quinta-feira, 20 de maio de 2021

TAIGUARA, O COMPOSITOR MAIS CENSURADO NA DITADURA


Por Altamir Pinheiro

É angustiante e lamentável afirmar que, a censura na ditadura militar no Brasil sufocou a criatividade de muitos compositores brasileiros, mas ninguém chegou a ter a carreira tão prejudicada pela repressão quanto um cantor cujo nome, em tupi-guarani, significa "LIVRE". Nascido no Uruguai, Taiguara frequentou as paradas de sucesso das rádios e os festivais de música nos efervescentes anos 60 e 70 com o lirismo e as melodias bem construídas de canções como “Hoje”, “Universo no Teu Corpo” e “Que as Crianças Cantem Livres”. O crítico de música, jornalista Tiago Dias, nos afirma  que a  perseguição teve início no período em que Taiguara começava a resgatar suas raízes latinas. As referências em suas letras vinham com uma carga forte de sensualidade e abstrações sobre a liberdade. Ele, o Chico Buarque e o Gonzaguinha são os artistas que mais foram censurados. 


Os problemas com a censura  levaram Taiguara a se autoexilar por duas vezes. Em meados de 1973, ele partiu para um curto período na Inglaterra. Em seguida, foi à África, onde morou por vários anos. Voltou ao Brasil ainda mais político. Participava de caminhadas a favor da redemocratização e estreitou os laços com o comunista Luís Carlos Prestes –o “cavaleiro da esperança”, como Taiguara cantava, e uma ameaça, na visão dos militares. Na canção  “Tinta Fresca”, por exemplo, Taiguara foi incisivo: “não me queixo do meu fado não se eu quiser me deixar sair / me abre essa porta / e me deixa sair / ou dizer o que eu quiser”. A provocação só instigou a má vontade do departamento de censura. “Os incomodados que se mudem, pois as portas do nosso Brasil sempre estiveram abertas para sair aos indesejáveis”, reagiu o censor, em comentário escrito de próprio punho na folha que trazia a letra da canção. 


Entre 1970 e 1974, segundo  o jornalista Tiago, 61 letras  datavam de 1974. E de toda a produção daquele ano, a maior parte foi vetada: 36. E, todo o período, foram 48 canções proibidas. Isso sem contar os discos que foram proibidos na íntegra. Na verdade, Taiguara    se expôs muito, mais do que os outros. Só que,  quanto mais ele era censurado, mais crítico ele ficava. Entre lindas canções em seu vasto repertório  há o tango “Conflito”, que foi vetado em 1974 e, posteriormente, seria chamado por Taiguara de “Sexo Escravo”. “O que é talvez pior que a burguesia / é a sombra das pequenas tiranias / Que existe cá entre nós, cá entre nós”... 


A lá o guerrilheiro argentino Che Guevara que morreu em 1967 aos 39 anos,  a rotina passou por mudanças radicais. Taiguara, como o guerrilheiro Che Guevara,   não tomava Coca-Cola e se negava a usar calça jeans por considerar símbolos da cultura americano.  A sintonia com o público, que já não estava afinado com ele desde 1974, quando o compositor passava mais tempo tentando liberar sua obra do que fazendo shows, foi se extinguindo aos poucos. Ele virou muito discursivo, aborrecia também, e com isso foi perdendo o espaço na mídia, principalmente após ficar dez anos longe do Brasil. Os antigos fãs queriam o Taiguara romântico, cantando modinha. Ele queria fazer canção de protesto.


O cantor e compositor Taiguara, autor de sucessos como "Hoje" e "Viagem", morreu na madrugada de 15 de fevereiro de 1996 (há 25 anos) no hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, vítima de uma metástase provocada por um câncer iniciado na bexiga, aos   50 anos de idade. Filho de pai gaúcho e mãe uruguaia, Taiguara Chalar Silva nasceu em Montevidéu, no Uruguai, mas cresceu no Rio de Janeiro, no bairro de Santa Teresa, onde passou grande parte de sua vida.Autor de grandes sucessos nos anos 60 e 70, teve seu auge em 1968, quando venceu o Festival Universitário de MPB, com a canção "Helena, Helena, Helena", e também o festival Brasil Canta no Rio, com "Modinha".


