembrou da esposa. "DIGA A MINHA SENHORA QUE SE CASE OUTRA VEZ E TRATE DE SER FELIZ." Foram suas últimas palavras. Apertou a minha mão e me deu um abraço, como se pensasse que eu seria o carrasco. Saí dali e avisei a um tenente armado com uma carabina M2, automática, que a ordem já tinha sido dada. Recomendei a ele que atirasse da barba para baixo, porque se supunha que Che havia morrido em combate. Eram 13h10 quando escutei o barulho de tiros. Che Guevara tinha sido morto.
COMO FOI O SEU PRIMEIRO CONTATO COM CHE GUEVARA?
Cheguei a La Higuera de helicóptero em 9 de outubro, um dia depois da captura de Che Guevara. Eu o encontrei com os pés e as mãos amarrados, ao lado dos corpos de dois cubanos. Sangrava de uma ferida na perna. Era um homem totalmente arrasado. Parecia um mendigo.
COMO FORAM SUAS CONVERSAS COM CHE?
Nós nos tratamos com respeito. Eu o chamava de comandante. Falamos de Cuba e de outras coisas, mas ele permanecia calado quando as perguntas eram de interesse estratégico. Houve momentos em que não consegui prestar atenção ao que ele dizia. Ao olhar aquele homem derrotado, vinha-me à mente sua imagem no passado, sempre altiva e arrogante.
COMO FORAM AS RELAÇÕES DE CHE COM A POPULAÇÃO NA BOLÍVIA?
Para sobreviver, é essencial que uma força guerrilheira conte com o apoio da população local. A aventura de Che na Bolívia foi um caso único em que uma guerrilha não conseguiu recrutar um único morador da área onde atuou. Só um agricultor ganhou a confiança dos guerrilheiros, e mesmo esse acabou por passar informações que permitiram ao Exército armar uma emboscada. Os poucos bolivianos que participaram da guerrilha eram dissidentes do Partido Comunista. Nenhum camponês.
POR QUE O SENHOR FOI ENVIADO À BOLÍVIA?
O Exército boliviano estava totalmente despreparado para enfrentar uma guerrilha. A maior parte dos soldados trabalhava na construção de estradas e provavelmente jamais dera um tiro de fuzil. Nos primeiros embates, os guerrilheiros aprisionavam os soldados, tiravam suas roupas e os soltavam. Foi então que o governo boliviano pediu ajuda aos Estados Unidos.

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