Mesmo não muito a fim de olhar para trás, me rendo ao tradicional
balanço do fim do ano. Não que me assombre a maldição da insensata mulher de Ló
voltando-se para Sodoma ou a da pobre Eurídice condenada ao Tártaro nesta
alegoria delicada da brutalidade das perdas adquiridas, como se a transformação
que o tempo impõe a tudo não fosse um jeito de não se ter mais tudo o que se
quis. Paisagens vividas ou sonhadas desaparecem do nosso retrovisor e nós
também desaparecemos do retrovisor alheio. Portanto, olho para trás; evito,
porém, o lugar asfixiante da lamentação.
Sonhamos, investimos no sonho, até o sitiamos só para que ele
soubesse que continuávamos na busca. Deu certo? Maravilha, abramos um vinho.
Tudo ruiu? Pena, abramos um vinho e celebremos o fato de que nada nem ninguém
tira de nós aquela deslumbrante visão do alto alcançada pelo coração que voa
rumo ao lugar onde ele pulsa. E estar vivo não é sentir-se livre para buscar o
mais impossível que capturou nossa alma, a singularidade que nos aproxima do
demasiadamente humano? Não é estar disponível para o que parecia inatingível,
para o Mais Alto e o Mais Dentro? Não estar condicionado ao chão? Ainda que
percamos as asas e desabemos como Ícaros vencidos, a vida, isso que a gente faz
a frio no calor da coisa, sempre vale a pena e não se deve deixar o vinho
esperando. E as asas se regeneram.
Não sou dessas pessoas bem-resolvidas e tal que se decidem e
seguem em frente em linha reta. Imagine! Além do fato de eu não confiar em
gente assim, uma reta é uma tristonha linha que não sonha, segundo Manoel de
Barros e a maturidade (cronológica) ainda não me ensinou a não sonhar, ou eu
não tentaria ganhar a vida como freelancer (frila); talvez o modo mais incerto
neste país desencantado das incertezas. Frila é aquele sonhador cujos clientes
desaparecem ao mesmo tempo, deixando-o no modo náufrago-Tom Hanks quando ele se
perdeu do Wilson (a bola alter ego do personagem), no mar, na tentativa final
de escapar da ilha. Ou florescem ao mesmo tempo; aí a gente entra no modo
corra-Lola-corra. Tem o lado bom, sabe?, afinal, poucas coisas não o têm quando
conseguimos rir no naufrágio e na loucura – NEM SEI SE RIR É O MELHOR REMÉDIO, OU MESMO UM REMÉDIO, MAS É
SEMPRE MAIS DIVERTIDO E, POR FAVOR, O MEU É COM DIVERSÃO E SEM CEBOLA – E
QUANDO A GENTE SONHA SEM ESQUECER A LIÇÃO DE BELCHIOR SEGUNDO A QUAL VIVER É
MELHOR QUE SONHAR.
Sonho com um Brasil melhor há tempos e faço por ele o possível a
uma cidadã comum em sua lavoura arcaica diária para ganhar a vida dignamente
entre o náufrago-sem-Wilson e a correria-da-Lola, educar a filha para ser gente,
e coisas assim. A REDEMOCRATIZAÇÃO encontrou um país ávido por se modernizar que DESMORONOU no pior fenômeno da história da
república: O
LULOPETISMO. Por
isso também não gosto de governantes carismáticos, prefiro picolés de chuchu,
só que mais firmes. É que, na América Latina, o carisma político degenerou em
nefastos personalismos: do peronismo ao chavismo, do getulismo ao lulopetismo;
uma metafísica autoritária e primitiva que submete instituições e leis a
homens.
O IMPEACHMENT DA MULHERZINHA INTERROMPEU
A DESGRAÇA CUJA MISTURA DE CORRUPÇÃO E INCOMPETÊNCIA NOS CUSTOU UMA GRANA
PRETA, mas prejuízo ainda
maior foram: 1) a desinstitucionalização do país – resultante da louvação
personalista a um caudilho ignorante que anestesiou a vigilância da sociedade
sobre os governos petistas e que aprofundou o aparelhamento do Estado (iniciado
antes da eleição do PT à presidência) –, dificultando o processo de impeachment
(as fraudes de Barroso e de Lewandowski, por exemplo) e a estabilidade do
governo sucessor compromissado com reformas que contrariam as guildas que
privatizaram o Estado; 2) o assalto ao nosso futuro. DESSE SOLO TÓXICO, BROTOU UM
PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA TUIUIÚ (PESQUISEM) QUE DECIDIU QUE TEMER TINHA DE
SER DEPOSTO PORQUE SIM, ORAS.
