Ruth de Aquino
É inédito no Brasil o
sentimento de orfandade pela morte de um juiz. Um juiz sereno e fechado do
Supremo Tribunal Federal. Um juiz que raramente sorria ou estrelava manchetes,
tão discreto e dedicado ao Direito como missão de vida. “O Teori morreu!”,
ouvia-se pelas ruas, de gente simples, triste e chocada como se fosse parente.
“O Teori estava no avião que caiu!”, “Será que foi mesmo acidente?”.
Num país que começa 2017
machucado pelo caos na segurança pública e pela ousadia cruel de facções
criminosas – dentro e fora dos presídios, nos ônibus, nas praias, nas praças –,
num país com famílias empobrecidas pelo desemprego e pela falência de estados
mal geridos, com paralisação de obras e serviços essenciais, é impressionante o
luto aturdido que tomou conta das ruas. O artigo definido antes do nome denota
intimidade. “O” Teori tinha se tornado muito mais que um juiz togado do STF,
num Brasil ansioso por punir as quadrilhas de poderosos que roubaram do povo e
das estatais.
Mistura de poloneses e
italianos, catarinense de origem, gremista apaixonado, viúvo, pai de três
filhos – dois advogados e um médico –, Teori Zavascki tinha fama de “ministro
técnico”. Dizia ignorar se isso era “elogio ou crítica”, em seu humor irônico.
Com perdão da
generalização, o caráter nacional é exibicionista. Toda hora tem fulaninho ou
fulaninha que corre para os holofotes e fala para os repórteres. Teori ficava
na dele, morava sozinho em apartamento funcional em Brasília desde a morte da
mulher, também juíza, há três anos. Sempre que dava, ia a Porto Alegre para
visitar os filhos e a cidade onde se formou.
Teori foi abatido pelo
destino em pleno voo. Aos 68 anos, estava em curva ascendente, prestes a
desempenhar seu maior papel, como relator e guardião da Lava Jato: tinham sido
marcadas para a próxima semana as delações premiadas de 77 executivos da
Odebrecht. Depoimentos que envolveriam em malfeitos o maior número de políticos
já visto na História de nossa República.
Esses depoimentos devem
ser cancelados até que um novo relator substitua Teori. Para ter uma ideia do
que estava a cargo de seu gabinete, eram 800 depoimentos, 40 inquéritos e três
ações penais. Tudo associado aos desvios da Petrobras. Teori não permitiu que o
recesso de janeiro parasse totalmente os trabalhos. Ganhou a ajuda de uma
força-tarefa.
Dá para entender a
comoção diante da perda irreparável de um homem honesto e dedicado. A morte
súbita, na queda de um bimotor sofisticado, a apenas 2 quilômetros da cabeceira
da pista em Paraty, a apenas 2 quilômetros da continuidade da vida, é difícil
de absorver. Teori talvez não estivesse consciente do que simbolizava para o
Brasil: a garantia de um desfecho isento para o gigantesco processo de
corrupção multimilionária envolvendo políticos e empreiteiros. Um processo que,
a cada delação, enoja a todos, mas nos dá a esperança de que o assalto aos
cofres públicos não se repetirá, caso os meliantes de colarinho branco sejam
punidos.
Nem mesmo a investigação
rigorosa do acidente de avião deveria atrasar a Lava Jato mais que o
necessário. Passa a ser ainda mais crucial o papel da presidente do STF, Cármen
Lúcia, que pode redistribuir os processos da Lava Jato entre os juízes da
Segunda Turma, mais familiarizados com a investigação. São quatro os ministros:
Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Celso de Mello.
Ninguém melhor que a
mineira Cármen para liderar essa transição e descobrir o caminho menos
pedregoso e escorregadio. Nisso, temos muita sorte. Espero que o processo da
Lava Jato não fique nas mãos do novo ministro do STF a ser nomeado por Michel
Temer. Seria outro acidente pavoroso, outro desastre, outra tragédia.
Como disse uma vez Teori
a repórteres, explicando por que não poderia se manifestar quando a defesa de
Lula recorreu à ONU: “Cada macaco no seu galho”. Se cada macaco ficar no seu
galho, se não apelarmos para soluções estranhas, como entregar o processo da
Lava Jato ao ministro de Temer ou ao juiz Sergio Moro, temos chance de manter o
legado de Teori.
Entre suas decisões no
Supremo, Teori acatou a liminar que afastaria Eduardo Cunha da presidência da
Câmara. O mesmo Teori permitiu a absolvição de José Dirceu no mensalão e, anos
depois, rejeitou o pedido de José Dirceu para deixar a cadeia. Criticou
vazamentos das delações, mas revogou sigilo nas investigações sobre a
Petrobras.
Foi Teori quem sugeriu o
nome de Sergio Moro para ajudar a ministra Rosa Weber no julgamento do mensalão
em 2005. Acertou. POR
FAVOR, MORO, NÃO ENTRE EM AVIÕES PEQUENOS, MESMO OS SOFISTICADOS. “Sem Teori, não haveria
Lava Jato”, disse Moro. SEM
MORO, TAMBÉM NÃO. Nesse
capítulo de nossa História, ambos são insubstituíveis, cada um a seu jeito. – A
manchete não faz parte do texto original -
Nenhum comentário:
Postar um comentário