Vera Magalhães
“Um brilho cego
de paixão e fé, faca amolada.” Diante da cena de um líder cansado,
roufenho, enumerando fantasias diante de uma plateia reduzida,
anestesiada aos fatos, aplaudindo bovinamente nas pausas pré-fabricadas e
entoando cantos religiosos, só me vinham à cabeça os versos de Milton
Nascimento.
Lula deixou o
terreno da política e está operando na seara do messianismo. Na
quinta-feira passada, ao se defender da condenação a 9 anos e 6 meses de
prisão, parecia mais um pastor de igreja neopentecostal do que um
ex-presidente da República.
Ao desenhar um
diabo, no caso Sérgio Moro, contra o qual os fiéis devem lutar; ao
prometer o reino do céu a quem der seu dízimo e sua energia pela
igreja-partido; e, sobretudo, ao atribuir os infortúnios a causas
metafísicas, ele mostrou mais do que nunca o fenômeno que acompanha sua
imagem desde o início, mas que agora se acentuou: o lulismo nada mais é
do que uma expressão de messianismo.
A novidade
pós-petrolão é que, diante dos fatos, ele se despiu do que já teve de
significado histórico, político ou sociológico. O “messias” hoje se
aproxima mais de figuras como Antonio Conselheiro ou Jim Jones,
liderando poucos e fanáticos, que de outros líderes carismáticos da
política a quem Lula sempre foi comparado.
E quando uma
questão política se reveste de fé cega entra em campo a faca amolada,
que mostra seu fio autoritário em falas como as vistas desde que Lula
recebeu sua sentença.
O PT diz que
não vai reconhecer (!) as eleições se Lula não puder disputar (será que o
fará caso ele dispute e perca, uma hipótese bastante possível?), o
partido promete “parar o País” em protesto contra a decisão de Moro, a
igreja conclama seus fiéis a lincharem publicamente as instituições, um
seguidor da seita apresenta uma emenda para impedir prisão oito meses
antes das eleições, entre outras demonstrações de perigoso fanatismo
político-religioso.
Como nos
rituais que buscam o transe dos fiéis, o PT repete à exaustão que não há
“uma única prova” contra Lula. Caso descessem do altar e fossem à
sentença, achariam o encadeamento de todos os fatos e documentos que
demonstram que Lula: 1) negociou o triplex do Guarujá; 2) fez chegar à
OAS que seria bem visto que ela assumisse a obra quando a Bancoop ficou
mal das pernas; 3) continuou a negociação do imóvel com seu chapa Léo
Pinheiro, agraciado com lautos contratos por seu governo; 4) pediu,
aprovou e vistoriou as reformas do apartamento.
Quem diz não é
um delator vítima de semitortura, como Lula descreveu em um de seus
recursos às “fake news” na quinta-feira passada. É um depoente que
também foi condenado, cujo relato foi corroborado por vários outros.
Uma
demonstração de que a fé cega prescinde de lógica ou coerência é que os
documentos cuja existência os petistas negam foram periciados. A título
de comparação, eles já aceitavam como verdade absoluta a gravação da
conversa de Michel Temer com Joesley Batista antes mesmo da perícia.
No caso de
Lula, os fiéis dizem que a prova de que o apartamento não era dele é que
não está em seu nome. Mas, no de Temer, pouco importa se os R$ 500 mil
de Rocha Loures chegaram ou não ao presidente. A corrupção passiva de um
é diferente da do outro.
Também escapa
aos fiéis o fato de que foi seu pastor quem indicou o “demônio” Temer.
Não haveria o atual governo sem os de Lula e Dilma.
Assim, reduzido
à figura de um missionário das próprias mentiras, Lula vai correr o
Brasil repetindo sua ladainha cada vez mais delirante. A essa altura
pouco importa se estará preso ou não em 2018: o mito foi exposto à luz e
à própria mesquinhez. Cada vez mais prega apenas aos que estão cegos
pela fé.
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