JORNALISMO, ÂNCORA DA DEMOCRACIA
As virtudes e as
fraquezas dos jornais não são recatadas. Registram-nas fielmente os sensíveis
radares dos leitores. Precisamos, por isso, derrubar inúmeros desvios que
conspiram contra a qualidade dos jornais. Um deles, talvez o mais resistente, é
o dogma da OBJETIVIDADE ABSOLUTA. Transmite, num
pomposo tom de verdade, A FALSA CERTEZA DA
NEUTRALIDADE JORNALÍSTICA. Só que essa separação radical entre fatos e
interpretações simplesmente não existe. É uma bobagem. JORNALISMO NÃO É
CIÊNCIA EXATA E JORNALISTAS NÃO SÃO AUTÔMATOS. Além disso, NÃO SE FAZ BOM JORNALISMO SEM EMOÇÃO. A frieza não é
humana e, portanto, é antijornalística. A
NEUTRALIDADE É UMA MENTIRA, MAS A ISENÇÃO É UMA META A SER PERSEGUIDA. Todos os dias. A
imprensa honesta e desengajada tem um compromisso com a verdade. E é isso que
conta. Mas a busca da isenção enfrenta a sabotagem da manipulação deliberada, a
falta de rigor e o excesso de declarações entre aspas. O jornalista engajado é
sempre um mau repórter. Militância e jornalismo não combinam. Trata-se de uma
mescla talvez compreensível e legítima nos anos sombrios da ditadura, mas que,
agora, tem a marca do atraso e o vestígio do sectarismo. O MILITANTE NÃO SABE QUE O IMPORTANTE É
SABER ESCUTAR. ESQUECE, OFUSCADO PELA ARROGÂNCIA IDEOLÓGICA OU PELA NÉVOA DO
PARTIDARISMO, QUE AS RESPOSTAS SÃO SEMPRE MAIS IMPORTANTES QUE AS PERGUNTAS. A grande surpresa
no jornalismo é descobrir que quase nunca uma história corresponde àquilo que
imaginávamos. O bom repórter é um curioso essencial, um profissional que é pago
para se surpreender. Pode haver algo mais fascinante? O jornalista ético
esquadrinha a realidade, o profissional preconceituoso constrói a história. TODOS
OS MANUAIS DE REDAÇÃO CONSAGRAM A NECESSIDADE DE OUVIR OS DOIS LADOS DE UM
MESMO ASSUNTO. Trata-se de um esforço de isenção mínimo e incontornável. Mas
alguns desvios transformam um princípio irretocável num jogo de cena. Matérias
previamente decididas em guetos engajados buscam a cumplicidade da
imparcialidade aparente. A decisão de ouvir o outro lado não é sincera, não se
fundamenta na busca da verdade. É uma estratégia. O assalto à verdade culmina
com uma tática exemplar: a repercussão seletiva. O pluralismo de fachada
convoca, então, pretensos especialistas para declararem o que o repórter quer
ouvir. Personalidades entrevistadas avalizam a "seriedade" da
reportagem. Mata-se o jornalismo. Cria-se a ideologia. É NECESSÁRIO COBRIR OS
FATOS COM UMA PERSPECTIVA MAIS PROFUNDA. CONVÉM FUGIR DAS ARMADILHAS DO
POLITICAMENTE CORRETO E DO CONTRABANDO OPINATIVO SEMEADO PELOS PROFETAS DAS
IDEOLOGIAS. A precipitação e a falta de rigor são outros
vírus que ameaçam a qualidade da informação. A manchete de impacto, oposta ao
fato ou fora do contexto da matéria, transmite ao leitor a sensação de uma
fraude. Mesmo assim, os jornais têm prestado um magnífico serviço no combate à
corrupção e na construção da democracia. Alguém imagina que o saldo
extraordinário do julgamento do mensalão teria sido possível sem uma imprensa
independente? Os réus do mensalão podem fazer absurdas declarações de
inocência, desmentidas por um conjunto sólido de provas. Podem até mesmo
manifestar desprezo pelas instituições da República. Para o ex-presidente Lula,
por exemplo, o povo não está interessado no mensalão, mas no desempenho do
Palmeiras. A declaração, lamentável, pode até corresponder ao atual estágio da
consciência política de grandes parcelas da sociedade. Mas o julgamento do
mensalão, ao contrário do que pensa Lula, vai mudar muita coisa. Vai,
sobretudo, dar um basta ao pragmatismo aético que tanto mal tem feito ao
Brasil. O mensalão, que Lula pateticamente insiste em dizer que não existiu,
não foi uma invenção da imprensa. Foi o resultado acabado de uma trama criminosa
articulada no seu governo. A IMPRENSA APENAS
CUMPRIU O SEU PAPEL DE DENÚNCIA E DE COBRANÇA. É sempre assim. Foi assim com
Fernando Collor. E será assim no futuro. Jornais de credibilidade oxigenam a
democracia. AS TENTATIVAS DE
CONTROLE DA MÍDIA, ABERTAS OU DISFARÇADAS, SÃO SEMPRE UMA TENTATIVA DE ASFIXIAR
A LIBERDADE. A democracia reclama um jornalismo VIGOROSO e RIGOROSO.
Recentemente, Arthur Sulzberger Jr., chairman e publisher do jornal The New
York Times, em entrevista a O Estado de S. Paulo, sublinhou a importância de
uma marca de credibilidade, independentemente da plataforma informativa:
"A tradição é a maior qualidade do nosso jornalismo. É a maneira como as
coisas são vistas, é a precisão de investigar, são os core values com que
trabalhamos. Queremos continuar fazendo algo em que se pode confiar. Mudar para
o mundo digital significa apenas contar com novas ferramentas para fazer
exatamente o mesmo. A experiência diária do jornalismo não muda, é
essencialmente única". É isso aí. Num momento de crise no modelo de
negócio, evidente e desafiante, o que não podemos é perder o norte. E o foco é
claro: produzir conteúdo de alta qualidade técnica e ética. Só isso atrairá
consumidores, no papel, no tablet, no celular, em qualquer plataforma. E só
isso garantirá a permanência da democracia. Por isso governos autoritários,
apoiados em CURRAIS ELEITORAIS comprados ao preço da cruel perenização da
ignorância e, consequentemente, da falta de senso crítico, INVESTEM CONTRA A
IMPRENSA DE QUALIDADE E CONTRA OS FORMADORES DE OPINIÃO QUE NÃO ADMITEM
BARGANHA COM A VERDADE. O jornalismo tropeça em armadilhas. Nossa profissão
enfrenta desafios, dificuldades e riscos sem fim. E É AÍ QUE MORA O DESAFIO.