Júlia Rodrigues
Um ano depois do desfecho da Operação Porto Seguro,
promovida pela Polícia Federal para desbaratar uma quadrilha especializada na
comercialização de pareceres fraudulentos emitidos por agências reguladoras, a
única mulher envolvida no escândalo é também a única integrante do bando cuja
vida mudou para pior. Chefe do escritório da Presidência da República em São
Paulo desde 2004, Rosemary Nóvoa de Noronha reinou no 17° andar do prédio do
Banco do Brasil na Avenida Paulista até a descoberta de que o local fora
reduzido a uma extensão de um grupo criminoso. Os chefes eram os irmãos Paulo
Vieira, diretor da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), e Rubens Vieira,
diretor da Agência Nacional de Águas (ANA). Além de Rose, participavam do
segundo escalão figurões como José Weber de Holanda, número dois da
Advocacia-Geral da União. Escalada para agir no núcleo especializado em tráfico
de influência ─ um dos três em que o bando se dividia ─ ROSE VALEU-SE DAS RELAÇÕES ÍNTIMAS QUE MANTINHA COM LULA PARA A
CONSUMAÇÃO DE IRREGULARIDADES SUFICIENTEMENTE NUMEROSAS PARA PROMOVÊ-LA AO
CARGO INFORMAL DE “FACILITADORA-GERAL DA
REPÚBLICA”. A boa vida acabou em 23 de novembro de 2012, quando a
Polícia Federal, munida de um mandado de busca e apreensão, invadiu o
escritório e a casa da protegida de Lula. Passado um ano, o acervo de reveses é
de bom tamanho. A perda do salário de R$ 12 mil é a menos relevante. Uma mesada
negociada com Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula, tem livrado a
desempregada de dificuldades financeiras. O que a transformou numa mulher
amargurada foi a perda de outros privilégios que lhe garantiam a vida de SEGUNDA-DAMA. Deixou, por exemplo, de viajar no Aerolula, a bordo do qual
fez 28 viagens internacionais em companhia do presidente como passageira
clandestina, deixou de ser convidada para hospedar-se no Palácio Pamphili, a
esplêndida relíquia arquitetônica que abriga a embaixada brasileira em Roma.
Perdeu até o direito aos mimos que levaram a Polícia Federal a qualificá-la de PETEQUEIRA. Essa expressão, utilizada nos meios políticos e
empresariais, designa quem se deixa corromper por ninharias, como ingressos
para camarotes no Carnaval do Rio de Janeiro, cruzeiros no litoral paulista,
financiamentos de pequenas cirurgias ou apartamentos. Indiciada em dezembro de
2012 pela Polícia Federal, Rose foi, pouco depois, denunciada pelo Ministério
Público por formação de quadrilha, corrupção passiva, tráfico de influência e
falsidade ideológica. Em setembro passado, a Controladoria-Geral da União
decidiu exonerar a ex-chefe do escritório da Presidência em São Paulo, que
nunca mais poderá ocupar cargos públicos federais. A CGU entendeu que Rose
havia incorrido no crime de improbidade administrativa. Para a mulher que
nomeava parentes e amigos com o amparo do presidente, nada foi mais penoso que
a perda do prestígio. Ela nomeou, por exemplo, os irmãos Vieira. Até agora, os
comparsas não foram demitidos. Embora denunciados pelo Ministério Público
Federal, os demais integrantes da quadrilha continuam recebendo salários do
governo, como informou a reportagem de VEJA publicada neste 23 de novembro. Em
público, Rose evita queixar-se dos problemas que enfrenta. EM TROCA DO SILÊNCIO, GANHOU UM BATALHÃO DE ADVOGADOS
ESPECIALIZADOS EM LOCALIZAR BRECHAS NA LEI PARA ADIAR O ANDAMENTO DE PROCESSOS
COM SUCESSIVOS RECURSOS. Ela mantém o direito de ir e vir. Mas evita exercê-lo para
não se expor ao assédio de jornalistas. Enclausurada na casa da filha, Rose
rumina as lembranças dos tempos em que exibia ostensivamente a proximidade com
