Este texto foi publicado há
três anos, por Paulo Nogueira, e então
leio que artistas fizeram uma homenagem a Belchior, o gênio perdido da música
brasileira. Fico estranhamente tocado, ou não estranhamente. BELCHIOR FOI O ÚLTIMO ÍDOLO QUE
EU TIVE NA MÚSICA. Eu era um adolescente
quando Elis consagrou músicas de Belchior como Velha Roupa Colorida e Como
Nossos Pais. Eu simplesmente amava Belchior, com sua voz anasalada e
melancólica, suas melodias tristes embaladas em letras longas e poéticas.
Achava que Belchior ia durar muito, fazer muitas coisas, mas ele foi minguando,
e minguando, como se uma dose excepcional de talento e inovação tivesse se
comprimido em um ou dois discos apenas. (Mas que discos, Deus.) Eu próprio
acabaria por abandoná-lo, não totalmente, é verdade. Não mudo de estação
quando, o que é raro, toca Belchior no rádio. E quando apanho o violão sempre
existe a possibilidade de eu tocar alguma coisa de Belchior, como TODO SUJO DE BATOM, minha predileta. (Sempre
me vi no “CARA TÃO SENTIMENTAL” da música.) A homenagem a
Belchior, idealizada pelo jornalista Jorge Wagner, está disponível na internet,
e então fico ouvindo as canções. Gosto muito da versão de Todo Sujo de Batom,
com guitarra pesada, meio punk, da banda The Baggios. Uma interpretação
original, mas que ao mesmo tempo preservou a alma da pequena obra prima de
Belchior. Mas é em Paralelas que meu coração dispara. Porque nela me encontro
com minha mãe. Mamãe gostava que eu tocasse e cantasse para ela. Acho que foi
minha única fã como músico, a única pessoa que se interessava genuinamente por
me ouvir. Ah, os ouvidos generosos das mães. Algumas de minhas melhores
lembranças de mamãe estão ligadas às músicas que cantávamos juntos. Mesmo em
Londres, quando mamãe já estava em seus últimos dias, com enormes dificuldades
em falar ao telefone, eu cantava para ela a 10 mil km de distância, mas por
algum milagre no mesmo espaço naqueles momentos que duravam as músicas.
Paralelas era a favorita de mamãe. Sua passagem preferida era a que dizia: “NO CORCOVADO QUEM ABRE OS BRAÇOS SOU EU.” É, de fato, uma passagem linda, lírica, um instante de absoluta
inspiração de Belchior. Numa pergunta que fiz numa entrevista com Paul
McCartney em Londres, abri com o seguinte introito: “Primeiro de tudo, muito
obrigado por tantas coisas boas que você me trouxe.” (Depois perguntei qual
música sua ele gostaria que John cantasse, e ele respondeu Maybe I’m Amazed.)
Se um dia eu entrevistar Belchior, vou abrir com a mesma frase. Um
agradecimento. Ele preencheu meu mundo jovem com um punhado de canções que me
fizeram refletir, rir, chorar. E principalmente ajudou numa conexão que me é
tão cara, com minha mãe, a quem neste momento eu pediria colo caso ela
estivesse por perto.
Um comentário:
A MANCHETE E A IMAGEM NÃO FAZEM PARTE DO TEXTO ORIGINAL.
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