Deltan Dellagnol
Lula e o governo petista voltam a repetir os erros do passado. Karl Marx, defensor do socialismo e do comunismo pós-capitalista, fonte de ideias do PT e de Lula, invocou estudos do filósofo Hegel para afirmar que os grandes fatos e personagens da história se repetem duas vezes. E acrescentou: “a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”.
Neste artigo, mencionarei brevemente dez erros deste governo em menos de um mês de gestão, efetivados, em desenvolvimento ou anunciados.
Primeiro: na última terça, na Argentina, Lula afirmou que o BNDES vai voltar a financiar projetos de engenharia em países vizinhos. As obras no exterior financiadas pelos governos do PT beneficiaram empreiteiras investigadas na Lava Jato, que por sua vez repassavam propinas ao partido e a governos estrangeiros. A Odebrecht foi beneficiada com 76% do valor dos empreendimentos, porção que alcança a cifra de US$ 7,9 bilhões.
Enquanto há numerosas obras inacabadas no Brasil e outras necessidades urgentes, o país financiou projetos de outros países como as ditaduras de Venezuela e Cuba, que sozinhas receberam R$ 11 bilhões e nos deram um calote de R$ 3,5 bilhões. A própria Argentina ainda tem uma dívida superior a R$ 100 milhões com o Brasil.
Segundo: Lula e sua equipe prometeram e estão executando irresponsabilidade fiscal, ou seja, gastos maiores do que as receitas. Gastar mais do que se ganha tem consequências: endividamento, inflação, juros altos, retração econômica, desemprego e perda de renda, como expliquei aqui, ainda em novembro.
Desde então, houve mais declarações desastrosas. O ministro Carlos Lupi negou o déficit da previdência e afirmou querer rever a reforma. A ministra da Gestão Esther Dweck é defensora do abandono da austeridade fiscal. Haddad, o primeiro ministro da Economia que não sabe o que é a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), afirmou que o “teto de gastos não é confiável”. Recentemente, Lula afirmou “não peçam para mim seriedade fiscal”.
Por conta das ideias e falas desastrosas, a Bolsa cai e o dólar e os juros aumentam. Lula não se importa em colocar o Brasil diante do precipício econômico: “Vai aumentar o dólar e cair a Bolsa? Paciência”, disse ele. Já Haddad, negando a realidade, tentou fazer o povo de trouxa, dizendo que a causa disso é que “está caindo a ficha” do mercado sobre medidas do governo Bolsonaro. Mais tarde, apresentou um pacote fiscal “para inglês ver”, recheado de ficção e da contabilidade criativa que o PT conhece bem, mas que não enganou os analistas econômicos.
Terceiro: ainda na economia, Lula criticou a independência do Banco Central como uma “bobagem”, assim como o controle da inflação como algo que prejudicaria o crescimento. Contudo, a autonomia do BACEN é uma grande conquista institucional que foi garantida pela Lei Complementar 179, de 2021. Estudos e a experiência internacionais demonstram que ela é importante para a estabilidade financeira e o controle inflacionário no país. O presidente do Banco Central do próprio governo Lula, Henrique Meirelles, afirmou que a consequência de uma tentativa de Lula de derrubar a autonomia do órgão geraria aumento de juros e da inflação.
Quarto: na última segunda-feira, Lula confirmou que Brasil e Argentina trabalham para ter uma moeda comum, o que já havia sido discutido por Haddad com embaixador da Argentina no começo do mês e foi reiterado por Haddad na última terça. A Argentina já foi um dos países mais ricos do mundo, mas adotou uma política econômica anti-liberal – a mesma que Lula prega – a partir de meados do século XX, fez o país andar para trás. Com o descontrole do déficit e da dívida pública, decretou moratória em 2001 – ou seja, deu o calote nos credores – e viu a crise, o desemprego e inflação tomarem conta – sem falar na corrupção. Em vez de atacar as causas do problema, adotou medidas heterodoxas, como congelamento de preços e o bloqueio de recursos bancários dos cidadãos. O caos econômico se instalou e, no ano passado, a inflação argentina foi de 94,8%. Ao que parece, Lula quer abrir os braços do Brasil para o abraço dos afogados da Argentina.