Olha, a mala do Rocha Loures era uma só e liga o ex-deputado a
ela, mas não caracteriza o crime que a narrativa fictícia de Joesley imputava a
Temer porque, para isso, seriam necessários milhares de malas semanais para
levar, por décadas, os mais de 400 milhões que a JBS pagaria a Temer por
favores concedidos nos 30 anos seguintes (fora da presidência e, provavelmente,
morto!). É nesse sentido que o delegado-geral da Polícia Federal, Fernando
Segóvia, afirmou que uma mala é insuficiente para configurar a materialidade do
crime imputado a Temer, ainda que seja suficiente para complicar Loures. Que
Janot monitorasse Loures por uma sequência de 2 ou 3 meses – mas será que
haveria mesmo uma sequência de malas?
Segóvia nem disse que uma mala não provava nada e nem se referiu
a Loures, entretanto a má vontade dos 5% da imprensa que respeito e a má-fé dos
outros 95% que desprezo dedicadas ao governo Temer aplainam a análise,
brutalizam o pensamento e deformam o relato dos fatos. Outra flor do mesmo mal
é a interpretação da frase “Tem de manter isso aí, viu?”. Impressionante que,
mesmo dita antes, repito: antes, de Joesley aludir genericamente a uma ajuda a
Cunha (ouçam a gravação inteira, mas não com os ouvidos psolistas de Barroso),
até hoje seja tomada como o que fora anunciado sem sê-lo. Brasil em transe.
Dramaticamente necessária não apenas porque o boi ficou maior do
que o carrapato, mas também porque sedimenta o caminho da recuperação
econômica, a reforma da previdência foi adiada. Com esse adiamento e a
aprovação da reforma previdenciária na Argentina, me lembrei das palavras de
Roberto Campos: “BRASIL
E ARGENTINA PARECEM DOIS BÊBADOS CAMBALEANTES A CABECEAR NOS POSTES. SÓ QUE,
ENQUANTO A ARGENTINA PARECE ESTAR A CAMINHO DA ECONOMIA DE MERCADO, O BRASIL
PARECE ESTAR DE VOLTA AO BAR”.
Entre os que combatem a reforma, a previsível “privilegiatura” do funcionalismo
público, mas também alguns tucanos, renegando uma bandeira histórica do PSDB, e
certos políticos que se dizem liberais e/ou de direita, quando são apenas medíocres
oportunistas estatistas com glacê liberal eleitoreiro.
Esses mesmos políticos se valem do discurso fascistoide
lulopetista, com o sinal trocado, para a clivagem artificial entre “NÓS” e “ELES”, investindo mais no esgarçamento da tolerância, na automistificação
e na perpetuação do FLAxFLU beligerante do que no cerzimento da sobriedade. Em
nome de um ambiente mesmo intoxicado, é tolice ofender políticos no cinema, em
hospitais(!), restaurantes, aviões, fora dos espaços institucionais; e lamento
que alguns analistas encorajem isso, fazendo de sua tribuna um palanque igual
ao petista. Indignação pode ser civilizada e sua expressão não precisa nos
igualar àquilo que a desperta.
Feliz Natal aos leitores. Agradeço ao presidente Temer que, superando
circunstâncias graves de conspirata e deslealdades, a tibieza de aliados e a
resistência desinteligente de quem queria o pior, CONSEGUIU ESTABELECER A SANIDADE NA CONDUÇÃO DO PAÍS DEPOIS DO
SURTO DEMENCIAL LULOPETISTA. Felizmente,
o vice da mulherzinha é político habilidoso, ponderado, cordato e democrata,
fala português e encoraja os brasileiros à civilidade, rejeitando a cizânia.
Poucos concordam com o que digo aqui, mas não sou nem quero ser porta-voz de
ninguém; talvez falar mal do governo impopular faça as pessoas parecerem mais
inteligentes e alguns leitores enxerguem no texto o que não penso: que o Brasil
é um paraíso e que o presidente é perfeito. Ora, não me preocupa parecer
inteligente; no paraíso não há náufrago e uma Lola correndo de repente para
lugar nenhum; tampouco sou do tipo que espera o presidente-encantado que
despertará a nação para o futuro. LIDO COM O QUE TENHO, SONHO COM O QUE DESEJO. Sonho há tempos com um Brasil melhor.
Assim, obrigada, presidente, um novo ano em 2018 para todos nós. Beijo na
Marcela e no Michelzinho. – Valentina de Botas via Blog de Augusto Nunes -
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