Cicero Tavares
Era uma quarta-feira enluarada, o vento soprando os
cabelos dos transeuntes que voltavam do trabalho e levantando as saias das
jovens para mostrar a bunda. Depois de mais de oito horas de labuta era natural
que as pessoas estivessem cansadas, exaustas, com o nervo à flor da pele, se
alterando com qualquer incidente cotidiano, levando-o ao extremo do debate boca
por simples aborrecimento efêmero.
Era dia de clássico das multidões. PRIMEIRO JOGO DAS
QUARTAS DE FINAL DO CAMPEONATO PERNAMBUCANO ENVOLVENDO SANTA CRUZ E SPORT. Para azar de todos os trabalhadores que retornavam
do trabalho o inferno já começava na Encruzilhada. Ônibus parados, carros particulares,
táxi. Tudo. Pessoas descendo e caminhando a pé porque não havia a mínima
possibilidade do transporte prosseguir. Um inferno – diziam todos os
passageiros dos coletivos. Torcidas corais e rubro-negras se engalfinhando no
meio da rua feito gladiadores nos anfiteatros romanos.
O ônibus que seguia a linha ALTO DA FOICE/SUBÚRBIO travou
na Encruzilhada, cheio de gente entupido. Dele ninguém descia. Ninguém subia.
Um calor infernal. Gente descendo de outros ônibus e caminhando a pé ao MUNDÃO
DO ARRUDA PELA AVENIDA BEBERIBE, porque o trânsito travou e carro nenhum se
locomovia.
Neste exato momento SOBE AO ÔNIBUS DO ALTO DA FOICE UMA SENHORA MORENA, BAIXINHA, PEITOS
ENORMES, CABELOS COM UM PITÓ ATRÁS, PARECENDO UMA CASA DE MARIMBONDO. E se esfregando por entre os passageiros, chega a
se encostar no senhor sessentão que está sentado na quarta cadeira do lado
esquerdo do meio do ônibus. E passa gente daqui e passa gente de lá, se
esfregando na bunda da baixinha que já está virada no penteio de barrão com
tanta esfregação no seu traseiro avantajado.
Nesse exato momento toca o celular do senhor
sessentão que ela dele ficou perto: Trililililililili! Aí o homem se estica
todo para tirar o celular do bolso direito da calça. Era a mulher dele no
telefone. E ele atende:
– Oi, minha fia! Eu não cheguei ainda porque está um
engarrafamento arretado aqui na Encruzilhada. Ninguém sai! Ninguém chega! É o
jogo do Santa Cruz e Sport! Tá um inferno! Desliga e guarda o telefone no
bolso. Enquanto isso, a mulher dos peitões fica junto dele, e a cada pessoa que
passa esfregando sua bunda ela eleva os peitões na cara do velho, quase o
sufocando.
Dois minutos após ter justificado à mulher por que
não havia chegado ainda em casa, o celular toca novamente: Trilililililili! E o
velho mais do que depressa, faz um esforço da porra, estica as pernas e tira o
telefone do bolso:
– Alô! Oi minha fia! O ônibus ainda está parado!
Ninguém sai. E eu não cheguei ainda por causa desse transtorno. E volta a
guardar o celular no bolso, impaciente porque o ônibus não dava sinal de que ia
seguir em frente. E a cada minuto mais gente chegava e a bagunça dava lugar à
desordem.
Quando menos se espera, o telefone do sessentão
volta a tocar novamente: Trilililili!! Era a mulher do outro lado da linha
reclamando novamente por que o velho estava demorando tanto para chegar, e com
a dificuldade de sempre, começa a tirar o celular do bolso para justificar o
óbvio novamente:
– Oi, minha fia! O ônibus ainda está parado! Ninguém
sai! Tá tudo travado devido a grande quantidade de torcedores se dirigindo ao
campo! Me espere que já já eu estou chegando! E torna a guardar o celular no
bolso novamente.
Não deu dois minutos, e o telefone do velho toca
novamente. Aí a senhora espivitada que estava ao lado do velho, puta da vida,
de saco cheio daquela aporrinhação, olha para o velho, com a boca esfumaçando,
os olhos vermelhos, fulmina:
– Ô MEU SENHOR! O SENHOR NÃO TEM MORAL PARA ESSA
PESSOA NÃO! O SENHOR NÃO RESPEITA ESSE PÁ DE OVO QUE TEM ENTRE AS PERNAS NÃO?!
PORQUE SE FOSSE COMIGO EU JÁ TERIA MANDADO ESSA PORRA SE LASCAR, IR PRA PUTA
QUE O PARIU! ESSA PESSOA NÃO TÁ VENDO QUE O SENHOR ESTÁ NO ÔNIBUS PRESO! PORQUE
FICA ENCHENDO SEUS CUNHÕES? OLHE, SE FOSSE COMIGO EU JÁ TERIA MANDADO QUEBRAR A
CARA DESSA RAPARIGA! ORA PORRA! A GENTE JÁ ESTÁ PUTA DA VIDA COM UM
ENGARRAFAMENTO DO CARALHO DESSES, DOIDA PRA CHEGAR EM CASA E TEM DE AGUENTAR
UMA APORRINHAÇÃO DESSAS!
Mal a mulher termina de falar, o telefone do velho
toca novamente: Trililililili! E aí a mulher puta da vida, de saco cheio, com
os pentelhos arrebitados, perde as estribeiras e parte pra cima do velho,
toma-lhe o celular, põe no ouvido, e grita:
– Minha senhora! A senhora não tá vendo que esse
velho tabacudo está no engarrafamento da porra por que não para de encher o
saco dele e da gente também?!
Foi quando do outro lado da linha a mulher,
barraqueira, perguntou quem era aquela rapariga que estava ao telefone do velho
dela. Sem papas na língua, a baixinha fumaçando de raiva, agarrada com o
celular, berra:
– Eu sou a puta dele que está lhe butando gaia! E
não fale nada mais não porque, puta da vida como eu estou, eu vou aí lhe
quebrar os dentes e dar-lhe uma surra de cipó de goiabeira nesse seu tabaco
veio, e nele também para ele aprender a respeitar esse pá de ovos murchos que
tem entre as pernas que não servem mais pra porra nenhuma!
Nesse momento se ouve uma gargalhada geral no
ônibus, com assobios, aplausos e gritos gaiatos de é isso aí minha senhora! Pau
nela! Valeu! Nesse exato momento os passageiros esqueceram que estavam sofrendo
num engarrafamento de mais de duas horas e riram-se a bandeiras despregadas!
A zoeira feita pela baixinha instigando o coroa
tirou a tensão do povo que sirria de se mijar com a presepada! A confusão
hilária provocada por ela tirando a tensão dos passageiros oprimidos, provou
que o bom humor tem algo de generoso: Fez bem a todo mundo! Deu mais do que
recebeu! PALMAS PARA O BOM HUMOR!
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