José de Oliveira Ramos
A
casa era grande – não no sentido da Casa Grande de Gilberto Freyre – com
vários cômodos. Paredes construídas com barro de estuque e varas de
marmeleiro amarradas com palha de carnaúba, deixava sempre um cheiro de
Terra. Cheiro de vida, de suor e tempero da paixão que sempre tivemos
pelo nosso lugar. Lugar onde nascemos, vivemos e nos sentiríamos
premiados por Deus, se, também pudéssemos ter a sorte de fechar pela
última vez os olhos naquele mesmo lugar.
O
dia, como um poema que se renova a cada dia, começava com o cantar do
galo e os berros dos cabritos, cabras e bodes. O silêncio era tão
grande, que qualquer pessoa de boas “oiças” poderia escutar o barulho da
água fervendo para o café matinal.
A
claridade chegava e com ela a hora de apagar a lamparina acesa no
escurecer do dia anterior, “na boquinha da noite” – para alumiar apenas o
“cômodo” onde se juntasse mais gente.
– Meu fii, vá na venda comprar “uma quarta de litro de querosene”!
A
fala continha um misto de ordem com um pedido de favor e poderia ser
entendida de outra forma, se não fosse atendida imediatamente:
– Menino, se avexe e cuide logo, se não nós fica no escuro, quando a noite chegar!
Por
anos, a lamparina foi a principal “peça” noturna daquela casa. Servia
para tudo. Desde “alumiar” a escuridão, até acender o cachimbo – era,
também, a grande forma de economizar o desperdício de fósforos.
BOMBA DE ROJÃO
Começava
o mês de abril e, quando menos se esperava, chegava a Semana Santa e,
logo após, o dia 13 de maio, comemorado no Brasil em homenagem à Nossa
Senhora de Fátima. O fim de maio chegava rápido, como se fosse guiado
por um meteoro.
Começava
junho e a propaganda iniciava os apelos para as compras do Dia dos
Namorados, 12 de junho. Em seguida – o dia seguinte – os rojões,
traques, foguetes e tudo que representava o período junino começava a
“espocar” pela cidade. Fortaleza, ainda hoje é assim.
As
fogueiras, as bananeiras sendo “feridas a faca” pelas simpatias das
solteironas, anunciavam o dia de Santo Antônio: 13 de junho e estava
aberta a porteira oficial para os milhos assados, os bolos de carimãs,
os aluás de milho, de pão ou de casca de abacaxi. Os bolos de milho,
pé-de-moleque, bolo de batata doce.
Pais
chegavam de volta à casa e com eles vinham as caixinhas de “traques” de
estalinho, bombas de fósforo, foguetes rabos de saias – mas nunca
faltavam as bombas de rojão, as cabeças de nêgo, as rasga latas.
FILA PARA TELEFONAR NO "ORELHÃO" - O OUTRO COM DEFEITO
Ao
completar 18 anos e ficar livre de servir ao Exército, Paulinho
precisava sair da casa dos pais para tentar a vida (ainda sem uma
profissão definida). Com o dinheiro colocado no cofrinho de lata,
conseguiu comprar a passagem para a capital. Lá trabalharia mais alguns
meses e juntaria as economias para viajar e tentar a vida em São Paulo.
Nas priscas eras, na capital paulista sempre se encontrava trabalho
fácil – para quem queria realmente trabalhar.
Tudo como planejado. Trabalho garantido, estudos reiniciados para a profissionalização definitiva que não demoraria.
Na
tarde do sábado, Paulinho gastou passagens de ônibus e de trem urbano e
foi até o “centro” onde encontraria a Central Telefônica e, lá,
telefonaria para casa. Mais precisamente para a venda do Seu Cipriano.
Falou pouco, pois falaria mais no domingo, com tarifa mais barata:
– Alô, é Seu Cipriano?
– Sim. Quem fala?
–
Seu Cipriano, aqui quem fala é Paulinho, filho de Ademir de Rosa. Por
favor, peça para alguém falar um recado para o meu pai, que, amanhã, às
10 horas eu volto a telefonar para falar com ele.
Era
assim que se usava telefone, não faz tanto tempo assim. Hoje, embora
seja o objeto preferido dos assaltantes, para trocar ou pagar dívidas
com a droga, qualquer pessoa possui um telefone celular. Telefone de
conta no final do mês, telefone pré-pago com direito a bônus e ainda tem
o whats-ap.
Detalhe:
nenhuma operadora de telefone (apesar de “pagar muita propina”) que
serve ao povo brasileiro, presta serviço de qualidade.
VELOCÍPEDE - PRESENTE COMPRADO COM ESFORÇO PELOS PAIS
Velocípede,
patinete, pião, io-iô, bambolê (para as meninas), quebra-cabeças,
carrinho de madeira – no meu caso, sempre ganhei mesmo foi serra
tico-tico, martelo, serrote, lixo para madeira, prego e eu mesmo que
fizesse meus brinquedos.
Por
muitos anos, pais faziam economia para garantir a compra do material
escolar no ano seguinte, bem como o uniforme, os sapatos e a pasta para
carregar os livros. Mas, o velocípede, era um presente que os “niños”
ganhavam para passear ás tardes na pracinha ou no parque. Ou em casa, no
alpendre.
Por que mudamos tanto?
O que ganhamos, de prático, com essas mudanças?
Não
faz tanto tempo, o nosso “telefone” eram duas latas vazias amarradas a
um barbante, e vivíamos na ilusão da comunicação – e, provavelmente por
isso, nunca nos trumbicamos. - Texto gentilmente roubado lá do Jornal da Besta Fubana -
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