segunda-feira, 29 de maio de 2017

JUSTO QUE NEM BEIÇO DE BODE



O bode e seu “aplicativo”

José de Oliveira Ramos
O mééééééé começava cedo. Vinha do chiqueiro onde as cabras eram ordenhadas e o leite tirado antes da soltura dos cabritos para a primeira mamada. Ali também estavam os bodes, ruminando e ruminando – mas em atenta observação ao que acontecia ao redor.
Alguns netos bebiam o “LEITE MUGIDO” ali mesmo, sem a devida fervura ou assepsia. Inclusive eu. Depois disso os cabritos eram liberados para a mamada e, em seguida, cabras cabritos e bodes ganhavam a liberdade para “percurar o que comer”. Era uma luta insana e muitas vezes, ao final do dia, alguns não retornavam. Erravam o caminho da volta, ou jaziam dentro de panelas – nesse último caso, se procurava apenas o “COURO”. E era para minimizar esse repentino desaparecimento, que alguns criadores meeiros desenvolviam a cultura do chocalho. Animal com chocalho é mais fácil de encontrar quando a volta para o chiqueiro fica difícil – “o chocalho só não anuncia o animal que tá morto”, dizia meu falecido Avô.
Mas, aonde queremos chegar é o mais próximo de alguns ditos populares usados pelo sertanejo, que acabaram rompendo barreiras e se tornando dizeres do mundo.
“Quem meu filho beija, minha boca adoça”. É a mais matuta forma de dizer obrigado a quem trata bem os seus – e quem quiser que entenda a cultura matuta e a filosofia que esconde essa verdade.
“O bom cabrito não berra”. Esse dito popular também tem origem no sertão. Provavelmente num chiqueiro onde as cabras estão sendo ordenhadas. O berro do mau cabrito é insuportável – e ganha a pecha de bom, aquele que, durante a ordena, não berra. Não incomoda, não atazana a vida de ninguém.
“Quem quer pegar galinha não diz xô”. Aonde se tem o hábito de pegar a galinha para o abate? No interior, claro. E, nem duvide. Se você disser “xô”, ainda que a galinha não fale o seu mesmo idioma, ela jamais será tão idiota para esperar ser pega.
“Justo que nem boca de bode”. Como pode algo fechar tão hermeticamente como um “fecho-eclair”? Mas, esse dito popular vem sendo usado há muitos anos, e, com maior frequência nos interiores. Até mesmo para consagrar e confirmar um acordo antes apenas apalavrado.
* * *
Juá verdadeiro
Durante muitos anos, no interior do Ceará – Pacajus, para ser mais preciso – a saúde pública era precária. Na verdade, ainda é nos dias de hoje. Mas, precisamos ser honestos e admitir que melhorou muito, embora ainda não tenhamos alcançado o ideal.
Por conta disso, recorrer à médico não resultava em nada positivo. Assim, cresceram os números dos partos naturais feitos por Parteiras leigas. Cresceu em demasia a procura de “meizinhas” e aumentou a fé na solução dos males pela medicina popular. Muitos recorriam até às benzeduras e as idosas que faziam isso tinham alto valor. Crendice popular.
Chá de erva cidreira, chá de folha de boldo, sal grosso, lambedor de malvarisco e até raspa do caule do marmeleiro para dor de dente. Isso sem contar o rapé de umburana para constipação (gripe). Dor de barriga (disenteria) encontrava a solução no chá do broto da folha da goiabeira (“tranca” mais que cadeado).
Mas, e para matar e acabar com o piolho, algo tão comum entre as crianças quando não existia a quantidade de xampus que existe hoje?
Lavar a cabeça com raspa de juá. Nunca teve remédio melhor.
“JUÁ – Planta da família das Rhamanaceae, também conhecida como juá, juazeiro, juá-de-espinho, juazeiro, jurubeba, jurubeba, raspa-de-juá, juá-fruta, enjuá, enjoaá, juá-mirim, laranjeira-do-vaqueiro. Juazeiro. Árvore alta, de até 10m de altura, muito bonita, frondosa, espinhosa. Esgalhada desde o solo, produzindo sombra para o gado e para o homem do sertão. Folhas coriáceas, lustrosas, elípticas; Flores pequenas, axilares, em caches, amarelo-esverdeadas, em formato de estrela.
O fruto e globoso, amarelo, comestível com pedúnculo orlado, lembra uma pitomba, porem menor, branco por dentro, doce, com 1 semente dura que se parte em duas metades. Conserva-se verde durante as secas, cresce lentamente e vivem mais de 100 anos. Ha mais de 100 espécies e aparece em todas as regiões tropicais do mundo, sendo estas espécies utilizadas na medicina popular de todos os países onde cresce.
Princípios Ativos: Ácido betulínico, ácido oleamólico, amido, anidrido fosfórico, cafeína, celulose, hidratos de carbono, óxido de cálcio, proteína, sais minerais, saponina, vitamina C.
Propriedades medicinais: Adstringente, anti-inflamatória, antigripal, caspa, cicatrizante, desopilante, expectorante, favorece o crescimento e evitar a queda dos cabelos, febrífuga, higienizante, sudorífero, tônico capilar. Frutos: ricos em vitamina C.
Indicações: Caspa, febre, gengivite, má digestão, mal do estômago, órgãos sexuais, placa bacteriana, queda de cabelo, vias urinárias.
Farmacologia: A saponina encontrada nas cascas é responsável pela espuma e pela sua alta capacidade de limpeza. Por isso é usada na fabricação de sabonetes e shampoos.” (Transcrito do Wikipédia).
“Juazeiro, Juazeiro
Me arresponda, por favor
Juazeiro, velho amigo
Onde anda o meu amor
Ai, Juazeiro
Ela nunca mais voltou
Diz, Juazeiro
Onde anda meu amor
Juazeiro, não te alembra
Quando o nosso amor nasceu
Toda tarde à tua sombra
Conversava ela e eu.”
* * *
Tivemos a época do pombo-correio. Tivemos a época da Comunicação por tambores (lembre como, na revista de quadrinhos, Tarzan mandava mensagens e como essas mensagens eram divulgadas; lembrem, também, a forma de comunicação do Fantasma para Lothar e até para chamar Capeto).
Era assim, sim. Foi assim. Hoje muita coisa mudou e foi substituída pela tecnologia. A correspondência dos Correios já foi feita por pessoas montando cavalos; as contas dos impostos já chegaram nos lombos de animais. Hoje basta “baixar” os aplicativos e tudo se resolve.
Mas, nunca será tarde nem ofensivo para relembrarmos, nas casas de maiores posses, como a patroa chamava a empregada: usando um pequeno sino. Ou de como o entregador de leite avisava que estava no portão: por meio de um sino; ou como alguém chamava o atendimento, ao chegar numa residência: tocando o sino pregado ao portão.
Mas, o que mais nos comove e traz boas lembranças, era o SINO usado para anunciar o início de uma aula nos colégios. Mais alegres ainda, ficávamos, quando o sino tocava para o final da aula. Tempos bons que não voltam mais.
Antigo sino tocado nas escolas ou entrada de residências
Nos dias atuais, os sinos estão sumindo até das torres das igrejas. Sino virou relíquia, depois de ser usado por anos e anos.
Alguém lembra o Pregoeiro que vendia “chegadinha” (uma casca doce de trigo torrada que servia também para receber o sorvete) e como ele anunciava o produto vendido de porta em porta em muitos bairros de cidades brasileiras?
Hoje, por quem os sinos tocam?

Um comentário:

Altamir Pinheiro disse...

O texto foi gentilmente roubado lá do Blog Besta Fubana.