Reinaldo Azevedo
A imprensa
golpista — e voltamos a ter essa excrescência, típica do regime militar
instaurado em 1964 — está inconformada com a reação do presidente Michel Temer
ao conjunto de agressões, uma vez que não se trata mais de investigação ou
apuração, que contra ele é disparado pelo procurador-geral da República. A
coisa fugiu de toda a razoabilidade desde o início. Tudo começou com uma prova
ilícita, admitida como regular — refiro-me à gravação feita por Joesley Batista
—, e culmina com a decisão de bipartir ou tripartir a denúncia, num esforço de
manter o chefe do Executivo nas cordas.
Não resta mais a
menor dúvida, a quantos analisem a questão com um mínimo de objetividade, que o
senhor Janot está numa cruzada pessoal contra o presidente. Considera essa a
obra de sua vida. Poderia, tivesse o MPF se mantido nos limites da lei,
orgulhar-se de um trabalho sério e consequente de combate à corrupção. Em vez
disso, vai se despedindo da PGR de forma melancólica. Multiplicam-se as
agressões ao Estado de Direito; o solipsismo jurídico toma o lugar das leis; as
rixas pessoais vão se sobrepondo aos códigos. Infelizmente, por enquanto, por
maioria, o Supremo está de joelhos diante do esbulho da ordem constitucional e
legal.
E isso, em parte,
também é obra desse período meio tenebroso, em que um bandido como Joesley
Batista não só conquista a impunidade como galardão como ainda se torna herói
da resistência de setores da imprensa. Por que digo isso? Infelizmente, há
fundadas suspeitas de que há magistrado superior se comportando como inferior.
Há quem tema que a delações premiadas por fazer ou em curso ponham em risco a
sua toga.
Ora, o senhor das
delações — para fazer, pois, o que bem entender segundo alguns ministros do
Supremo — é o Ministério Público. Pensem: se nada se sobrepõe a um acordo de
delação entre um procurador e um bandido (como querem Roberto Barroso, Luiz
Fux, Rosa Weber, Edson Fachin — que mudou de ideia, pegando carona em Barroso —
e, tudo indica, Celso de Mello e Cármen Lúcia), estão é possível contar com a
possibilidade de que membros da corte suprema do país possam estar sob
chantagem, não?
O que foi mesmo
que disse Barroso, o prestidigitador do direito? Lembrei: acordos de delação
podem contemplar o que está e o que não está na lei. Segundo ele, se a
concessão não for proibida, então é legal. Até poderia ser assim para o
indivíduo-delator, mas ao funcionário público que está do outro lado, senhor
procurador, só é lícito fazer o que está nos códigos. Barroso precisa estudar
direito… direito!
Sim, fez muito bem
o presidente em reagir com dureza. E não! Não é fato que Temer tenha insinuado
que Rodrigo Janot levara alguma grana por fora. O presidente estranhou — e esse
trabalho deveria ter sido nosso, da imprensa (neste blog, fiz a minha parte) —
que o principal assessor de Janot, o procurador Marcelo Miller, tenha deixado o
MPF, lotado que estava na PGR, três dias antes de migrar para o escritório que
iria cuidar do acordo de leniência do grupo J&F.
Em nota, Janot
saiu-se com a desculpa marota de que Miller não participou da delação de
Joesley. E daí? Todos sabem que o método, o modus faciendi empregado, que
transforma em colaborador o investigado que acabará se transformando em delator,
é uma das especialidades de Miller. Foi o que fez com Sérgio Machado, outro
bandido premiadíssimo. No caso de Delcídio, saibam, antes de entrega-lo na boca
do sapo, a PGR tentou obter com Teori Zavascki autorização para o então
parlamentar gravar senadores. O ministro negou. Hoje em dia, Fachin aceitaria.
Bem, ele aceitou coisa ainda mais grave.
Miller é unha e
carne com Janot. Transferiu-se, três dias antes do vazamento torto da delação
de Joesley, para o escritório Rench, Rossi & Watanabe Advogados, do Rio.
Consta que a banca faturou US$ 27 milhões com essa transação. Parte
considerável teria cabido ao ex-procurador. Poderia ser tudo legítimo se
inconstitucional não fosse. Vejam o que diz o Parágrafo 6º do Artigo 128 da
Constituição:
“APLICA-SE AOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO O DISPOSTO NO ART. 95,
PARÁGRAFO ÚNICO, V.”
Ah, então que tal
ver o que vai no Inciso V do Parágrafo Único do Artigo 95:
“PARÁGRAFO ÚNICO. AOS JUÍZES É VEDADO:
V – EXERCER A
ADVOCACIA NO JUÍZO OU TRIBUNAL DO QUAL SE AFASTOU, ANTES DE DECORRIDOS TRÊS
ANOS DO AFASTAMENTO DO CARGO POR APOSENTADORIA OU EXONERAÇÃO.
Temer foi
bonzinho. O sr. Miller não poderia exercer a função de advogado junto à
Procuradoria Geral da República por três anos. E ele mudou de lado em três
dias.
Tem de se explicar,
sim.
Ah, sim: o
presidente sugeriu que o procurador-geral está levando grana por fora, em
parceria com Miller? Não! Leiam a íntegra de sua fala. Ele diz, isto sim, é que
não seria irresponsável de fazer a ilação, como a PGR fez com ele próprio, de
que Janot, afinal, se aproveitou dos muitos milhões dessa transação.
Pode ter chamado
Janot de irresponsável, mas não de ladrão.