Quinto: maior rigor na segurança pública é um dos pontos que unem os dois lados da polarização, junto com apoio à democracia e investimentos em educação, segundo pesquisa da Quaest divulgada em dezembro. Mais de 90% dos bolsonaristas e apoiadores do PT apoiam a prisão de jovens que cometem crimes a partir dos 16 anos. Contudo, o PT não só se posiciona contrariamente à mudança, mas preencheu cargos do Ministério da Justiça com advogados alinhados à visão “garantista” e de desencarceramento. Dentre as diretrizes ideológicas do partido estão ainda a desmilitarização das polícias, a restrição do acesso a armas de fogo e um menor rigor no combate às drogas. Lula selecionou também para aquele ministério diversos opositores da operação Lava Jato, o que aponta na direção de mais retrocessos na luta contra a corrupção, que já vêm acontecendo e detalharei adiante.
Sexto: o governo mal começou e já demonstrou inacreditável incompetência na gestão da crise do dia 8 de janeiro. Embora avisado pelo sistema de inteligência sobre os riscos, deixou de adotar medidas eficientes para impedir a depredação do patrimônio físico, cultural e histórico dos brasileiros. Some-se que o governo vem aparelhando os órgãos de persecução, de modo contrário ao discurso petista de que seus governos jamais interferiram em investigações. Lula, por exemplo, transferiu o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) do Banco Central, que é independente, para o Ministério da Fazenda, onde fica sujeito a interferências políticas. O COAF é o órgão de inteligência financeira brasileiro, que colhe informações para dar início ou subsidiar investigações de lavagem de dinheiro sujo que vem de todo tipo de crime, notadamente corrupção e tráfico de drogas.
Além disso, o governo retrocedeu na nomeação de um policial rodoviário como diretor do seu órgão simplesmente porque tinha feito, no passado, um post em apoio à operação Lava Jato, sem explicar – afinal, é inexplicável – por que esse posicionamento poderia prejudicar o exercício de uma função técnica. Por fim, o ministro Flávio Dino mudou regras de nomeação para os cargos de chefia da Polícia Federal, acabando com a exigência de experiência prévia em cargos do alto escalão, o que amplia o universo de potenciais indicados para o bem ou para o mal – neste caso, por elastecer a possibilidade de indicações político-partidárias.
Sétimo: você não vai se surpreender, mas em menos de um mês o governo já começou a minar o sistema anticorrupção, tentando mudar a Lei das Estatais. Lula pretende abrir espaço para indicar políticos aliados para cargos executivos ou no conselho de administração das empresas, ainda que não tenham currículo – conhecimento ou experiência – para a função. São 587 cargos em estatais federais, mais 315 em seus conselhos de administração e 272 posições de diretores executivos. Será uma farra. É importante recordar que essa lei foi aprovada em 2016 em reação ao esquema do petrolão, criando mecanismos de governança e obstáculos para o loteamento político-partidário das estatais, a fim de evitar que voltassem a ser saqueadas. Além disso, o governo quer rever os acordos feitos pela Lava Jato com empreiteiras e já sinalizou que pode escolher o futuro Procurador-Geral da República fora da lista tríplice, formulada para que a escolha do procurador-geral recaia dentre procuradores testados e aprovados ao longo de décadas de atuação, com experiência e maior independência.
Oitavo: em paralelo ao enfraquecimento do COAF, da lei das estatais e do Ministério Público, Lula se cerca de numerosos investigados e condenados, sobre os quais deposita a responsabilidade de gerir a coisa pública. Só na equipe de transição, eram sessenta e sete. Enquanto barra nomes técnicos como o da médica referência em vacinação Ana Goretti Kalume, por conta de ter feito manifestação favorável à Lava Jato, Lula não tem vergonha de nomear enrolados na Justiça. Dentre os trinta e sete ministros, mais da metade, dezenove, já foram investigados. Isso aumenta significativamente os riscos de, mais uma vez, descobrirmos daqui a alguns anos mensalões e petrolões.
