DILMA E O VÔO DO JABUTI
Por Guilherme Fiuza
As investigações sobre o vazamento de dados da Receita Federal sobre o tucano Eduardo Jorge Caldas não fazem o menor sentido. São absolutamente desnecessárias, pois todos já sabem quais serão as conclusões. Em primeiro lugar, mais uma vez, o PT não tem culpa. O pessoal da campanha de Dilma Rousseff não sabia. E a própria candidata não tem a menor idéia nem do que seja vazamento de dados. O único fato realmente intrigante nessa história é como esses dossiês e pré-dossiês aparecem no comitê de Dilma, sem que ninguém os leve para lá.
Isso, sim, merece investigação – EM NOME DA PRÓPRIA SEGURANÇA DA CANDIDATA. E se em vez de papéis de bisbilhotagem, colocarem uma bomba no local? Todo cuidado é pouco.
Quanto à possibilidade de Dilma e seus asseclas terem usado a máquina do governo para fuxicar a vida dos adversários, melhor esquecer. A montagem do dossiê sobre os gastos de Fernando Henrique e Ruth Cardoso, por exemplo – o famoso “banco de dados” –, como se sabe, foi um fenômeno da natureza. Tudo indicava que tinha sido obra de Dilma, operada por sua chefe de gabinete na Casa Civil. Mas a chefe de gabinete virou ministra – então não pode ter sido ela.
O dossiê sobre a filha de José Serra, que por COINCIDÊNCIA também foi parar dentro do comitê do PT – e, por mais coincidência ainda, foi preparado por um araponga contratado pela assessoria de comunicação da candidata – também não tinha nada a ver com Dilma. Tanto que ninguém foi punido, nem será.
Era só mais um jabuti em cima de uma árvore, dos tantos jabutis que habitam as árvores da capital federal. Tudo normal.
COMO SE VÊ, SUSPEITAR DE DILMA E SUA TURMA NO CASO DA CRIMINOSA QUEBRA DO SIGILO FISCAL DE EDUARDO JORGE É PERDA DE TEMPO. CLARO QUE ELES NÃO SABIAM DE NADA.
Talvez a candidata de Lula nem se lembre para que serve a Receita Federal. Já faz muito tempo que ela interveio lá para dar uma mãozinha ao filho encrenqueiro de Sarney. Mas disso ela também não se lembra.
Pelo visto, a blindagem da área econômica, feita no governo anterior contra a politicagem dos partidos, continua intacta. O vazamento de dados veio dos quadros da própria Receita, mas no final vai-se descobrir que o PT não tem nada com isso. Provavelmente foi só mais um desastre natural.
O diabo é que o jabuti cismou de aparecer de novo em cima da árvore do comitê de Dilma. Deve ser a evolução da espécie.
Se vierem mais quatro anos de governo petista, talvez os jabutis terminem o mandato de Dilma voando como pássaros.
PROGRAMA DE GOVERNO DA DILMA É UM DESASTRE ABSOLUTO
Suely Caldas
O improvisado programa de governo da candidata Dilma Rousseff é mais criticável pelo que não contém do que pelo seu conteúdo arrependido, que levou à apressada retirada de pontos polêmicos. As 22 páginas do documento repetem o estilo presente nos programas do PT de 2002 e 2006: está mais para uma coleção de desejos e promessas - a maioria reprisada das duas últimas campanhas eleitorais - do que para um texto inovador, capaz de avançar em acertos, corrigir erros e criar novas ações, refletindo o aprendizado e a experiência adquiridos em oito anos de governo. Os principais entraves ao progresso e ao desenvolvimento econômico e social não estão ali. Ou melhor, alguns estão, sim, mas burocraticamente listados ou copiados do passado, sem aprofundar suas causas nem indicar caminhos para superá-los. Alguns itens omitidos no documento e que são fundamentais para equilibrar as finanças do Estado e garantir o crescimento econômico e o progresso social sem riscos de retrocessos:
REFORMAS - Foram praticamente ignoradas no texto. A única mencionada - a tributária - recebeu tom mais apropriado a discurso de palanque do que a um programa de governo: "Simplificar os tributos, desonerar a folha de salários, garantir devolução automática de todos os créditos a que as empresas têm direito e acabar com qualquer tributação sobre o investimento." Se o ideário tributário do PT é somente renúncia fiscal, como sustentar um Estado caro e gigante, que o partido defende? Se fosse fácil assim Lula não teria ficado oito anos tentando realizar sua reforma, que terminou raquítica e, assim mesmo, um completo fiasco. As reformas política, previdenciária, trabalhista e sindical nem sequer são citadas no texto. Até as microrreformas concebidas pela equipe do ex-ministro Antônio Palocci, que nada têm de ideológicas, também foram desprezadas. Seu foco era dar eficácia, racionalidade e rapidez à burocracia e às ações de governo, além de propor uma fórmula criativa para desonerar a folha de salários de empresas que usam mão de obra intensiva e para empregados que ganham até três salários mínimos. Dilma Rousseff vive falando em desoneração trabalhista, mas não resgatou essa proposta nem diz como vai fazer.
