Josias de Souza
Há três meses, seria chamado de maluco alguém que dissesse que Renan Calheiros, tido como pilar da
governabilidade sob Michel Temer, viraria líder da oposição no Brasil.
Em dezembro de 2016, a pretexto de salvar o país do Apocalipse que
sobreviria ao afastamento de Renan da presidência do Senado, o Supremo
Tribunal Federal agraciou o personagem com uma punição meia-sola. Réu em
ação criminal, Renan foi retirado da linha de sucessão da Presidência
da República, mas foi mantido no comando do Senado, posto que exerceria
até 2 de fevereiro de 2017.
O
ministro Marco Aurélio Mello, dono da toga que ordenara a saída de Renan
da poltrona de presidente, rendeu homenagens àquele que rasgara seu
judicioso despacho. “Hoje, pensa o leigo que o Senado da República é o
senador Renan Calheiros”, disse Marco Aurélio, na sessão do Supremo em
que a maioria dos colegas deu de ombros para a desobediência de Renan.
”Diz-se que, sem ele, tomado como um salvador da pátria amada, não
teremos a aprovação de medidas emergenciais visando combater o mal
maior, que é a crise econômico-financeira. Quanto poder! Faço justiça ao
senador Renan Calheiros. Tempos estranhos os vivenciados nesta sofrida
República.”
Súbito,
Renan Calheiros, agora na pele de líder do PMDB, o partido do
presidente da República, põe-se a torpedear as reformas que prometia
carregar sobre os ombros. Vira a cara para a terceirização da
mão-de-obra. Faz careta para a reforma da Previdência. Tacha o governo
de “errático” o governo que supostamente apoiaria. Faz troça da
propalada habilidade política do pseudo-aliado Michel Temer: “Quem não
ouve erra sozinho.”
Em
tempo recorde, a tese de que o réu Renan seria o esteio do governo no
Congresso virou um conto do vigário no qual o seis ministros do Supremo
caíram. “Em benefício do Brasil e da Constituição da qual somos
guardiões, neste momento impõe-se de forma muito especial a prudência do
Direito e dos magistrados”, dissera, por exemplo, a presidente da
Corte, ministra Cármen Lúcia, na fatídica sessão. “Estamos tentando
reiteradamente atuar no máximo de respeito e observância dos pilares da
República e da democracia.”
Antes
das manifestações de Marco Aurélio e Cármen Lúcia, o ministro Luiz Fux
mencionara a “anomalia institucional” que enxergava no cenário. E
acrescentara que o afastamento de Renan seria mais ruinoso que sua
permanência. Sem ele, estaria comprometida toda uma agenda nacional que
exigia deliberação imediata do Congresso.
Deve-se
a migração de Renan da condição de Salvador-Geral da República para o
posto de Puxador-Geral de Tapetes a um sentimento que pode ser batizado
de ostracismofobia. Investigado em 12 inquéritos, nove dos quais
relacionados à Lava Jato, o senador convive com o medo de não ser
reeleito em 2018. Sem mandato, seus processos desceriam do Supremo para a
Vara de Sergio Moro, em Curitiba. Daí em diante, o risco do cárcere e
do ostracismo seriam o limite. É por medo de fracassar nas urnas que
Renan toma distância da impopularidade de Temer. Preocupa-se também com o
futuro do seu herdeiro político, Renan Cilho, candidato à reeleição ao
governo de Alagoas.
Renan
notabiliza-se como um desses políticos admiráveis que conseguem
atravessar a vida sem fazer nada de admirável. Repete com Temer o que já
fez com Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso e Dilma. Enquanto os
governos estão em boa situação, o mandarim de Alagoas se oferece para
como voluntário sofrer na própria pele as mais insuportáveis vantagens.
Quando o mar fica revolto, Renan salta da embarcação. Age sempre com a
desenvoltura de um transatlântico que abandona os camundongos. No
momento, Renan se recompõe com Lula, cuja popularidade em Alagoas
continua roçando as nuvens.
Renan
aposta na volta de Lula. O senador cospe num prato em que já não há
muito o que comer, com a perspectiva de retornar à mesa em momento de
maior fartura. A reincidência com que Renan reaparece nos arredores dos
cofres do poder é a maior evidência do ilógico que rege a política. Sua
capacidade de regeneração é um atestado da inconsequência de um país que
ainda confunde prontuários com biografias. A Lava Jato ensinou à
oligarquia política e econômica que a desfaçatez passou a dar cadeia.
Mas Renan resiste. A exemplo de correligionários como Eduardo Cunha,
Renan passou a impressão de atear fogo às próprias vestes durante o
ciclo do PT no poder. A grande diferença em relação a Cunha é que Renan
sempre se despe antes de riscar o fósforo.
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