Guilherme Fiuza
Você tem um segundo pra aprender a me amar, disse Cazuza. Você tem três semanas pra me consertar, diz o Brasil a quem se mete com ele.
O Brasil, não. Quem diz isso são os tenores da aflição, que tentam levar o país no grito – e frequentemente conseguem. De vez em quando surge uma oportunidade de o país parar de andar de lado, ou de costas. E isso é assustador.
Veja o que se passou na época do Plano Real. Era um estelionato, uma armação de tecnocratas para garfar o trabalhador, entre outras coisas horríveis. Mas quando o povo viu que era só um plano econômico eficaz, foi um Deus nos acuda.
Os tenores enlouqueceram. Não pense que é fácil você viver de contar história triste e de repente ver a vida do povo melhorando ao vivo. Isso dói. E tem um efeito dramático: você fica falando sozinho.
Foi o que aconteceu com as vivandeiras do caos naquela terrível década de 90 em que o povo descobriu o que era ter uma moeda de verdade nas mãos. Ali estavam todos esses revolucionários de plantão, essa resistência de auditório saudosa da ditadura – sim, FHC também já foi o monstro da recaída autoritária –, todas essas simpáticas almas penadas pregando seu apocalipse para ninguém.
Depois do assalto ornamental do PT, ficou um pouco mais difícil vender esses terrenos na Lua. Surgiu então a solução: fingir que no Brasil só tem porcaria, que o sujeito que saiu de casa sem escovar os dentes é igualzinho à besta do Guarujá e sua quadrilha bilionária.
Foi assim que os tenores travaram o Brasil quando ele ameaçava andar para frente depois do impeachment. A gangue do Dirceu tinha sido enxotada da Petrobras e a economia entregue a uma equipe de ponta (melhor presidente de Banco Central do mundo no ranking “Financial Times”). Aí veio a armação de um procurador picareta com um açougueiro biônico e um juiz de aluguel – todos egressos do pródigo armário petista – e o Brasil caiu no conto de que o governo pós-impeachment era a “quadrilha mais perigosa” da nação.
Que alívio estagnar novamente.
Na eleição, os tenores conseguiram um milagre: espalhar que Lula, preso pelo maior roubo da história, era a saída democrática contra o fascismo imaginário. Assim emplacaram no segundo turno um candidato escolhido dentro da cadeia.
Em lugar do fascismo, porém, ascendeu um projeto econômico liberal (Posto Ipiranga) que aproveita parte dessa equipe anterior consagrada e vem com a receita clara: superar o populismo, reformar o Estado (Previdência, etc) e desencalhar o Brasil.
Heresia. Com menos de 15 dias de governo, os tenores já faziam o coro de reprovação. Avaliação fast food. E tem sido assim a cada dia, a cada frase, a cada soluço em Brasília. Saímos do Brasil do Lula para o Brasil do Queiroz, sugere a orquestra da aflição.
Bem, então só falta botar a Petrobras, o Tesouro e o governo inteiro na mão do Queiroz para desviar algumas centenas de bilhões do povo. Mas andem logo, porque em mais 15 dias, nesse ritmo, o governo já estará velho.
Sem querer ofender: que tal investigar o Queiroz, fazer uma devassa nessa promiscuidade nacional com verba de gabinete, e deixar o Posto Ipiranga avançar com a reforma da Previdência e a propulsão da economia?
Nada feito, dizem os tenores. Precisamos azedar o mercado, precisamos da crise, precisamos mostrar, como diria o filósofo Janoesley, que aqui é uma quadrilha atrás da outra.
Direita x esquerda só existe para quem vive disso. A divisão é entre o Brasil que constrói e o Brasil que mama. E o segundo está louco para mostrar, de novo, que é o mais aguerrido.
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