POR MARY ZAIDAN
Desde a carnificina no presídio de Manaus, seguida pela matança em Boa
Vista, especialistas na questão penitenciária são unânimes em criticar a
ausência de planejamento para o setor. Nada de novo. O Brasil não tem plano nem
para o sistema prisional nem para coisa alguma. É E SEMPRE FOI O PAÍS DAS GAMBIARRAS,
DOS REMENDOS. Mais de 100 mortes depois, o que se vê agora são medidas requentadas,
muitas delas acertadas, mas que não precisariam ser emergenciais tivessem sido
cumpridas em urgências anteriores e se tornado práticas permanentes.
Um exemplo é o esforço concentrado reivindicado pela presidente do
Supremo, ministra Cármen Lúcia, para que os Tribunais de Justiça dos estados
acelerem o exame dos processos de presos, muitos deles sem julgamento ou com
pena já cumprida. Em 2008/2009, o Mutirão Carcerário do Conselho Nacional de
Justiça fez exatamente isso, libertando 45 mil presos. Não se sabe por que
parou.
Como não são absorvidos como políticas de Estado, programas desse tipo,
por mais bem intencionados, não prosseguem. E têm de ser reinventados quando as
crises anunciadas explodem. Outros, como a construção de novos presídios, são
apenas mais do mesmo, já se sabendo, de antemão, que não têm o condão de
resolver o problema. O IMPROVISO não se limita à política carcerária. Está em todos os cantos, em todas
as esferas de poder.
Em 2013, as megamanifestações de junho, inicialmente concentradas no
congelamento das tarifas de ônibus urbanos, levaram a então presidente Dilma
Rousseff a anunciar investimentos de R$ 50 milhões em mobilidade, com nada ou
quase nada saindo do papel.
Dilma foi mais longe. Tirados sabe-se lá de onde, lançou cinco propostas
inexequíveis, por ela apelidadas de PACTOS, SEM DIZER DE QUEM COM QUEM. Pacto pela responsabilidade fiscal,
princípio para o qual o seu governo fazia pouco caso. Outro, pela saúde,
incluía apenas a importação de médicos (a maioria cubanos) para solucionar as
graves carências do SUS. O pacto pela Educação se limitava a dedicar 100% dos
royaties do pré-sal à área, e o mais inusitado de todos, o da reforma política,
viria por meio de uma Constituinte exclusiva.
Fora a desoneração na folha de pagamentos dos operadores de transporte
urbano, nenhum dos demais pactos andou. Valeram apenas como MARQUETAGEM. Assim como várias obras do
PAC, programa que se dizia revolucionário e empacou nas suas duas versões, LANÇADAS COM POMPA E CIRCUNSTÂNCIA PARA SATISFAZER O CALENDÁRIO
ELEITORAL.
A reforma política é a campeã nas gambiarras. Há décadas vem à tona como
solução para todas as panes. Mas nunca ganha corpo. Só alguns remendos, a maior
parte em benefício dos autores, aprofundando o abismo entre o eleitor e o
eleito. Mexe-se no periférico - fundo partidário, tempo de propaganda no rádio
e TV, prazo de desincompatibilização para ser candidato -, deixando de lado o
essencial: sistema de votação, se proporcional, distrital ou misto,
possibilidade de recall e voto facultativo.
Na área econômica não é diferente. O sistema tributário brasileiro é
indecifrável. Sobre as costas do cidadão pesa uma das maiores cargas
tributárias do planeta, embutida aqui e acolá. No final, ELE NÃO SABE O QUE PAGA, QUANTO PAGA E A QUEM PAGA. A barafunda é tamanha que
leis tributárias são criadas para corrigir erros de outras, sem que as
anteriores sejam extintas. Um caso típico é a compensação dos Estados no caso
de desoneração de ICMS. O Supremo teve de fixar prazo até o final deste ano
para que o Congresso aprove a lei complementar prevista na Lei Kandir, de 1996,
e que nunca foi feita.
O improviso, que nas artes se conecta com a criatividade, é, na
política, fruto do desinteresse, da indiferença, do desdém - e da corrupção -,
itens fartos no ambiente da coisa pública.
Predomina na educação, com políticas alteradas a bel prazer dos
governantes da vez, seja na União, nos estados ou nos municípios. Nas obras de
infraestrutura, na burocracia que atrasa e encarece a vida de muitos e
enriquece alguns, na totalidade dos serviços que o Estado tem obrigação de
colocar à disposição das pessoas.
O desprezo é de tal monta que a ausência de remédios ou médicos em
postos de saúde é tida como natural, que soterramentos em épocas chuvosas são
tratados como acidentes imprevisíveis, que esperar anos a fio faz parte da
dinâmica de uma Justiça que sempre tarda, que homicídios têm de frequentar o
cotidiano dos brasileiros.
Estão corretíssimos aqueles que reivindicam planejamento. Mas não só na
questão carcerária, e sim na totalidade das áreas delegadas pela a sociedade à
gerência do Estado. E há de se avançar além dos planos -- ANUNCIADOS COM
ESPALHAFATO E POUCAS VEZES EXECUTADOS --, sem o que se perpetua o império do
descaso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário