SURGE UM CANDIDATO
Na quarta-feira 9, em sua residência em Recife, Eduardo Campos assiste ao
programa eleitoral do PSB com o filho José Henrique no colo. A peça publicitária,
que foi exibida no dia seguinte, precisou ser refeita para incluir Marina Silva
"Bota uma camisa, Zé, para tirar um retrato.” Curiosíssimo e tímido, o pequeno José Henrique, usando camiseta vermelha e bermuda estampada xadrez, não desgruda do pai, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, nem um minuto sequer. Levanta do sofá da sala, corre até o quarto e retorna esbaforido. O pai lhe entrega um DVD, que o garoto coloca para rodar no home teather. “Vou antecipar para vocês como vai ser o novo programa do PSB”, diz Campos com o filho no colo. Um sol forte despontava no horizonte da capital pernambucana, quando na quarta-feira 9 o mais badalado candidato à Presidência do momento – desde que sacramentou há duas semanas a aliança com Marina Silva – abriu sua residência para a reportagem de ISTOÉ. Despojado, vestindo calça jeans e camisa social branca, Campos abandonou as gravatas Hermès que costumava usar. Já o relógio Cartier ele diz que foi presente dos funcionários do gabinete. A nova imagem é fruto do novo momento político, e de quem olha para as eleições de 2014. Em quase quatro horas de conversa, o governador de Pernambuco falou abertamente sobre seu projeto político, detalhou parte da estratégia de campanha ao Planalto e contou os bastidores da articulação que levou a ex-senadora Marina Silva para o PSB, num surpreendente movimento que pegou o mundo político no contrapé, a começar por seus aliados e, principalmente, adversários.
Enquanto exibia o programa político do PSB, que só foi ao ar no dia seguinte, Campos contou que a nova peça publicitária do partido precisou ser refeita e reeditada. “Cortamos o final para incluir o ato da aliança com a Marina em Brasília”, justificou o candidato, antes de conferir a inserção pela última vez, na presença de ISTOÉ.
As alterações de última hora demonstram que a aliança entre os dois foi uma operação espontânea e mesmo improvisada, ao contrário do que se costuma acreditar num país onde a crônica política dedica um culto anormal às teorias conspiratórias. A intenção de Marina foi comunicada a Eduardo Campos na sexta-feira 4, através de vários amigos comuns. Eles relatam que, ao menos inicialmente, o anfitrião não deixou de manifestar uma imensa surpresa diante da possibilidade de hospedar uma aliada tão vigorosa – com 28% de intenções de voto no último DataFolha, contra 8% para ele próprio. Para Marina, interessada em desempenhar um papel ativo em 2014, o PSB surgiu como opção natural, pois sendo um partido com 60 anos de existência não seria encarado como uma legenda de aluguel, a exemplo do PROS e do Solidariedade, criados às vésperas.
Agora, porém, Eduardo Campos tem consciência de que a improvisação e a espontaneidade que marcaram a negociação para a aliança com Marina precisam ser deixadas para trás se quiserem obter êxito eleitoral em 2014. Por isso, PSB e Rede criaram, na semana passada, um grupo de trabalho que já começou a discutir estratégias de campanha. O primeiro desafio envolve uma situação eleitoral exótica. Consiste em manter, como cabeça de chapa, um candidato a presidente que exibe, na melhor das hipóteses, um terço das intenções de voto da possível candidata a vice. A situação é delicada para as duas partes. Mesmo pressionada por seus militantes, que sonham com uma mudança de posição entre os dois, Marina sabe que não pode fazer nenhum gesto que possa ser interpretado como uma traição a Eduardo Campos. Ela não está em sua casa política. Ingressou no PSB a pedido, e não por convite, filiando-se a uma sigla que o governador herdou de seu avô, o lendário Miguel Arraes, e lidera com energia e controle. Candidato ao Planalto desde 2010, pelo menos, Eduardo Campos trouxe este projeto para 2014, quando poderia, se quisesse, esperar por 2018, quando teria a promessa de apoio de Lula para concorrer à sucessão de Dilma. Em função de tantas circunstâncias somadas, o sonho dos aliados de Marina de conseguir a cabeça de chapa equivalia, na semana passada, a uma utopia do tamanho do Amazonas. Com o objetivo de desfazer previsíveis ruídos surgidos nessa convivência, Marina Silva passou a semana ao telefone, esclarecendo com o parceiro qualquer confusão que pudesse sugerir um avanço de sinal. “Ela chegou a me enviar o áudio da entrevista a um jornal para provar que suas declarações saíram distorcidas”, disse Campos à ISTOÉ.
