ESTÁ MAIS DO QUE NA HORA
DE DIVULGAR OS 77 DEPOIMENTOS DOS DELATORES DA ODEBRECHT, DIZ FERNANDO GABEIRA
EM ARTIGO PUBLICADO NO ESTADÃO:
O escritor Vargas Llosa
disse que a Odebrecht merece um monumento por ter revelado o mecanismo de
corrupção no continente. Naturalmente, referia-se ao modo de operar da empresa.
A Odebrecht, na verdade, revelou o mecanismo da corrupção, apesar dela.
A primeira etapa foi de
negação. Marcelo Odebrecht recusava-se a colaborar e orientava uma agressiva
tática de defesa. Funcionários da Odebrecht foram enviados ao exterior para
desfazer pistas, sobretudo na Suíça.
De fato, o mecanismo da
Odebrecht é monumental, incluindo o uso de um banco, de cervejarias e inúmeras
outras empresas que cobriam sua identidade. Mas a empreiteira só decidiu mesmo
revelar toda a trama, até a internacional, quando foi descoberto o seu setor de
operações estruturadas, que articulava esse IMENSO E SOFISTICADO LARANJAL.
O mérito real da
revelação do mecanismo que unificou quase todos os governos do continente na
mesma teia de corrupção é da Operação Lava Jato. Graças ao trabalho e à
competência da equipe de investigadores, todos os sistemas políticos ligados à
Odebrecht foram sacudidos e, em algum nível, terão de se renovar.
A LAVA JATO TORNOU-SE UMA
GRANDE AJUDA À IMAGEM DO BRASIL. EM MUITOS PAÍSES ONDE SE DEBATE O TEMA, É
CITADA COMO O EXEMPLO DE UMA INVESTIGAÇÃO BEM-SUCEDIDA.
Há outros ângulos desse
esquema de CORRUPÇÃO QUE ATINGEM a imagem do País. No Peru, por exemplo, foram
bloqueados R$ 191 milhões de oito empresas brasileiras ligadas à Lava Jato.
Empresas brasileiras,
assim no plural, aparecem nos títulos das notícias. O problema é que o Brasil
tem mais de 400 empresas operando no exterior. É importante que não sejam
chamuscadas, assim como é importante uma reflexão sobre como evitar que o
próprio brasileiro não seja visto com suspeição.
O MELHOR PARA ISSO,
CREIO, É AVANÇAR COM A LAVA JATO. O PASSO MAIS IMPORTANTE É LEVANTAR O SIGILO
DOS 77 DEPOIMENTOS DE DIRIGENTES DA ODEBRECHT. AFINAL, O QUE ELES REALMENTE
REVELAM SOBRE O GIGANTESCO ESQUEMA DE CORRUPÇÃO?
É sempre possível
argumentar que o sigilo favorece as investigações. Mas minha tese é que, se há
um tsunami pela frente, é melhor passar logo por ele. Espero que o sigilo
prolongado não seja apenas uma visão paternalista de evitar que a crise
política se aprofunde, de supor que ainda o País não está preparado.
Acrescento outro
argumento: um pequeno grupo que conheça esses dados tem sempre um grande poder
nas mãos. É razoável que queira torná-los públicos para evitar interpretações
maliciosas sobre o prolongado silêncio.
No jornalismo
costumávamos dizer que notícia é como baioneta, sentou em cima, ela espeta.
Sentar em cima das delações da Odebrecht, de um fato histórico dessa dimensão
continental, TAMBÉM PODE SER DOLORIDO.
Todas as delações com
importância secundária já vieram à tona. A SENSAÇÃO QUE TENHO É DE ESTAR NUM
RESTAURANTE LENTO ONDE OS GARÇONS, DE VEZ EM QUANDO, TRAZEM ALGO PARA NOS
DISTRAIR, MAS O PRATO PRINCIPAL MESMO CONTINUA NO FORNO.
Pode ser que exista de
fato uma preocupação com o processo de retomada econômica e os duros passos da
jornada para recolocar o País no eixo – na verdade, uma escolha que significa
apertar agora para não submergir adiante. Embora muitos contestem, acredito que
o avanço das investigações e a recuperação econômica se entrelacem.
O governo tem uma
diretriz de reformas necessárias e está a caminho de realizá-las. Mas o próprio
governo já balizou o cenário em caso de ser atingido pela Lava Jato: quem virar
réu perde o cargo. É uma norma anunciada e se for levada a efeito, creio, será
recebida com a naturalidade com que se anula um gol de mão.
Supor QUE SEJA POSSÍVEL
retardar o processo político – o tsunami envolve todo o sistema partidário –
para não deter o econômico é optar por uma tática ilusória. É mais do que hora
de dar a palavra aos 77 delatores da Odebrecht. TENHO VONTADE DE COMEÇAR A
BATER O GARFO NO PRATO VAZIO.
A necessidade de saber
não é para contabilizar quem recebeu quanto, divertir-me com apelidos
folclóricos. É A NECESSIDADE DE PENSAR UM POUCO ADIANTE, TER UMA IDEIA DE COMO
É POSSÍVEL RECONSTRUIR UM TECIDO POLÍTICO DILACERADO.
Admiro a energia de
pessoas sentadas sobre o tsunami. Mas estão sentadas também sobre o futuro do
sistema político brasileiro, que depende desses dados para esboçar um mapa do
caminho.
Felizmente, uma revelação
dessa amplitude provoca visões diferentes. Com os dados na mesa, à disposição
de todos, podem dar bons frutos.
Há um certo encanto em
navegar na neblina, em improvisar ao sabor dos eventos. Mas é preciso pensar um
pouco adiante, antecipar alguns passos mentalmente.
Não se trata de moldar o
futuro, nem de fantasiar amanhãs que cantam. Apenas deixar esta fase de insegurança:
crise, desemprego, violência crescente, distância abissal entre sistema
político e sociedade.
Isso não pode dar certo.
Submete a democracia brasileira a uma tensão cada vez maior. E de uma qualidade
diferente do movimento das diretas. Ali estava em marcha a conquista de um
direito: escolher o presidente da República.
A realidade mostrou-nos
que não basta escolher um presidente pelo voto direto. É PRECISO CONSTRUIR UM
ESPAÇO PARA QUE SE MOVA COM DECÊNCIA. A atmosfera política decaiu de tal
maneira que bloqueou as saídas. É necessária uma implosão para abrir
horizontes. A delação não pode ser mais uma obra inacabada que a Odebrecht
contrata com o governo. A composição polifônica precisa ser entregue ao
público. DEPOIS DO CARNAVAL, VÁ LÁ. MAS, PELO MENOS, NO INÍCIO DO ANO NOVO
ALTERNATIVO, QUE COMEÇA NA QUARTA-FEIRA DE CINZAS. - As imagens e a manchete não fazem parte do texto original -
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