Josias de Souza
A julgar pela entrevista que concedeu a uma emissora de rádio na manhã
desta quinta-feira, nem o próprio Lula se apega mais ao mito Lula. O personagem
falou como ex-Lula. “… Nós estamos vivendo uma situação em que todo mundo está
com medo. Todo mundo está acovardado. E nós estamos sendo governados por uma
operação lá de Curitiba”, disse a certa altura, sem se dar conta de que, no seu
caso, a vida é governada pela Odebrecht.
Antes, Lula limitava-se a exaltar a própria honestidade. Agora, com seu
nome jorrando dos lábios de delatores como água em chafariz, o ex-Lula se
esforça para desmerecer a investigação: “Você pega o Fernandinho Beira-Mar,
está preso, incomunicável, matou mais de 600 pessoas, chama ele pra fazer uma
delação premiada. Ele vai acusar até a mãe dele. […] A delação premiada é uma
coisa espontânea. Não é uma coisa sob tortura.” Para azar do personagem, as 78
delações foram filmadas.
As cenas foram expostas na televisão, no rádio, na internet, nos
jornais, em toda parte. Exibem executivos metódicos. Munidos de anotações,
falam pausadamente. Tortura-os apenas a vigilância dos seus advogados,
regiamente remunerados para funcionar como babás jurídicas. Ouvindo-os, o país
confirmou o que já sabia: o limite entre o que pode e o que não pode no Brasil
depende apenas da capacidade do transgressor de enxergar o valor do gestor
público.
Não podendo mais negar o inegável, o ex-mito se defende como quem joga
porções de barro na parede, na expectativa de que cole. “Tem um cidadão que diz
que Odebrecht dava R$ 5 mil pro meu irmão Frei Chico. (…) Eu nunca dei um real
pro meu irmão porque ele nunca precisou e nunca pediu pra mim. Se a Odebrecht
resolveu das R$ 5 mil, problema da Odebrecht. Por que vem colocar o meu nome
nisso?” É mesmo infinita a generosidade do empresariado nacional! Paga mesada
até a quem nunca pediu.
“Meu filho estava envolvido no futebol americano, tinha patrocínio. Ora,
qual é o crime?”, indagou o entrevistado, sem fazer menção ao apelo que dirigiu
a Emílio Odebrecht para que ajudasse o seu caçula a empreender. Nada que o
patriarca da empreiteira não pudesse entender, sobretudo porque pedia a ajuda
de Lula num empreendimento bem mais lucrativo: azeitar as relações do filho
Marcelo com a então presidente Dilma Rousseff. Ambos falavam de negócios de pai
para filho, do tipo uma mão suja a outra.
“Fui incriminado por um apartamento que não é meu, (…) sou acusado de
uma reforma de um sítio em Atibaia. O sítio não é meu. O sítio tem dono, tem
cartório, tem tudo. Mas como eles contaram uma mentira, eles não têm agora como
sair.” De fato, a mentira aprisiona as pessoas. Mas o ex-Lula terá a
oportunidade de esclarecer por que não desautorizou Emílio quando foi comunicado,
no Planalto, de que a reforma que sua mulher Marisa Letícia encomendara seria
entregue no prazo.
Ex-Lula prosperou muito desde que deixou a Presidência. Mas suspeita que
tem gente faturando em seu nome. “Quem tiver contando mentiras, quem tiver
inventando historinhas, quem tiver dizendo que criou uma conta pra mim, para um
terceiro… Já faz sete anos que eu deixei a Presidência. Essa conta está onde?
Esse terceiro está onde? Esse cara deve estar comendo, então, o dinheiro que
era pra mim, porra!”
Na planilha do departamento de propinas da Odebrecht, a conta destinada
ao “Amigo” Lula tinha um saldo inaugural de R$ 40 milhões, disse o delator
Marcelo Odebrecht ao juiz Sergio Moro. Os desembolsos eram ordenados pelo
grão-petista Antonio Palocci, que indicou um auxiliar para buscar o dinheiro
vivo, sempre que necessário. Palocci está trancafiado em Curitiba. Com a
intuição já meio cansada, ex-Lula ainda não se deu conta de que o companheiro
pode estar na fila da delação.
“Que a Operação Lava Jato funcione, que ela explore quem fez corrupção,
que apure e que prenda as pessoas que roubaram, está tudo correto”, declarou
Lula, antes de voltar a perder o nexo: “O que não está correto é você paralisar
o país por conta de uma investigação. Não está correto. Daqui a pouco, está
entrando o papa Francisco nesse negócio. Daqui a pouco acusa todo mundo, todo
mundo, todo mundo… E sem provas, apenas porque alguém falou, que ouviu dizer,
que não sei das contas.” – A manchete e a imagem não fazem parte do texto original -
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