Waldez Góes, por exemplo, foi condenado por improbidade administrativa pelo STJ por desvio de dinheiro, sobre o que já escrevemos aqui. Recentes revelações sobre a ministra do Turismo Daniela Carneiro apontam para o desvio de mais de R$ 1 milhão por meio de gráficas fantasmas e para ligações com as milícias, dentre outras acusações. O ministro Carlos Lupi é investigado por peculato e lavagem de dinheiro, bem como é réu por improbidade administrativa. O próprio vice-presidente Alckmin, escolhido também para chefiar um ministério, responde a acusações de corrupção e lavagem de dinheiro decorrentes da Lava Jato. Com essa equipe na liderança, não surpreende, realmente, o enfraquecimento das instituições de combate à corrupção.
Nono: Lula prometeu pacificar o país, mas suas palavras não correspondem aos fatos. Embora tenha tido pouco mais do que a metade dos votos – não chegou a 51% -, ataca com frequência o candidato derrotado e pautas caras para seus eleitores. Apressou-se, por exemplo, para restringir a liberdade do acesso a armas. No dia 8 de janeiro, após decretar intervenção federal, atacou de modo gratuito o agronegócio, responsável por 25% do PIB e 50% das exportações, como possível culpado pela invasão dos prédios dos três poderes. Embora tenha se colocado contra o aborto na campanha, traiu a confiança dos brasileiros, que são em ampla maioria contrários à sua legalização – 70%, segundo pesquisa do IPEC divulgada em setembro do ano passado. Lula anunciou na terça-feira, dia 17, que o Brasil não faz mais parte do acordo internacional do Consenso de Genebra em defesa da vida e da família. Dois dias depois, o presidente fomentou a luta de classes e o preconceito contra empresários, afirmando que ficam ricos porque quem trabalha são os funcionários e não os patrões. Some-se que segue atacando verbalmente a Lava Jato e perseguindo as autoridades que trabalharam no caso, inclusive por meio de ações para tentar cassar a eleição de Sergio Moro e a minha.
Décimo: Por fim, Lula criou uma espécie de Ministério da Verdade, uma procuradoria dentro da Advocacia Geral da União de “defesa da democracia”, a fim de combater as “fake news”. Além disso, criou a Secretaria de Políticas Digitais na Secretaria de Comunicação Social, que enfrentará a “desinformação” e o “discurso de ódio na internet”. Contudo, o órgão tem grande potencial de ser utilizado para perseguição política de críticos do governo. Lula não explicou que critérios serão usados por seu governo para definir o que é uma informação válida e o que é fake news. Será o seu entendimento da história? Recentemente, por exemplo, uma página oficial do governo chamou o impeachment de 2016 de “golpe”, o que afronta as instituições brasileiras. Quem discordar estará sujeito a se tornar réu e perseguido pelo novo Ministério da Verdade? Ai, então, de quem ousar defender que Mensalão e Petrolão foram grandes esquemas de corrupção comandados pelo PT. O Estado jamais deve ter o poder de impor sua narrativa e condenar vozes discordantes.
Isso não é tudo. Mudanças do marco de saneamento preocupam. Abandonou-se a política de privatizações, o prometido reajuste do imposto de renda não foi cumprido, os cofres públicos foram drenados em R$ 216 mil para custear, sem licitação, o hotel onde estão morando Lula e Janja, houve nomeação de ministro para pasta em que tem conflito de interesses e muito mais, o que não caberia neste artigo, mas coube nos 27 primeiros dias de gestão.
Para Marx, a versão antiga do governo Lula seria a tragédia, e a nova, uma farsa. Contudo, o primeiro governo Lula foi uma farsa desmascarada pela Lava Jato, ao demonstrar desvios bilionários em grande medida utilizados para financiar e influenciar indevidamente as eleições. E, agora, a julgar pelos erros gravíssimos para o país cometidos em menos de 30 dias no poder, a segunda versão do governo, sim, promete ser uma tragédia. Que o governo, as instituições e os brasileiros despertem e não vivamos o pesadelo da tragédia moral e econômica petista que o governo começa a repetir.