Embora seja mais conhecido hoje pela canção romântica “Universo no Teu Corpo” (“Vem comigo / meu pedaço de universo é no teu corpo”), seu cancioneiro lista títulos tão sugestivos quanto “Cavaleiro da Esperança“, feita em homenagem ao comunista Luís Carlos Prestes, “Teu Sonho Não Acabou”, “Geração 70” e “Que as Crianças Cantem Livres” (“E que as crianças cantem livres sobre os muros / e ensinem sonho ao que não pode amar sem dor / e que o passado abra os presentes pro futuro / que não dormiu e preparou o amanhecer”). Para se ter ideia do talento desse compositor que tanto foi afugentado e escorraçado pela censura, ele  chegou a gravar discos assinados por sua esposa Ge Chalar da Silva, para fugir da  dita ditadura.

https://www.youtube.com/watch?v=xIY9DRMGaek





2 comentários:

A Marreta do Azarão disse...

Rapaz, que boa lembrança!!! Gosto pra caralho do Taiguara! Tenho uma meia dúzia de CDs dele. Na minha modesta opinião, ele foi um músico completo, ótimo letrista, arranjador etc!
"Que as crianças cantem livres" é uma das minhas canções preferidas dele:

O tempo passa e atravessa as avenidas
E o fruto cresce, pesa e enverga o velho pé
E o vento forte quebra as telhas e vidraças
E o livro sábio deixa em branco o que não é

Pode não ser essa mulher quem te faz falta
Pode não ser esse calor o que faz mal
Pode não ser essa gravata o que sufoca
Ou essa falta de dinheiro o que é fatal

Vê como um fogo brando funde um ferro duro
Vê como o asfalto é teu jardim se você crê
Que há sol nascente avermelhando o céu escuro
Chamando os homens pro seu tempo de viver

E que as crianças cantem livres sobre os muros
E ensinem sonho ao que não pode amar sem dor
E que o passado abra os presentes pro futuro
Que não dormiu e preparou o amanhecer...

D. Matt disse...

Altamir meu caro, com este artigo você está resgatando a aurora musical de um dos melhores cantores da música brasileira. Eu sempre gostei muito da obra vocal ,do nosso Taiguara, vencedor de vários festivais de musica brasileira. Toda a sua obra musical é de primeiríssima qualidade, ,louvo o artista, apesar de não aceitar o guerreiro esquerdista, mas isto não é problema meu nem de ninguém. Mais uma vez a politica mete o dedo e
arrasa um valor artistico, como um estupido e violento julgamento e destruição de um valor artístico, com mmedo de de modificar o mundo , como se fora uma sonata de Bach. Não tem parâmetros possiveis. Considero justo e louvavel o seu texto, mostrando como a estupidez e a burrice podem e o fazem e se esforçam para destruir a cultura de um país.
Voce cita no seu artigo que o Taiguara morou alguns anos no Bairro de Santa Tereza no RJ.
Bairro em que residi por muitos anos e que era o local ( um morro com grandes casas e até palacetes, metidos a besta, mas neste local moravam talvez centenas de artistas,
que já mencionei alguns em comentários anteriores.
Sinto e é imperdoável que a juventude de hoje não tenha a menor ideia do que é realmente uma musica brasileira de verdade, seria ótimo que eles conhecessem algumas canções
que ficaram eternizadas na voz deste grande artista. O seu texto é muito importante,
pois prova que ainda tem pessoas que se recordam e podem afirmar que a musica brasileira não é de modo algum essa bosta que estamos agora ouvindo e deturpando o nosso sistema auditivo.
Desculpe o longo texto, mas achei que devia complementar o seu belo artigo com algumas palavras e também apresentar a minha homenagem ao criador dessa belíssima musica que ele gravou com grande sucesso, a canção entitulada " MODINHA" uma obra prima do meu falecido amigo Sergio Bittencourt, filho do mestre Jacob do Bandolim.