No esforço para encaixar o discurso estridente de Marina na campanha de Eduardo, a ideia é imitar o comportamento de Lula que viabilizou Dilma em 2010. Não faltarão pretextos para exibir os dois, lado a lado, sempre que possível. Para evitar qualquer artificialismo, eles deverão alimentar declarações políticas que se harmonizam e complementam, evitando temas que possam afastá-los. A tentativa de garantir a transferência de milhões de votos potenciais de Marina envolve uma operação cuidadosa. As pesquisas mostram que, deixada por sua própria conta, parte dos eleitores de Marina Silva tem uma tendência natural para escolher Dilma Rousseff como segunda opção. O plano do PSB é deixar claro, através de um trabalho permanente de imagem, que a própria Marina faria outra escolha e, assim, convencê-los a mudar de rumo. Lembrando que a nova aliada recebeu 19,6 milhões de votos em 2010, Eduardo Campos aposta que não faltarão cidadãos que, cansados da polarização PT x PSDB, poderão votar em seu nome. “Há um novo cenário eleitoral menos pulverizado e ainda mais polarizado. Nós podemos ser a alternativa”, afirma, referindo-se ao mundo político descortinado pelos protestos de junho que, não por coincidência, ajudaram a engordar as intenções de voto de sua parceira.
A estratégia do partido inclui dar exposição não apenas à dupla Eduardo-Marina, mas a outros parceiros, como Luiza Erundina (SP), Pedro Simon (RS) e Jarbas Vasconcelos, a serem apresentados como políticos que simbolizam a ética na política. A campanha vai buscar ainda o apoio de personalidades e setores da sociedade civil. “Podemos expressar esses valores que estão sendo reclamados na vida pública em torno de ideais que vão juntar as pessoas”, diz Campos. Em termos práticos, a chapa PSB-Rede investirá pesado nas mídias sociais para compensar o menor tempo de tevê e rádio. Pretende-se, aí, apresentar contradições de uma sociedade que avançou em termos de democracia, estabilidade econômica e inclusão social, mas que “corre o risco de perder essas conquistas”. Numa postura que diferencia Eduardo Campos de Marina, a decisão é que não haverá citações a Lula, tampouco ataques diretos à presidenta Dilma. Ao menos na fase inicial da campanha. A julgar pelo ímpeto eleitoral da nova dupla que abalou a política nos últimos dias, esse armistício não deve durar muito.
LEIA
ENTREVISTA COMPLETA COM O PRESIDENCIÁVEL EDUARDO CAMPOS:
"PSDB
E PT JÁ TIVERAM SUA CHANCE": Candidato do PSB ao Planalto, Eduardo Campos
recebeu a reportagem de ISTOÉ em sua residência, situada num bairro da zona
rural de Recife, onde vive com os quatro filhos. Durante quatro horas de
entrevista, o socialista falou sobre seus projetos.
Claudio Dantas Sequeira e Adriano Machado (fotos) -
enviados especiais a Recife
“Não quero ser a contestação da contestação, quero
ser o caminho para melhorar a vida das pessoas”
Às 10h14, da quarta-feira 9, a reportagem de ISTOÉ chegou à residência do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, para uma entrevista exclusiva. Desde que decidiu reformar o Palácio das Princesas, sede do governo, Campos se divide entre o gabinete provisório, instalado num centro de convenções, e sua casa – que, na verdade, pertence à família de sua mulher, Renata, há 40 anos. É lá que ele vive com os quatro filhos e os sogros. Localizada num bairro da zona rural de Recife, a residência é decorada por uma grande variedade de obras de artesanato regional. A preferida de Campos é uma imagem de São Francisco em tamanho natural. “A política brasileira tem que entrar na era do Papa Francisco”, diz o candidato do PSB à Presidência da República. “E não adianta quererem me colocar contra a Marina”, brinca, referindo-se à nova aliada, que é evangélica fervorosa. A primeira-dama dá boas-vindas da varanda, em companhia da filha Maria Eduarda, de 21 anos. Ela exibe a gravidez de Miguel, o quinto filho do casal, que chegará ao mundo em fevereiro. Eduardo Campos despacha com um de seus secretários na mesa da sala, e o pequeno José Henrique, de 8 anos, corre de um lado a outro com o smartphone do pai. Os outros dois filhos, João (19) e Pedro (17), estavam fora, estudando. “Tem político que gosta de criar bois. Outros preferem cavalos. Eu gosto de criar gente.”