INVESTIMENTO - O documento trata do tema de forma superficial e, mais uma vez, usa o estilo desejos e promessas. Diferentemente do investimento produtivo, impulsionado pelo crescimento econômico, projetos de infraestrutura e logística dependem de regras estáveis e eficientes marcos regulatórios. Mas o PT não vai fundo em analisar os entraves que Lula encontrou e outros que criou, como enfraquecer o poder das agências reguladoras e politizá-las com dirigentes não capacitados e indicados por partidos políticos. Os compromissos com a não-interferência política do governo em grandes projetos e com a estabilidade de regras também não figuram no documento. E esses, segundo as empresas, têm sido os principais obstáculos que travam o investimento privado em logística e infraestrutura.
ENERGIA - Genérico, o programa do PT limita-se a prometer a construção de mais hidrelétricas, desenvolver energias alternativas e explorar o pré-sal. Nenhuma palavra sobre um problema que angustia o setor elétrico, inclusive o estatal, porque os investimentos foram completamente paralisados, à espera de uma definição do governo: trata-se das concessões de usinas hidrelétricas que representam 30% da energia do País e serão definitivamente canceladas em 2015. A Constituição de 1988 determina que os novos concessionários serão escolhidos unicamente em licitações. Seria uma chance para implementar um novo modelo para o setor elétrico, integrado com o uso da água, como propôs o ex-presidente da Eletrobrás José Luiz Alquéres. Mas o PT parece não ter proposta alguma.
DÍVIDA - O governo Lula fez crescer tanto a dívida pública que o Brasil passou a ocupar o terceiro lugar entre os países emergentes com maior endividamento, ultrapassado só pela Índia e pela Hungria, segundo pesquisa do Fundo Monetário Internacional (FMI). Enquanto o Brasil tem uma dívida bruta equivalente a 60,1% do Produto Interno Bruto (PIB), a da China é de 20% e a do Chile, de 4,4% do PIB. Se o novo governo não definir um plano de redução gradativa da dívida, a receita tributária continuará a escorrer pelos ralos do pagamento de juros, em vez de suprir as deficiências da saúde, da educação, do saneamento, de investimentos. Apesar da gravidade, o tema é solenemente ignorado no documento do PT.
CORRUPÇÃO - Oito anos de mensalão, aloprados, dólares na cueca, vampiros e sanguessugas desmoralizaram o discurso anticorrupção do passado e levaram o PT a se retrair e não assumir nenhum compromisso com o combate à corrupção. No programa não há uma só linha mencionando desvios de dinheiro público e outras práticas condenáveis que costumam espalhar-se livremente no serviço público quando não combatidas. Em seu governo, ao contrário, Lula tratou-as com tolerância e perdão.
EDUCAÇÃO E SAÚDE - O texto trata de forma genérica, listando ações que são comuns a todos os partidos políticos. Qual candidato é contra "erradicar o analfabetismo"? Nenhum. A diferença estaria em definir metas e prazos para isso ocorrer. Mas o PT não assume nenhum compromisso nessa direção. Menciona vagamente a "melhoria das condições de saúde do povo brasileiro nos últimos anos". Melhoria não percebida por quem enfrenta hospitais públicos e filas de meses, às vezes anos, para consulta e cirurgia. E nada há no texto que garanta maior eficiência no funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS).
Dilma Rousseff disse ter rubricado todas as páginas do programa sem ler. Deveria tê-lo feito. Se o fizesse, constataria, por exemplo, que taxar grandes fortunas não tem nenhum efeito benéfico, está implícito no que Lenin chamou de "esquerdismo, doença infantil do comunismo": não aumenta a receita tributária, atrai a oposição de quem possui bens e só serve para vingança dos radicais contra os ricos. Mas constataria também que ali está o viés estatizante de uma proposta de governo que tem pouca importância para seu guru político, mas tem tudo para selar a aliança da candidata com a esquerda do PT. Esse é o ponto que pode complicar - e muito - a relação de Dilma Rousseff com seus aliados, caso se torne presidente. Diferentemente de Lula, ela não tem história no PT, muito menos domínio das conflitantes tendências políticas que ali convivem. Lula fez o que quis sem consultar o PT e nas divergências enquadrava a militância. Não será assim com Dilma. Pior ainda quando for ela a enfrentar o fisiologismo do PMDB. Falta-lhe traquejo político para lidar com as demandas por cargos, verbas e favores vindos de Michel Temer, José Sarney, Renan Calheiros, e Jader Barbalho.(Manchete do texto original: PROGRAMA DE GOVERNO DE DILMA).