o ex-presidente, a quem se referia como “chefe” e “PR” (Presidente da
República), deixando, eventualmente, escapar um “Luiz Inácio” para impressionar
colegas de trabalho. Agia com discrição apenas como passageira do Aerolula. Só
embarcava quando Marisa Letícia não estava a bordo. Para driblar a vigilância
da primeira-dama, que conferia os nomes incluídos na comitiva, Rosemary Noronha
nunca aparecia na lista de passageiros publicada no Diário Oficial. É provável
que se tenha transformado na viajante clandestina com a maior milhagem da
história da aviação. “Imagine uma pessoa que passou a vida pendurada no cheque
especial e, de repente, recebe uma herança de um tio. Essa é a Rose”, resumiu
um amigo. Motoristas, secretárias e copeiras que foram subordinados à
imperatriz do escritório, revelam que gritos e humilhações públicas eram
frequentes. Uma secretária alvejada por um dos chiliques, agravado pela ameaça
de demissão, teve de ser hospitalizada para tratar a crise de hipertensão. Rose
não só negou socorro à funcionária, como tirou-lhe o emprego. Tantos sintomas
de deslumbramento são justificados pela biografia. Na década de 90, Rosemary
Noronha sequer sonhava com a chegada ao coração do poder. Bancária, participava
de algumas atividades no sindicato da categoria em São Paulo, instalado num
prédio ao lado da sede nacional do PT. Despertou a atenção dos chefes não por
intervenções em assembleias, mas pela silenciosa exibição de outros atributos, COMO AS VOLUMOSAS COXAS E OS CABELOS LONGOS. Chegou ao Partido dos
Trabalhadores pelas mãos de José Dirceu, que a contratou como secretária. O
chefe apresentou-a a Lula. Em 1994, ainda trabalhava com Dirceu quando passou a
cuidar da agenda do futuro presidente. O estreitamento das ligações animou Lula
a alojar a protegida no cargo de que foi destituída só em novembro de 2012. A
mudez de 12 meses só foi interrompida pela curta entrevista concedida a VEJA.
Afirmou que seu relacionamento com o ex-presidente era “totalmente
profissional”, baseado em “amizade e fidelidade”. “As nossas famílias se
conhecem desde que as crianças eram pequenas”, disse. Ainda no começo da
conversa, irritada com uma pergunta banal ─ como e quando havia conhecido Lula?
─ deu a entrevista por encerrada. LULA
TAMBÉM MANTÉM DISTÂNCIA DA HISTÓRIA MUITO MAL CONTADA. Dois dias depois da
explosão do escândalo, declarou-se traído. “Eu me senti apunhalado pelas
costas”, lamuriou-se. “Tenho muito orgulho do escritório da Presidência, onde
eram feitos encontros com empresários para projetos de interesse do país”. Em
março, numa entrevista ao jornal Valor Econômico, criticou a cobertura o
noticiário da imprensa sobre o Caso Rose. “Quando as coisas são feitas de muito
baixo nível, quando parecem mais um jogo rasteiro, eu não me dou nem ao luxo de
ler nem de responder”, desconversou o entrevistado. “Porque tudo o que o
Maquiavel quer é que ele plante uma sacanagem e você morda a sacanagem”. Lula
continuava procurando algum álibi consistente em setembro, mostrou a entrevista
concedida ao Correio Braziliense. “A CGU julgou um relatório feito pela Casa
Civil. E pelo que vi do relatório, ele confirma as conclusões da Casa Civil”,
resumiu. “Todo servidor que comete algum ilícito tem de ser exonerado”. Neste
começo de dezembro, os brasileiros ainda continuam à espera de explicações
menos rasas. O país quer saber, por exemplo, todos os detalhes da MESADA QUE ROSE RECEBE. Ou quem banca o batalhão milionário
de 40 advogados incumbidos de defendê-la. Lula faz de conta que não há o que
explicar. É desmentido por, pelo menos, 40 perguntas formuladas pelo Brasil que
presta. Fala, Lula. O país continua querendo saber...