ISTOÉ – POR QUE O SR. ACREDITA QUE PODE SER UM BOM
PRESIDENTE?
EDUARDO CAMPOS – Porque somos capazes de mudar a qualidade da política no País. A
política se degradou. Vivemos uma encruzilhada. Não podemos colocar em risco o
que acumulamos nas últimas três décadas, especialmente em termos de democracia,
estabilidade econômica e inclusão social. Quero resgatar o bom debate, a
utopia, a leveza e o respeito da sociedade. Representamos milhões de
brasileiros que acreditam em democracia, que é possível um padrão sustentável
de desenvolvimento econômico, que é preciso aumentar a participação da
sociedade na governança pública. Minha aliança com Marina é a primeira resposta
à crise de representatividade que o País está vivendo. O PSDB e o PT já tiveram
sua chance de liderar o processo político. Agora é a nossa vez.
ISTOÉ – O SR. ACREDITA MESMO EM
POSSIBILIDADE DE RETROCESSO NAS CONQUISTAS SOCIAIS?
CAMPOS – Enquanto a nova agenda for negligenciada, sim. As pessoas não têm
acesso a serviços públicos de qualidade. Quem passa quatro horas num ônibus,
quem espera oito meses para fazer um exame, com risco até de perder a vida pela
demora no atendimento, quer mudança. As respostas para essas questões não serão
dadas com velhas práticas políticas.
ISTOÉ – O QUE SÃO AS VELHAS
PRÁTICAS?
CAMPOS – Achar que
basta juntar uns partidos para ter tempo de TV, contratar um bom marqueteiro e
depois contar os parlamentares, distribuir ministérios entre partidos, sem
discutir conteúdo de nada. O que está posto na sociedade? Quer ter uma
telefonia decente, transporte público de qualidade, energia sustentável para
iniciarmos um novo ciclo de crescimento. Quem entendeu o que aconteceu nas ruas
em junho entende a aliança que estamos fazendo agora e a pauta que estamos
colocando.
ISTOÉ – ESSAS QUESTÕES SÃO
ANTIGAS E NINGUÉM MUDOU.
CAMPOS – São questões que estão postas há duas décadas, ao menos. É o que
ocorre, por exemplo, com as reformas política e tributária. O presidente Lula
tentou fazer. Só que político pensa no imediato e, se aquilo vai prejudicá-lo,
ele não apoia. A saída é propor reformas escalonadas, com previsão de entrar em
vigor em oito, 12 ou 16 anos. Na reforma política, por exemplo, poderíamos
terminar, de saída, com a coligação proporcional, com a cláusula de barreira e
a coincidência de mandatos. Isso já dá uma primeira arrumada.
ISTOÉ – SE LULA NÃO FEZ AS
REFORMAS COM A POPULARIDADE E A BASE DE APOIO QUE TINHA, POR QUE O SR. ACHA QUE
CONSEGUIRÁ?
CAMPOS – Porque o Brasil que sairá das urnas em 2014 será outro. Foi por
isso que alguns setores tentaram reduzir as chances de debate, polarizando a
disputa. Em 2014 teremos uma eleição de posturas. Precisamos usar mais
mecanismos de democracia direta, usar o potencial de 108 milhões de brasileiros
com smartphones ligados à internet. Os governos precisam ser digitais. Com
isso, dá para governar com uma base menor, mas que tenha qualidade.
ISTOÉ – NÃO É UM SONHO GOVERNAR COM UMA BASE
MENOR?
CAMPOS – É preciso testar. Não dá para ficar alimentando um ciclo que não
está sendo bom para a política brasileira. Estamos há dois anos lutando contra
essa inflação renitente, empurrando para cima da meta prudencial. Tem muita
gente que subiu degraus, deu entrada na casa própria, comprou máquina de lavar,
televisão de tela plana, assumiu vários compromissos financeiros. Se a economia
não melhorar, essas pessoas podem ser obrigadas a descer esses degraus.
ISTOÉ – E O QUE O SR. FARÁ PARA MELHORAR A
ECONOMIA?
