Sérgio Roxo
Uma pesquisa da Fundação Perseu
Abramo, ligada ao PT, com ex-eleitores do partido aponta um descolamento entre
o discurso da legenda e o que pensam moradores da periferia de São Paulo. O
levantamento qualitativo, feito entre novembro do ano passado e janeiro deste
ano, revela que, para a população de favelas e de bairros afastados do Centro,
o Estado é o grande adversário do cidadão. Também, ao contrário do que tem
apregoado o PT, não existe disputa entre ricos e pobres. O embate entre
esquerda e direita, tão propagado pelos dirigentes petistas, é considerado
inexistente.
“É visível que há uma desconexão
muito forte entre o discurso petista e a periferia” — avalia o cientista
político Marco Antonio Teixeira, da FGV.
CORRUPÇÃO – A pesquisa ouviu
eleitores que votaram no PT no passado, mas não optaram nem por Dilma Rousseff
na disputa presidencial de 2014, tampouco por Fernando Haddad na eleição
municipal de 2016. Os entrevistados tinham renda familiar de até cinco salários
mínimos, e 30% deles eram beneficiários de algum programa social (Bolsa
Família, Minha Casa Minha Vida ou Prouni).
Os entrevistados indicaram a
corrupção como o principal problema do país. A política é considerada “suja”.
“A inclusão social da era Lula foi colocada em xeque muito rapidamente. E
emerge desse período uma visão disseminada de um Estado corrupto” — afirma
Teixeira.
IMPOSTOS – As queixas contra o
Estado têm como alvo principal a cobrança de impostos. As irmãs Beth Pereira,
de 42 anos, e Marisete Pereira da Silva, de 39 anos, se juntam aos descontentes
com o valor das taxas. Os tributos são apontados por elas como obstáculo para
formalizarem a loja de venda de doces na Favela de Paraisópolis, a segunda
maior de São Paulo.
“São muito impostos. Se pagarmos
tudo, não sobra nada para gente. E o pior é que não sabemos para onde vai o
dinheiro que eles arrecadam” — reclama Beth, que começou a trabalhar aos 14
anos como doméstica e, há cinco anos, abriu o seu negócio próprio ao lado da
irmã. “Foi muita decepção depois” — diz Marisete, também ex-doméstica,
referindo-se às investigações da Lava-Jato.
Beth e Marisete contam que a situação
delas e dos outros quatro irmãos hoje é muito melhor do que a de quando a
família delas se estabeleceu na favela, em 1988, vinda de Vitória da Conquista,
na Bahia. “Conquistamos bastante coisa. Foi muito esforço e dedicação” — afirma
Beth.
“FALTOU PROJETO” – Presidente da
Fundação Perseu Abramo, Marcio Pochmann diz que o objetivo da pesquisa foi
conhecer melhor o segmento social que ascendeu socialmente com o PT no poder: “A
pesquisa consolida essa visão de que faltou um projeto de cidadania (durante os
anos Lula e Dilma) mais do que um projeto de inclusão pelo consumo”, assinala.
O sentimento de que o esforço pessoal
possibilita uma melhora na condição de vida é retratado na pesquisa.
“Apresentam discurso consistente de que não existem barreiras intransponíveis
—‘com esforço tudo é superado’”, diz o relatório da pesquisa. É esse mais um
ponto, na visão de especialistas, que distancia o PT.
FORA DE ÉPOCA – “Aparentemente os
representantes do PT continuam insistindo numa linha político-ideológica que é
muito mais apropriada para a primeira metade do século 20, com uma perspectiva
de luta de classes e coletivista que se sobrepõe ao indivíduo. Os entrevistados
têm uma visão de valorização do papel do indivíduo” — avalia o cientista
político José Álvaro Moisés, professor da USP.
As citações a Lula entre os
entrevistados acontecem mais em relação ao seu exemplo de ascensão social do
que pelas políticas que implementou no governo. “Há uma busca por identificação
com histórias de superação e sucesso, é nessa medida que figuras tão díspares
como Lula, Silvio Santos e João Doria aparecem como exemplos”. Doria, aliás, é
citado como “beneficiário do cenário de descrédito” por ser “um não político,
gestor trabalhador que ascendeu e, por isso, não vai roubar”.
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