Júlio Maria
Belchior deixou sempre muito evidente que estava sofrendo. Uma angústia
representada em suas letras e em seu comportamento, mesmo quando a carreira
atingia o que poderia considerar picos de sucesso. Caetano, Gil, Zé Ramalho,
Fagner, Djavan, Tom Zé, Milton Nascimento, Dominguinhos. De todos os emigrantes
que procuraram as 'mecas' Rio-São Paulo para serem alguém de 1960 para 1970,
Belchior foi o único que sentiria um impacto emocional irreversível. A
selvageria mercantilista, para ele, era um mal a ser combatido e ele, logo ele,
acabaria também vendido a ela no momento em que assinasse com uma grande
gravadora.
Na gênese de Belchior, a quem os mais próximos chamavam de Bel, não está
a música, mas a filosofia. Enquanto o samba-jazz ainda fervia no Beco das
Garrafas, no Rio de Janeiro, e Tom Jobim, João Gilberto, Carlos Lira e Luiz
Bonfá davam adeus à primeira fase da Bossa Nova com um espetáculo no Carnegie
Hall, de Nova York, Belchior lia Sócrates e Platão no curso de Filosofia na
universidade em Fortaleza. Sua vida acadêmica ainda passaria pela Medicina
antes de ser abandonada, assim que a turma de conterrâneos que tinha Fagner e
Ednardo, conhecida depois como Pessoal do Ceará, cruzasse seu caminho.
Bel era considerado o estranho, o fechado, o imprevisível. Metódico,
preferia ler a sair com amigos e tinha uma relação de distanciamento com o
dinheiro, principalmente quando alguma nota deveria sair da própria carteira.
Devia de quantias irrisórias que pedia emprestado a amigos ou que precisava
pagar ao pedreiro a grandes volumes, como as contas dos dois automóveis que
abandonou em São Paulo, um deles, no estacionamento do Aeroporto de Congonhas.
Belchior cansou, e seria redutor imaginar que desapareceu nos últimos
dez anos para fugir das dívidas. Se assim fosse, teria aceitado oferta de
empresários que quiseram pagar suas contas para que ele voltasse aos palcos. Ou
aceitado a proposta vultosa de uma montadora de carros que o queria como garoto
propaganda dizendo, ao volante, algo como "com um carro desses, até eu
volto". Era melhor viver de favores em um asilo, escondido no interior do
País.
O único artista que pratica o auto-exílio na história da música
brasileira, fugindo de si mesmo, de um personagem que não aceita mais, era um
angustiado, como fez questão de cantar muitas vezes. A palavra "medo"
era recorrente em sua obra, principalmente desde o irretocável Alucinação, de
1976.
Ao saber de sua partida, o pesquisador Zuza Homem de Mello faz questão de
ligar para a reportagem para dizer o que sente sobre Belchior: "Ele foi um
dos mais cultos artistas da MPB. Possuía uma importância extraordinária no pop
sobretudo pela canção 'Como Nossos Pais'. Aquilo foi uma revelação, e ele
colocou o tema de maneira extraordinária. Elis Regina teve a percepção disso ao
escolher a música para lançá-la no Falso Brilhante."
Mas Belchior preferiu a distância do passado. Mesmo ovacionado por novas
gerações de músicos, tranca-se e passa a dedicar-se a projetos solitários, como
a tradução dos 14.230 versos da Divina Comédia, de Dante Alighieri para a
linguagem popular, um projeto que nunca concluiria
2 comentários:
Infelizmente, Belchior foi mais uma vítima da depressão. Alás, dizem que esse transtorno psíquico será o mal do século.
Verdade meu prezado Alamir,
Recentemente, Alamir, eu perdi um amigo com essa triste doença e eis o que ele me falava: ALTAMIR!!! Ela avisa quando vai chegar e manda eu me preparar, mas eu sinto que sou um covarde e não tenho coragem de enfrentá-la!!!
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