CAMPOS – A tarefa de conter a inflação não é só taxa de juros. É preciso
encarar a economia como você enfrenta outros problemas. No caso da segurança
pública, o que você faz? Não é só colocar polícia na rua, tem que ter escola,
assistência social, uma Justiça mais ágil, combater a impunidade. Na economia,
é fundamental compatibilizar a política fiscal com a monetária, e passar
segurança aos agentes econômicos.
ISTOÉ – COMO PASSAR ESSA SEGURANÇA? QUAL É O
SEU PLANO ECONÔMICO?
CAMPOS – Não quero antecipar um debate que estou começando. Mas o País
precisa de um rumo estratégico, como o que Lula fez na “Carta aos Brasileiros”,
em 2002. A eleição dele gerou na ocasião mais ansiedade no mercado, mais
sobressaltos, que qualquer outra crise, levando o dólar na casa dos R$ 4. Há
hoje uma crise de confiança que precisa ser neutralizada. Tem que fazer o dever
de casa, alavancar os investimentos, combater a corrupção, implementar uma
gestão pública mais eficiente, baseada na transparência, no controle social e
na meritocracia, e não no apadrinhamento. Eu fiz isso em Pernambuco. Todos
concordam que é preciso reduzir o número de ministérios. É uma questão
simbólica.
ISTOÉ – O SR. VAI SE APRESENTAR COMO UMA
TERCEIRA VIA?
CAMPOS – Não é uma terceira via, mas
é “a via”. Não gosto do clichê de terceira, porque parece que há uma primeira e
uma segunda. Não quero ser a contestação da contestação, quero ser o caminho
para melhorar a vida das pessoas.
ISTOÉ – APESAR DO DESEMPENHO COMO GOVERNADOR, O
CANDIDATO EDUARDO CAMPOS AINDA É DESCONHECIDO DOS BRASILEIROS. COMO PRETENDE
MUDAR ISSO?
CAMPOS – É verdade que o Brasil ainda não me conhece. Mas não fiz até agora
nenhum esforço sistemático para mudar isso. Recentemente, temos falado na TV,
mas apenas dez minutos a cada seis meses.
ISTOÉ – E COMO VIRAR O JOGO?
CAMPOS – Vamos andar juntos pelo
Brasil, eu e Marina. Vamos ter o apoio desse maravilhoso mundo da internet,
participar de fóruns e atividades País afora. Os espaços vão surgindo
naturalmente, é um processo em construção. Não pode ser um processo ansioso,
mas tranquilo, como estamos. Quem não está tranquilo são os outros!
ISTOÉ – QUAL É A ESTRATÉGIA DE
SUA CAMPANHA?
CAMPOS – Vamos
correr o País. Estamos fechando uma agenda de debates e atividades, de agitação
de ideias e participação em eventos públicos. Nos próximos dias já vamos
começar a aparecer juntos. Haverá também atividades internas direcionadas à
militância do PSB e da Rede, que devem estar coesas. Queremos o apoio de
personalidades e de diversos setores da sociedade civil. Mostrar que temos um
campo que inclui outras lideranças políticas, como Luiza Erundina, Pedro Simon,
Jarbas Vasconcelos. A campanha será a expressão política do desejo de mudanças
que alimenta protestos e manifestações País afora. Podemos expressar esses
valores que estão sendo reclamados na vida pública em torno de ideais que vão
juntar as pessoas.
ISTOÉ – E OS
PALANQUES REGIONAIS? VOCÊS VÃO COBRAR FIDELIDADE E EXPULSAR O PT DAS
COLIGAÇÕES?
CAMPOS – Não
vamos expulsar ninguém. Sai quem quiser. Os Estados estão livres para fazer os
arranjos necessários, desde que garantam o palanque para nossa candidatura.
ISTOÉ – MAS A DILMA TAMBÉM VAI
QUERER O PALANQUE. VOCÊS VÃO DIVIDIR?
CAMPOS – Pode
ser, não vejo problema.
ISTOÉ – A MARINA VAI AJUDAR A
PROJETAR SUA IMAGEM?
CAMPOS – Acho que a aliança vai
ajudar a difundir ideias que são novas, simples, mas de grande impacto e com
grande sinergia com as pessoas que não são candidatas e que não são
partidárias. Pessoas que militam por um Brasil melhor. Não podemos ser
encarados como ofensa, só por oferecer um caminho alternativo.
@@@A primeira manchete como também a imagem não fazem partes do texto original da Revista ISTOÉ